Fernando Lopes oferece-nos os seus sorrisos do destino. ou: os sorrisos do seu destino. e dar-nos-à os seus sorrisos, pessoalmente. 6ªf, IPJ, 21h30.

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NOTA DE INTENÇÕES
Nesta Lisboa do século XXI em que ser moderno é sinónimo de dependência a novas tecnologias, quero um filme sobre relações virtuais e infidelidades electrónicas, de acordo com o ar do tempo.
Através de boleros que escoltam toda a narrativa do filme conto uma história de intensos amores e profundos desamores que, como diria a Dolores Duan, “é como se fosse uma canção de dor de corno”.
Fernando Lopes



CRÍTICAS

Irónico e actual. ‘Os Sorrisos do Destino’, novo filme de Fernando Lopes, é um retrato fiel das relações dos dias de hoje e da ‘interferência’ das novas tecnologias. Com olhos postos nas mensagens escritas e indiscrições dos telemóveis – que até podem denunciar relações extraconjugais –, a análise mordaz de Lopes faz-se em jeito autobiográfico, com Ana Padrão e Rui Morisson a lembrarem a ligação desfeita do realizador com Maria João Seixas. No início do filme, ficara o aviso: 'Qualquer semelhança com a realidade é pura ficção.' Mas, logo de seguida: 'O real ultrapassa a ficção.'
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Sofia Canelas de Castro, vidas.correiodamanha.pt




Os feitiços da lua - Uma divertida variação sobre o casal e a impotência

Fernando Lopes permanece como um dos nomes de referência do Cinema Novo, apesar de as suas duas últimas longas-metragens, "98 Octanas" (2006) e "Lá Fora" (2004), terem evidenciado algum esgotamento de soluções narrativas, de certo modo encerradas numa excessiva rarefacção, em que apenas o gosto de filmar e a capacidade de referenciar a memória cinematográfica davam a medida certa do seu talento para efabular a partir de indícios mínimos, da noção profunda de uma portugalidade ferida de morte - como acontecia nas adaptações de "O Delfim" (2002) ou de "Uma Abelha na Chuva" (1972), até hoje a sua obra maior.

"Os Sorrisos do Destino", a partir de um argumento bem arquitectado de Paulo Filipe Monteiro, embora em registo de comédia de costumes, curiosamente reminiscente de "Sorrisos de uma Noite de Verão" de Ingmar Bergman (o título está longe de ser inocente), vem repegar, sob a forma de jogo autoreferencial, nas suas obsessões anteriores e nomeadamente nos acentos trágicos de "O Delfim". Se não vejamos: o narrador do filme de 2002 (o excelente Rui Morrison, ainda e sempre com a sua máscara algo neutra de radialista de voz sedutora) passa a protagonista de um triângulo amoroso, gerado a partir de uma críptica mensagem de telemóvel, assinada por um misterioso Manuel B., diplomata e escritor africano, interpretado por Milton Lopes, o criado Domingos, ligado aos cães de caça, de "O Delfim", cujo par protagonista (Alexandra Lencastre e Rogério Samora) aparece num quase "cameo" autocitacional, no jantar que confronta os dois casais em estranha celebração; a oposição musical entre boleros e ópera (a baixa cultura e a alta cultura) recupera a sequência em que Samora canta "Sabor a Mi" no cabaret de "O Delfim"; a primeira ária de ópera apresentada, no programa de rádio, por Ana Padrão (também ela reminiscente da arrogância de classe da Maria dos Prazeres de "Uma Abelha na Chuva") vem de "A Força do Destino" de Giuseppe Verdi, cuja abertura dava o mote ao filme de 1972; até "Os Sorrisos do Destino" do título recompõem a componente fílmica bergmaniana e a musical de origem verdiana.




Depois, assistimos às múltiplas variações e desenvolvimentos sobre o tema (musical e fílmico) dado: o cão chamado Wotan (o deus de "O Anel do Nibelungo" de Richard Wagner) que, quando perdido parece responder ao apelo do dono por meio da "Morte de Isolda", do "Tristão e Isolda" do mesmo Wagner, mas acaba por reaparecer por um simples assobio; a centralidade de jantares e banquetes, brindes com vinho tinto e whisky; as cumplicidades masculinas entre Manuel B. e Manuel C., com a divertidíssima sequência do bolero, dançado em separado pelos dois homens, porque nenhum deles se consegue deixar conduzir pelo outro; o anel (uma aliança, marca de um casamento fracassado) lançado à água (omnipresente em "O Delfim" e em "Uma Abelha") a parodiar o final da tetralogia de Wagner, para apaziguar a ira dos deuses de uma tragicomédia comédia lusitana.

E constituirá delírio crítico ver a capicua do nome da protagonista, Ada, como uma cifrada caricatura do terrífico "Non" do Padre António Vieira e do filme homónimo de Manoel de Oliveira, sobre a guerra, latente no passado dos dois homens? E a mão de Manuel B. decepada por uma mina, não remeterá também de forma transversa para "A Caça" de Oliveira, num universo como o de Lopes povoado por lagos e pântanos e por personagens que se afundam na sua própria impotência? E a lua de George Méliès, aparentemente deslocada no contexto do final do filme, como divindade cinéfila que preside aos feitiços de uma guerra dos sexos herdada da comédia "screwball", em sonho de uma noite fictícia, não lembrará a sua muita diversa (e semelhante pelo excesso das paixões) utilização em "Le Soulier de Satin"?




Tudo o resto converge para esta noção de divertimento, desde a figura do filho que sobe as escadas em patins e se desloca em casa como se a vida passasse por imenso desporto radical. O tratamento do trio também decorre desta componente ligeira e paródica, nunca ocultando, porém, uma dimensão agridoce que impossibilita as relações e a comunicação.

Particularmente curiosa é a participação de Julião Sarmento, no papel de coadjuvante e de desencadeador da tecnologia que invade o filme como uma personagem subterrânea, a propiciar um grafismo moderno a uma velha fábula, a da traição controlada (e civilizada). Todas as contas feitas, "Os Sorrisos do Destino" não acrescentará muito à longa e importante obra de Fernando Lopes, mas constitui uma divertida e inteligente variação sobre os seus temas maiores.
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Mário Jorge Torres, Público


Ada é uma mulher cosmopolita, entre lançamentos de livros, programas de rádio, viagens a Itália e Wagner como música de fundo. Borboleta cultural, é natural que, aqui e ali, ceda às seduções que os artífices do gosto tão hábeis são hábeis a manusear. Do amor não saberemos o que pensa, mas o sabor da infidelidade está no rosto de Ana Padrão e cai-lhe bem. Carlos, o marido, pelo contrário, é um jornalista muito mais terra-a-terra, ao espavento sinfónica prefere os boleros de Los Panchos (espantosa banda sonora a desta fita - onde se compra?) e acerca do amor só sabemos que nunca há-de conseguir viver sem Ada. Rui Morisson é esse homem, seguro de si e, todavia frágil que, um dia, lê uma mensagem no telemóvel da mulher, por acaso, por artes do destino ele que nem é capaz de manusear tais aparelhos. Descobre que há um tal Manuel B. que anseia por voltar a estar com ela. E resolve conhecer esse outro parceiro que andava pela sua vida e ele nem sonhava. Escritor angolano, em casa isolada, de excelente gosto e melhor vinho, Manuel é Milton Lopes (que já em "O Delfim" era o homem que a senhora ia buscar). O que Carlos encontra e como resolve aquilo que encontra não cumpre dizer aqui, vão ver o filme. Convém saber, contudo, que ele leva no bolso uma navalha de ponta e mola, mas que esta não é uma fita de faca e alguidar.




"Os Sorrisos do Destino''' é uma situação triangular tão antiga. quanto a humanidade, contada com um sorriso nos lábios e um injúria no peito. Sagaz, o filme começa por uma alusão em subtexto (uma sessão fotográfica com uma top model em lingerie) onde o sexo se afixa com exuberante evidência, para depois o apagar quase por inteiro, como se esse fosse um assunto para o domínio do não-dito. Corajoso, enfrenta o pânico da solidão sem medo do ridículo naquela outra cena em que Carlos se levanta pela noite fora, sem norte nem rumo, e acaba acalentado pelo amigo que o mete na cama e lhe ajeita os lençóis, paternalmente - cena de uma verdade sem manejos, exemplar. Sofisticado, resolve-se numa espécie de encenação de alma grande, como se os comparsas masculinos fossem homens do mundo e soubessem sorrir perante os adejos das mulheres, os seus enlevos e enganos. Mas não sabem. No fundo há qualquer coisa de marialva por ali. Até no abandono a que Ada está votada.

Existe, no mais recente filme de Fernando Lopes, uma vontade de olhar as agruras dos sentimentos - o adultério, os cansaços, os jogos de sedução - com a leveza nobre dos cínicos amargos do cinema (Lubitsch, Wilder, evidentemente). Constatemos, no entanto, o ponto de vista excessivamente masculino para que se verifique a equanimidade que esses mestres sempre se esforçavam por praticar. E, à falta da arte da esgrima com que desembrulhar diálogos e situações, notemos que sobra uma ibérica consternação: boleros em que se pode marinar a dor de corno, temperada a álcool- whisky ou tinto (do Douro) - e tristeza. Quase quase já à beira das lágrimas. (Eu acho que a câmara desviou o olhar um segundo antes de acontecer. Questões de pudor, não temos nada com isso). Os filmes de verdade também têm direito a zonas reservadas.
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Jorge Leitão Ramos, Expresso


Título original: Os Sorrisos do Destino
Realização: Fernando Lopes
Argumento: Fernando Lopes e Paulo Filipe Monteiro
Interpretação: Ana Padrão, Rui Morisson, Milton Lopes, Teresa Tavares, Cristovão Campos
Direcção de Fotografia: Edmundo Diaz
Montagem: Jacques Witta e Carlos Madaleno
Origem: Portugal
Ano de estreia: 2009
Duração: 98’

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