A preguiça tem imperado neste blog. Mas só aqui. Reparem:
Em Maio ficámos sem sala de cinema.
Mas Julho e Agosto tiveram filmes ao ar livre.
Em Setembro ficámos sem máquina de projecção.
Temos estado, e vamos permanecer enquanto convidados, a programar algumas sessões em dvd no Pequeno Auditório do Teatro das Figuras.
Estes últimos meses, contudo, passámo-los a tentar solucionar o problema do equipamento de projecção com o respectivo proprietário - a Delegação Regional do Ministério da Cultura.
O local que inaugurámos com "O Sangue" de Pedro Costa em Maio de 1991, esse, abriu-nos imediatamente as portas assim que demos conta das nossas aflições.
O Auditório do IPJ foi o nosso palco durante muitos e gloriosos anos. Numa sala renovada, agora com um som espectacular, sentimo-nos em casa. Sentimo-nos - de novo - em casa. Para mais muitos e gloriosos anos.
A quem cuidou que estivessemos moribundos, oferecemos com particular empenho esta prenda de Natal. A quem nunca duvidou da nossa capacidade de resistir, esta mesma prenda é oferecida com particular carinho.
A todos vós: esperamo-vos de abraços abertos.
É então assim que decidimos reiniciar - para fechar o ano honrosamente, com um belo programa, antecipando um ano novo que, esperamos MESMO, venha a ser BOM.
DEZEMBRO 2009
INSTITUTO PORTUGUÊS DA JUVENTUDE
Ciclo Eles vivem! (e nós também!!)
11 Dezembro 21h30 A Corte do Norte, João Botelho Portugal, 2008, 120’
Adaptação possível do livro homónimo de Agustina Bessa-Luís, autora cujo estilo não se molda bem a adaptações cinematográficas, A Corte do Norte preserva a palavra de Agustina mas prescinde do dinamismo narrativo inerente ao cinema no seu estado mais puro, aquele que não está dependente dos vocábulos. Só que, dito isto, que imagens extraordinárias, que palavras impressionantes. Nesta história cruzada de mulheres de várias épocas, o texto de Agustina é muito bem lido, mas, principalmente, as imagens são de uma beleza de cortar a respiração, com enquadramentos rigorosíssimos e uma utilização da rodagem em formato digital para obter imagens que, sem exagero, são verdadeiros quadros em movimento. Ana Moreira é a âncora do filme, em cinco papéis diferentes, cujo eixo é uma jovem actual que tenta registar a vida das suas antepassadas durante o século e meio anterior numa casa da ilha da Madeira. A Corte do Norte não é filme para todos os gostos, mas naquilo a que se propõe, é difícil fazer muito melhor. Luís Salvado , Timeout
Como sabem, eu era amigo do José Álvaro e admirador sem reservas da sua delicadeza e do seu trabalho. Exímio director de actores, apaixonado por esta arte que nos move, e talvez o único cineasta romântico que existia entre nós. Deixou-nos cedo e deixou-nos um grande vazio. Lembro-me das conversas intermináveis sobre os projectos dele, sobre os meus projectos, e sobre as obras que íamos acabando. Lembro-me (e foi há muito mais de 15 anos) da excitação, do entusiasmo com que ele me anunciou o acordo com a escritora Agustina Bessa Luís para adaptar para o cinema A Corte do Norte, o excepcional romance que ela inventou para a Madeira. E lembro-me das 30 páginas sublimes que ele na altura me deu a ler, o seu primeira tratamento de A Corte do Norte. Em 2005, amigos do José Álvaro, e amigos meus, vieram inquietar-me com um desafio tão difícil como extraordinariamente fascinante. Honrar a sua memória, fazendo um filme digno dele e digno de Agustina. Li na sua adaptação “impossível”, porque apontava caminhos talvez demasiado dispendiosos e complexos para os dias que corriam, para o dinheiro que poderia haver disponível. Demasiadas épocas e situações num desejo desenfreado de fazer uma saga romântica. Li o romance “impossível” da Agustina, em que algumas incongruências de datas e de nomes e até de acontecimentos não beliscam nada à torrencial saga de uma família excepcional numa ilha fascinante, nem ao deslindar, passo a passo, peça a peça, de um “puzzle” extraordinário. Um romance histórico, um clássico épico sobre a Madeira, e ao mesmo tempo, sobretudo uma investigação surpreendente de um mistério elegante e poderoso, que cega, desgraça ou transforma quem dele se aproxima. Escolhi para adaptação apenas 4 épocas e 4 gerações, ao longo de 100 anos, e acho que não traio a Agustina nem o José Álvaro ao decidir assim. João Botelho, Fevereiro de 2009
12 Dezembro 21h30 Arena, João Salaviza Portugal, 2009, 15’
A curta-metragem Arena de João Salaviza, a única película portuguesa no Festival de Cannes, venceu hoje a Palma de Ouro, feito inédito no cinema português. A ida pela primeira vez a este festival é já uma vitória, disse o realizador à agência Lusa, porque "mais do que o lado competitivo, Cannes é uma oportunidade para mostrar o filme a imensa gente". "Arena" conta a história de Mauro, um rapaz que está a cumprir uma pena em prisão domiciliária e que enfrenta o dilema de transgredir a lei para acertar contas com um grupo de miúdos marginais. Arena é um filme sobre violência urbana e juvenil, sobre bairros problemáticos que são verdadeiras "bombas-relógio".
Morrer como um Homem, João Pedro Rodrigues Portugal, 2009, 133’
Há algo copiosamente fascinante no cinema de João Pedro Rodrigues. Doze anos volvidos sobre a curta-metragem "Parabéns" (com que espanto a descoberta, em 1997, no Festival de Veneza!) e após "O Fantasma" (2000) e "Odete" (2005), há uma coisa que já tomamos como certa a temática gay -, mas subsiste, aprofunda-se, ganha peso e emoção o efeito-surpresa que cada novo filme traz consigo. É como se João Pedro Rodrigues não quisesse sair do mesmo território, mas recusasse percorrê-lo com navegador de bordo ou coordenadas conhecidas. Cada viagem é um mergulho, pode-se mesmo dizer que cada vez mais profundo, à polifacética humanidade que o ocupa. Desta vez é a história de Tónia, um travesti que não se limita a vestir-se de mulher no bar onde é profissional do espectáculo, mas transporta essa transformação para a vida quotidiana. "Morrer como Um Homem" é um melodrama de que Sirk havia de gostar, fotografado por Rui Poças com a mestria de quem afeiçoa luz e cor, onde se questiona, com preciosa coragem, o balouço entre o varonil e o feminil, aceitando a verdade e escorraçando todos os mundos virtuais. E, cem anos que viva, a sequência do cemitério não a hei-de esquecer mais. Jorge Leitão Ramos, Expresso
13 Dezembro 18h00 Um Amor de Perdição, Mário Barroso Portugal, 2008, 81’
Porquê Amor de Perdição, depois das adaptações de Georges Pallu (1921), António Lopes Ribeiro (1943) e, sobretudo, depois do inesquecível e marcante filme de Manoel de Oliveira (1978)?”, pergunta Mário Barroso na sua nota de intenções ao seu Amor de Perdição, que realizou. Porque, entre outras coisas, entende-se da nota de Barroso, este Amor de Perdição, não é tanto a história de amor (contrariedade) entre as personagens de Teresa e Simão, com conflito burguês em fundo, é mais uma história de destruição de um herói, Simão Botelho, que o realizador compara a Adele H, a filha de Victor Hugo, aos protagonistas de Elephant aos “kamikazes” do Iraque, a Jim Morrison, Sid Vicious ou Kurt Cobain – é doido como eles. “O ‘nosso’ ‘Amor de Perdição’ será, essencialmente, Simão Botelho, adolescente quase criança, solitário, intransigente narcisista, suicidário, destrutivo e auto-destrutivo que atrai ‘como uma auro fatal, uma luz negra, a maior parte das pessoas com quem se cruza’. Ípsilon, Público
19 Dezembro 21h30 Deus Não Quis, António Ferreira Portugal, 2007, 15’
Conquistou o "Prémio de Melhor Montagem" no Festival de Cinema Europeu GRAND OF, na Polónia, e "Prémio de Melhor Banda Sonora" no Ovarvídeo. Com estas distinções, ascende a 13 os prémios conquistados por este filme Português, que conta já com selecções em mais de 20 festivais nos cinco continentes. A premissa simples é muito bem trabalhada por António Ferreira. Em 15 minutos se conta uma história, bem conseguida do ponto de vista formal, e que tem a particularidade de respirar a nossa portugalidade.
Trailer
O Sangue, Pedro Costa Portugal, 1989, 98’ O Sangue é de um esplendor absoluto, uma obra de estreia de uma beleza de cortar a respiração. O Sangue é mais que uma obra-prima instantânea, um golpe de mestre ou a revelação de um jovem cineasta português. O Sangue faz parte desses primeiros filmes, muito raros (“La Nuit du chasseur, Les Amants de la nuit, Badlands, Lola, Shadows, Adieu Philippine, L’Enfance nue, Accatone…) que podemos classificar como milagrosos, cuja ambição é tão grande e os elementos difíceis de manipular que parecem ir direitos à catástrofe certa, até que nos apercebemos deslumbrados que saíram indemnes de todas as provas, que o que não os matou os tornou mais fortes, mais belos, mais essenciais. O SANGUE é um baptismo de fogo em forma de apoteose. Fréderic Bonnaud, Les Inrockuptibles
20 Dezembro 18h00 Singularidades de uma Rapariga Loira, Manoel de Oliveira Portugal/França/Espanha, 2009, 63’
Singularidades de uma Rapariga Loura é o filme do centenário. E o centenário que comemora é o do próprio realizador, Manoel de Oliveira, que aos 100 anos de vida mostra uma juventude de espírito e uma energia produtiva de fazer inveja a muitos jovens. O seu mais recente filme (mas outro já está na forja!) adapta um conhecido conto de Eça de Queirós, uma história repleta da ironia do mestre do realismo literário português que é também uma subtil sátira aos costumes e convenções de uma burguesia medíocre e convencida. Oliveira, igualmente responsável pelo argumento, 'actualiza' a história de Eça, tal como fizera com A Princesa de Clèves, de Madame de La Fayette, em A Carta. Em ambos os casos, o que o autor procura é mostrar a permanência de regras, convenções e preconceitos que ditam as relações sociais e românticas ao longo dos tempos. Singularidades de Uma Rapariga Loura é exemplo de um cinema 'puro' há tanto tempo ausente e que tanta falta faz. Manuel Cintra Ferreira, Expresso