Enquanto oiço a maria de medeiros cantar ( e não posso deixar de referir que voz cinematográfica ela tem, foi uma boa surpresa, sugiro a sua audição) vem-me constantemente à memória a presença mágica do cinema, que mesmo sem querer, fica presente na nossa vida e cuja recordação é tão ou mais real que a de muitos factos na verdade vividos.
Isto é a memória fílmica equivale-se á memória de acontecimentos passados. E mais a imagem do cinema salta para o quotidiano, como por exemplo ver passar qualquer um jovem numa vespa e quem vai a passar é o Nanni Moretti, nas suas deambulações no Caro Diário.
E este é só um exemplo ao acaso e que surgiu por ter revisto o filme, num qq canal de TV.
(Sempre encontramos nos filmes alguma frase que nos marca. Que nos diz algo para além daquilo que lá está. Para além do texto do filme, para dentro do texto da vida. Esta é para mim, definitivamente, uma remarkable quotation.)
"It's time to get serious.... I was often alone, but I never lived alone. When I was with someone I was often happy. But I also felt it's all a matter of chance. These people are my parents, but it could have been others. Why was that brown-eyed boy my brother, and not the green-eyed boy on the opposite platform? (...) I was with a man. I was in love. But I could just as well have left him there, and continued on with the stranger who came toward us.... Look at me, or don't. Give me your hand, or don't. No, don't give me your hand, and look the other way.... I think there's a new moon tonight. No night is more peaceful. No blood will be shed in the whole city.... I never toyed with anyone. And yet, I never opened my eyes and thought: 'This is it.'... It's finally getting serious. So I've grown older. Was I the only one who wasn't serious? Is it our times that are not serious? I was never lonely. Neither when I was alone, nor with others. I would have liked to be alone at last. Loneliness means at last I am whole. Now I can say it because today I am finally lonely. No more coincidence.... The new moon of decision. I don't know if destiny exists, but decision does exist. Decide. Now we are the times. Not only the whole city, but the whole world is taking part in our decision. We two are more than just two. We personify something. We are sitting in the People's Plaza, and the whole plaza is filled with people, who all wish for what we wish for. We are deciding everyone's game. I am ready. Now it's your turn. You're holding the game in your hand. Now or never. You need me. You will need me. There's no greater story than ours. That of man and woman. It will be a story of giants. Invisible, transposable. A story of new ancestors. Look. My eyes. They are the picture of necessity, of the future of everyone on the plaza. Last night I dreamt of a stranger. Of my man. Only with him could I be lonely. Open up to him. Completely open, completely for him. Welcome him completely into myself. Surround him with the labyrinth of shared happiness. I know it is you. "
Nos últimos dias, pela tarde começam a chegar de Oeste umas nuvens densas, de um branco cerrado, balofas, redondas mas de rebordos em fiapos. Devem vir do Pacífico - querem por força assentar nos campos amarelados do circuito de manutenção de Stanford, o "dish". Como encontram os montes de Woodside entre o mar e a povoação (ou melhor, as povoações: Stanford, Palo Alto e Menlo Park, pelo menos), ficam-se ali, repimpadas sobre os topos, e deixam-se ver na distância como se preparassem a paisagem para o fotógrafo. Tenho passado diariamente pelos campos planos de Stanford, de onde as vejo. E imagino um dia de Junho, a paisagem chã e seca a seis ou sete milhas dos montes ainda verdes. Imagino Eadweard Muybridge de conversa com Leland Stanford, ao sol, para tentarem provar que as quatro patas de um cavalo se suspendem no ar, ao mesmo tempo, durante a corrida. Foi nestes campos que, em 1878, Muybridge instalou vinte e quatro câmaras fotográficas numa pista paralela àquela onde corria o Sallie Gardner, e captou o movimento do cavalo. A Muybridge interessava mais o lado fotográfico da experiência, não tanto o que viria a chamar-se, alguns anos depois, o cinematógrafo. O seu encontro com Thomas Edison, em 1888, na costa Leste, é que acelerou o desenvolvimento da técnica que haveria de acrescentar-se em arte. Passo naqueles campos com uma mal disfarçada vénia.

A vida dos outros/ a nossa vida

parece que dui das poucas pessoas que na 4ª feira passada ainda não tinha visto o filme.
e porque tinha estado fora, fui confrontada com a brilhante e oportuna ( percebi depois) apresentação da Anabela.
há tempo que não via um filme tão simplesmente eficaz.
para muitos deve parecer já muito longíquo o muro de berlim, mas eu que tive a possibilidade de o atrevessar por 2 vezes, não acho nada demais esta lembrança. E claro que o filme além do mais transcende esse facto fisico, para nos confrontar com a mudança e as dúvidas que os seres inteligentes podem sofrer.
A reter e a rever este filme porque é cinema como arte maior e também para que não nos falhe a memória. Às vezes não ligamos aos sinais ( vide VPV e AB no Publico de hoje)
E mesmo assim parece que há sócios que não viram o filme e gostariam que fosse programado outra vez!
Clarisse

porque não gosto de cinema (I)

1. digam-me se este tamanho de youtube está bom assim, ou se ponho maior ou menor - digam MESMO, ok?

2. esta é a 1ª parte da resposta ao post da marina - e explicitação do que eu mesma quis dizer na última parte do meu primeiro comentário a ela (xi, que complicado - resumindo, era quando dizia algo dificilmente defensável: que se calhar não se gosta de cinema mas de momentos de (e do) cinema).


Dziga Vertov, O Homem com a Câmara de Filmar, 1929

banda sonora dos Cinematic Orchestra (surge após os 2 primeiros minutos do filme)

(este usuário do tube disponibiliza o resto do filme; a nossa dvdteca, também. a escolha é sua)

atente-se nos propósitos de vertov enunciados no genérico inicial.



bom domingo a vosotros.


(ah: nova música de entrada. bem vindas todas as sugestões, pois a ideia é mudar todas as semanas)

Aleksandr Petrov

Teatro Maria Matos, sexta feira chuvosa em Lisboa, chegada a amaldiçoar o laboratório e as bactérias(as mesmas tipas que me haviam tornado impossivel a ida à retrospectiva do Norstein no dia anterior) responsáveis por um atrasado suficiente, pensava eu, para ter perdido a demonstração e chegar em cima da hora da sessão da retrospectiva da obra, daquele que é tido como o herdeiro maior de uma escola de animação que terá sido, em tempos a mais evoluída do mundo. Intérprete de uma técnica assombrosa como é a pintura em óleo sobre vidro. "Afinal ainda não começou", penso, enquanto me dirijo apressadamente para a porta da sala enquanto os acompanhantes de sala gritam num sussurro entre si com ar preocupado "Espera! Ainda falta mais um..." Reparo já no meu lugar, no retroprojector encostado a um canto do palco e chego à conclusão que adoro este país... É que é quaaaase perfeito pá!!!
Mais uns minutos, uma pequena apresentação e eis que o Alekandr Petrov entra numa sala muito bem composta que o recebe com uma estrondosa salva de palmas, ele, com o desconforto próprio de quem quer estar em qualquer sítio do universo menos ali, esboça um aceno e um sorriso tímidos, faz uma pequena apresentação, com a ajuda da tradutora, sobre o que se vai passar, apresenta os seus filmes (fico a saber que o velho e o mar não será exibido) e em jeito de piada diz que vai fazer uma pequena demonstração da sua técnica, mas se se tornar aborrecido basta que o público grite STOP, que ele agradece muito a recolha prematura ao hotel.



Durante 15 minutos, pinta com os dedos, as mão, as unhas, as palmas, uma imagem de um do filmes que se seguirão, o Mermaid, perante uma plateia que oscila entre o atónita e o em suspenso. "A masterclass deve ter sido brutal", penso esmagado, "Quem me dera ter podido ir", continuo, "nem que fosse para ficar a ver" (dado que não sou pessoa para partilhar os meus desconexos e trôpegos dotes artísticos assim levianamente).
Seguriram-se os filmes, todos eles, ou quase, adaptações de obras literárias de vulto, e todos eles, ou quase, têm em comum umaa tisteza e melancolia poéticas. "The Cow"(1989), "Dream of a Ridiculous Man" (1992), "The Mermaid" (1996) e o assombroso My Love (2006) compõem o programa...
Aqui fica a título de demonstração o link do trailer do My Love que consegui arranjar, mas com umas legendas em chinês, ou algo parecido...





Animar-me

Acho que é desta que consigo ir... à MONSTRA!!!

E sabem quem está hoje no Maria Matos a fazer um live act, seguido de uma retrospectiva da sua carreira e obra??

Do prazer ou a arte de ir ao cinema

Domingo à noite. O que fazer? Ir ao cinema é sempre uma opção. Aliás, domingo é o dia oficial de sair de casa para ver um filme, ou comer pipoca, ou... Enfim. Domingo é também o dia oficial do tédio, dos programas estúpidos na televisão, da inexorável sensação de que a seguir, já é segunda-feira. Por que vou ao cinema?
São quase 8h. Olho no espelho mais uma vez e vejo se a roupa está coerente com a ocasião. Confortável, esperando o frio do cinema e as cadeiras com cheiro de pipoca e gordura. Vou ao cinema porque hoje já não é sábado, porque quero ver algo que me tire de um espaço, às vezes pequeno demais, e que me permita viver outra vida, outras vidas. Uma multiplicidade de sensações. A sala escura é sempre um convite ao mergulho.
E agora, o que quero ver? Posso escolher entre o entretenimento puro ou o prazer mais denso de um filme “de arte”. Um prazer reflexivo (é possível?). Se a minha opção foi a primeira, corro, normalmente, para o cinema americano típico. Um cinema que não se esquece nunca de que, antes de tudo, é pura diversão. Quero sentir e não pensar, ouvir todos os telemóveis que tocam insistentemente a minha volta, ver aquela menina com cara de quem saiu com a roupa de domingo, o outro que não está interessado no filme, mas em quem está ao alcance de suas mãos, aqueles que não param de falar absurdos, o que faz você pensar que deveria existir um medidor de QI a entrada do cinema.(Alguém que não entende Piratas das Caraíbas 3, só pode sair de casa acompanhada de enfermeiros e com a medicação em dia. Tarja preta é claro).
Há quem fale contra o cinema-diversão, aquele tipo sessão da tarde, para ver e esquecer. Rir, chorar, gritar de susto ou prazer e, ao sair da sala, não levar nada consigo. Como bem disse um personagem de Fassbinder: as pessoas infelizes acham as pessoas felizes vulgares. O prazer instantâneo é negado, mas dele não devemos abrir mão.
Há o outro cinema, aquele que é considerado arte e que passa correndo pelas salas locais. Certa vez estava vendo um filme de Bergman. Lá pelo meio da sessão uma moça perguntou a outra: Você está entendendo alguma coisa? A outra respondeu: não. Mas isto é um filme de arte, não é para entender. Profunda definição. Podemos até não entender, mas não podemos deixar de sentir. Sentir um prazer profundo de partilharmos um segredo. Eu rio das piadas que aquele sentado ao meu lado passa meia hora para perceber. O prazer de reconhecer traços, marcas, estilos. O prazer de me sentir renovada, movimentada, respeitada enquanto um ser pensante.
Hoje é domingo. Preferia que fosse uma terça-feira chuvosa, um cinema vazio, sem cheiro, com uma história para contar. Hoje é domingo, não chove, vou ao Shopping. Mesmo assim, o repetido prazer de me entregar à escuridão acolhedora e sensual da sala de cinema faz com que eu dê uma última olhada no espelho e corra para não perder a última sessão.

Às vezes acho que gostar só não basta.
Afinal, o que é gostar de cinema? O que quer dizer “gostar de cinema”? Em que se pensa quando se diz “gosto de cinema”?
Para procurar uma resposta a estas perguntas, podemos recorrer a Kant que explicita e categoriza as condições inerentes à faculdade do juízo do gosto, e define e distingue o aprazível, o bom e o belo. Há muito tempo, portanto, que deixou de fazer sentido questionar se um filme como Superman Returns é mais ou menos belo do que La Terra Trema, porque belo é tudo aquilo que universalmente se aceita como tal. Mas o cânone está mais ou menos estabelecido, e poucas dúvidas restam acerca do que é belo no cinema, se tomarmos em consideração a lógica Kantiana. “Gostar de cinema” é, no entanto, diferente de gostar deste ou daquele filme porque o cinema, infinito e incomensurável, não é um objecto a que se possa chamar belo. Ou então não faria falta um cânone. Nem fariam falta juízos estéticos; a todos os filmes seria inerente o belo.
Deixando de parte questões de estética, coloco outras. Gostar de cinema é o mesmo que gostar de “ir” ao cinema? Porque pode ser que, independentemente das qualidades intrínsecas ao objecto em exibição, o espectador se sinta atraído pela sala às escuras, pelo som do projector, pelo fechar das portas e abrir das cortinas, ou pela lembrança do sonho ou útero, pelo esquecimento do corpo, pelo despertar da visão, pela evocação do espelho, pela (in)satisfação do desejo. Gostar de cinema confunde-se, por isso, com gostar da sala de cinema, de estar no cinema, de ir ao cinema.
Se gostar de cinema está directamente relacionado com gostar de estar na sala de cinema, o que dizer dos que vêem cinema no monitor do computador? O que dizer do DVD? Do ipod e da televisão? E se, de novo, surgisse o drive-in? O que pensar da distribuição online e do lançamento directo para o circuito de vídeo? Bubble, de Steven Soderbergh, por exemplo, foi lançado simultaneamente na Internet, na TV por cabo e nas salas de cinema. Atentado contra a instituição “cinema” ou reflexão crítica um tanto forçada sobre o que é, enfim, o cinema (e gostar dele)?
Outra vez, se gostar de cinema e gostar de estar no cinema são uma e a mesma coisa, por que razão não se privilegia o Imax? Por que razão não singram as salas de cinema com ecrãs gigantescos? Por que morreu quase à nascença o 3-D? Por razões estéticas, de novo? Porque os filmes aí projectados não são belos? Mas uma das instalações multimédia de Douglas Trumbull, o supervisor dos efeitos especiais de 2001 e de Blade Runner, está em exibição no Imax de um casino/hotel de Las Vegas.
Não acho que gostar de cinema (que é uma expressão em que não acredito) tenha de estar dependente de tantas variáveis ou tenha de obedecer a tantos critérios. Gostar de cinema (o que quer que isso seja) acontece porque e quando se experimenta, com maior ou menor grau de intensidade, uma ou todas ou nenhuma das situações a que acima faço referência. A distinção que quero fazer é outra, no entanto. E podem discordar.
A tendência para subordinar o cinema às outras artes, nomeadamente à literatura, é bem conhecida. Frequentemente se esquece que as duas artes obedecem a gramáticas diferentes e procura-se no cinema as regras e o desvio às regras que se aplicam à literatura. O facto de se “gostar” de cinema não ajuda. Na academia, o cinema serve muitas vezes de ilustração, de legenda, de nota de rodapé, o que o reduz a mero exemplo (a horrível máxima “uma imagem vale mil palavras” não faz justiça, afinal, nem ao cinema nem à literatura) e o priva da sua função estética.
Foram muitas as vezes que vi fazer referência ao cinema, em Stanford, a universidade americana que me acolhe desde Setembro. Fico sempre um pouco inquieta quando isto acontece, mas não acho que seja muito grave. Afinal, todos “gostamos de cinema” e eu não posso permitir que uma forma de “gostar de cinema” (a minha) prevaleça sobre outra (a dos outros). Mas levanto alguma resistência quando um professor de Literatura Anglo-Saxónica ensina o cinema de Woody Allen porque, e cito, “I love the movies” e “I love Woody Allen”. Gostar de cinema e gostar de Woody Allen é fantástico, é “cool”, é novidade e frescor, sem dúvida. Mas não salva este professor (e outros, há outros) de passar hora e meia a ensinar generalidades impressionistas e imprecisas. O cinema de Woody Allen é aliciante para este professor porque 1) ambos têm a mesma idade, 2) ambos passaram pelas mesmas experiências, 3) ambos se sentem atraídos pelas mesmas questões filosóficas e psicanalíticas, e 4) ambos acham que o humor é uma arma. Que razões dará este professor para ensinar Emily Dickinson, pergunto-me.
Por isso acho que gostar só não basta. A especialização é uma chatice, todos sabemos e concordamos, mas se o contrário é um discurso generalista repleto de banalidades e trivialidades, eu prefiro a compartimentação.
Preferia que, ao menos uma vez, alguém dissesse “não gosto de cinema”. Talvez o distanciamento que daí resultasse deixasse espaço para o rigor, o critério e o espírito analítico. O cinema ia gostar.

De volta ao mesmo lugar?

A certa altura de Vertigo, Scottie (James Stewart) sai de casa para, mais uma vez de muitas, seguir Madeleine (Kim Novak). Entra no carro, põe-se em marcha e estaciona perto do alto prédio rosado, como antes tinha feito, à espera que ela saia. Quando Madeleine aparece e entra no seu próprio carro, começa a perseguição, quase toda filmada com a câmara dentro do automóvel de Scottie. O espectador tem alguns vislumbres da cidade, das traseiras do carro de Madeleine, mas prende-o a expressão de Scottie, que se vai tornando mais intrigante à medida que as ruas descem - quase sempre descem -, íngremes, e o carro curva de um quarteirão para o outro. De intrigado, o semblante do detective passa a aborrecido, depois incomodado e, mais adiante, conformado. (Stewart é magnífico; o sentido de cada plano passa quase só pelos trejeitos do seu rosto.) Scottie pára o carro e sai: está em frente da porta da sua própria casa, de onde saira havia poucos minutos. Já no pequeno patamar, Madeleine, de casaco branco e luvas negras, dá pela chegada do detective depois de lhe ter deixado um envelope na caixa do correio:
Scottie: A letter for me?
Madeleine: Yes, hello.
Scottie: Oh. I worried about you last night. You shouldn't have run off that way.
Madeleine: Well, I, I suddenly felt such a fool.
Scottie: Well, I wanted to drive you home. Are you all right?
Madeleine: Oh yes, yes I'm fine. No after effects. But as I remember now, the water was cold wasn't it?
Scottie: Yeah, it sure was.
Madeleine: What a terrible thing for me to do. You're so kind. It's a formal thank you note and a great big apology.
Scottie: Well, you've nothing to apologize for.

"Nada", a não ser ele tê-la salvo, no dia anterior, de morrer afogada na Baía de San Francisco. Scottie abre a porta de casa, entra por segundos e volta ao patamar, para junto de Madeleine, com o envelope na mão.
No filme sobre uma mulher que "vive duas vezes", este é mais um exemplo de que nada se repete tal e qual - volta-se aos mesmos lugares, há regressos inesperados e que deixam algum embaraço, mas as repetições, na verdade, nunca o são. Scottie voltou a casa, mas agora tem ao seu lado Madeleine. Os círculos não se encerram por completo, pois o final da curva desvia-se um pouco antes de retomar o curso da linha curvada. Assim se vai formando a espiral vertiginosa de que fala o título deste grande filme. Repitam-se as vezes que o virmos, jamais o veremos igual.

Based on a True Lie

Vale a pena ver ou rever os dois filmes de Billy Ray (Shattered Glass e Breach) cineasta que, como realizador, parece ter uma propensão para o que eu chamaria de "histórias baseadas numa mentira real".
Em Shattered Glass, Ray conta-nos a história do jovem jornalista Stephen Glass que durante anos publicou dezenas de artigos inteiramente fabricados (ficcionados) com pessoas, empresas e acontecimentos fictícios, o que não deixa de ser interessante, pois é um movimento inverso mas semelhante ao que o cinema faz da realidade que por sua vez deveria ser o domínio do jornalismo (ou não).
Mais recentemente em Breach, baseado na investigação que levou à prisão de Robert Hanssen, agente do FBI que durante anos fez espionagem para a URSS e mais tarde Rússia (depois do colapso da União), a mentira é dulpa, pois o filme é contado do ponto de vista do jovem pseudo-estagiário Eric O'Neill, que é colocado a trabalhar com Hanssen, de forma a poder relatar todos os seus movimentos suspeitos aos superiores do FBI (na verdade, a mentira chega a ser tripla, pois numa primeira abordagem, a agente que contacta O'Neil também lhe esconde a verdade dos verdadeiros pretextos para a sua investigação).
Repare-se igualmente nas semelhanças dos dois protagonistas de ambos filmes. Ambos jovens ambiciosos e dispostos a mentir. E as fronteiras morais da mentira ficam ténues, quando a pequena mentira se multiplica e expande perante o exterior monstruoso que envolve o protagonista -- em Glass, os media, em Breach o mundo dos serviços secretos.
Billy Ray é um cineasta cuja carreira será interessante seguir, ficando a questão no ar se Ray irá se especializar neste cinema ficcional-do-real-da-mentira e, em caso afirmativo, qual será o próximo grande embuste Americano que irá retratar.

Realidade/Verdade Virtual

O director de fotografia de Zodiac, Harris Savides, declarou à American Cinematographer: "Part of the approach on Zodiac was to make it look mundane enough for people to accept that what they’re watching is the truth. We didn’t want to hype anything or design anything to be seductive."
E assim se lança a questão: poderá um filme que é "fotografado" numa câmara digital (Thomson Viper FilmStream), que grava a imagem directamente em ficheiros informáticos num disco-rígido, dar ao espectador uma sensação de que o que estão a ver é verdade?
Ao visionar o filme, uma das características da imagem que salta à vista são as cenas a baixa luz sem o grão que normalmente se tem quando rodado em película. Por outro lado, em cenas de noite, em ruas escuras ou terrenos mais abandonados, o horizonte longíquo da cidade tem mais luz do que o que se passa em primeiro plano, o que é o contrário do que normalmente se captava em filme, pois os projectores que eram precisos para iluminar a cena e imprimir a imagem davam necessariamente mais leitura ao que estivesse em primeiro plano (apesar de que nos últimos anos películas mais rápidas e sensíveis já permitissem outro género de filmagem à noite, a baixa luz e quase sem grão). Mas há quem diga igualmente que gosta do grão da película, que adora particularmente o visual do 16mm transferido para 35 que aumenta substancialmente o tal grão. E há quem afirme que esse look é mais real, e que o digital é artificial.
Pessoalmente penso que a questão da realidade da imagem não está no seu suporte, mas no que é filmado. E por sua vez o que é filmado é por vezes mais real quanto mais artificial. Aliás, muitos dos efeitos especiais hoje em dia são usados não para encher o olho do espectador com os seus artifícios mas, escondendo-se, apagar os seus efeitos, e tornar mais real o que se vê na imagem.
1
Saudações cinéfilas a todos os sócios/membros do CCF e demais.

2
Fui ‘iniciado’ nestas lides do cinema no Algarve pela Anabela Moutinho e pela Graça Lobo através do programa JCE e respectivas acções de formação.

3
Sendo professor do ensino básico e secundário (actualmente a exercer em Quarteira) interessa-me sobretudo o papel que o audiovisual pode ter na formação dos jovens, principalmente dos que vivem neste reino do sul de Portugal.


Feitas as apresentações, toca mas é a postar, que o pessoal daqui não quer conversa fiada.
Há uns tempos atrás, a Graça disse-me que alguns ‘miúdos de Quarteira’ desabafaram que não tinham sonhos.
Caraças! Chiça! Fosga-se!
Onde é que já se viu, jovens sem sonhos!
Noutra altura, a meio de uma aula (talvez de Área de Projecto), um aluno disse-me plenamente convicto: “a mim não me interessa conhecer coisas diferentes”.
Cara…! Chiça! F…-se!

4b
Há cerca de uma década, duas distintas senhoras, professoras, ligadas ao CCF, tiveram uma ideia – levar o cinema às escolas, pôr os cachopitos a ver filmes. Para muitos deles seria a primeira vez que viram um filme sem ser na televisão.
Se calhar não é por aqui que se cria mais público para o cinema. Mais cedo ou mais tarde iriam à Guia ou ao Fórum…
Mas, se calhar é por aqui que se cria mais público crítico de cinema. Gente que algum tempo depois já não tem opiniões como aquelas que referi atrás.
Ele há muita coisa para fazer. Pois há. Mas o que interessa é que se faz.
Parabéns pelo aniversário.
Parabéns pelas iniciativas.

5a
Inaugurou recentemente no Palácio Foz a Cinemateca Júnior com uma exposição, creio que permanente, de brinquedos ópticos. Está excelente! Vale mesmo a pena. E não é só para juniores.
Tive a oportunidade de fazer uma visita guiada onde fui amavelmente acompanhado por uma das responsáveis. Muito inocentemente perguntei se uns instrumentos à entrada (um zootrópio, um praxinoscópio e uns taumatrópios) seriam exemplares para venda. De uma forma igualmente amável foi-me respondido que não, que a exposição ainda não dispunha de ‘merchandising’. Oh, que pena!
Parece que também não se prevêem edições nacionais em DVD de filmes do início do cinema (português e não só), pelo menos por parte da Cinemateca. Eu cá acho que o DVD ainda não substitui a película nem a projecção em sala de cinema e se o DVD permite maior divulgação, também aguça a curiosidade para depois… (quem sabe?)

5b
Se calhar não é novidade nenhuma, mas esta semana há o Monstra (também em Lisboa), festival de animação com competição, e que competição… são apenas 8 filmes mas aquilo promete.
Dizem eles que é “um espaço de encontro e convergência do cinema de animação com outros média e com outras artes” e pretende “anualmente editar livros e filmes que possam colmatar o vazio nesta área”. Oba, que legal! Está tudo lá no www.monstrafestival.com .
E a parte de formação é do baril, com o Alexander Petrov e tudo.

A fechar
1- Afinal não é só no Allgarve que se fazem coisas giras!
2- Alguém me arranja (em DVD claro) o filme de 1903 “Uncle Tom’s Cabin” do império do Th. Edison?

Um grande bem haja,
Pedro Félix

"The (dumb) girl next door"

Gracias a la vida que me ha dado tanto.
Me dio dos luceros que, cuando los abro,
perfecto distingo lo negro del blanco [...]
(A cantiguinha da Violeta Parra foi do que me lembrei, para agradecer aquele preto e branco lindo e luminoso na tela
do Stanford Theatre.)

Com estes luzeirinhos que ou terra ou fogo há-de consumir, vi ontem na double bill uma maravilha - It Should Happen to You (tamb
ém conhecido pelo nome da protagonista, Gladys Glover). Gracioso filme... Tinha ideia da cara da Judy Holliday - é daqueles rostos que via nalguns filmes que a RTP (na 1 ou na 2) passava de vez em quando, tenho ideia, aos fins-de-semana, um rosto trivial e ao mesmo tempo vincado, ou que se vinca, nos olhos da gente. Mas este filme não me lembro de já o ter visto. Foi a primeira vez que Jack Lemmon apareceu no cinema, com nome creditado, a fazer de documentarista em início de carreira numa Nova Iorque que a sua personagem reconhece no filme como "comunidade hostil". O papel que faz Lemmon tem, à primeira vista, a tinta de primeiro papel, coisinha discreta, secundário à letra. Desenganei-me depressa: a câmara Super8 de Pete Sheppard é que vai dando a linha do filme, o curso do que mais importante se vai vendo (que despedida!, que declaracão de amor!). Com um enredo simples (a rapariguinha de Upstate NY que tenta a sorte na cidade, sem grande sucesso, mas ambiciona ser famosa), George Cukor fez uma obra que, ou eu ando muito desatenta (o que é perfeitamente plausível), ou tem sido desvalorizada. Judy Holliday é uma actriz fan-tás-ti-ca, e só a sombra do maccarthismo mais o cancro de mama que a matou aos 44 anos impediram que tivesse mais visibilidade. Vai excelente também em Adam's Rib (o segundo da tarde, mas nesse as luzes foram quase sempre para Dame Hepburn, tirando a cena inicial, em que a personagem de Holliday surpreende o marido e o alveja - e não tiro surpresa nenhuma ao revelar isto), e fez-me ficar a pensar que, se o CCF não tem na sua filmoteca todos os menos de dez filmes em que entra esta mulher, tem que se tratar disso depressa.

ana, todos os que não estiveram,

o que foi então (n)o dia 18.

cerca de 300 pessoas.

dedicámos a noite àqueles sem, efectivamente, ela não teria existido: os 41 sócios subscritores da peça encomendada ao Sassetti. tais nomes estavam contidos no programa de sala, mas foram nomeados um a um (incluindo o teu, ana, claro!). desses 41, destacámos no entanto, como símbolo dos extraordinários sócios que ao longo destes 51 anos têm sido a razão da nossa existência e do nosso trabalho, a Cristina Ricardo. se há tributos que em vida não houve oportunidade de fazer...

sassetti entra. com o seu habitual, e elegante, fato preto; barreto com calça bege e t shirt preta; frazão não me lembro!!!!! :D:D:D era de cinzento, não era?

salto as palavras que ele foi dizendo; a duração da suite -não olhei para o relógio - deve ter rondado os 30/40 minutos.

em 4 movimentos.

I e II (tocados sem interrupção) - temas lentos, líricos, íntimos; feitos de muitas pausas (o I); arquitectado, o II, como uma espécie de maré a encher.
III (apresentado por sassetti como sendo inspirado no Teatro dos Robertos propriamente dito) - tema rápido, mais jazzístico, com espaço para solo - brilhante - do barreto e igualmente do frazão.
IV (apresentado também por ele) - música não original - um bolero tradicional que encontras/am aqui, pois não o obtive de outra maneira; seguindo o link, carregar na setinha do lado esquerdo do título da música, Historia de un Amor; muito célebre à época; sassetti disse dele, e a propósito de o ter decidido incluir como IV movimento e final da sua suite: «tem tudo a ver com o filme». e tem)

muitas palmas, particularmente no final do II movimento. aquele final-final (o do IV movimento-bolero) foi um pouco anti-climax. ele, sassetti, não nos deu grande hipótese, pois agarrou-se de novo ao microfone para anunciar que ia então iniciar-se a parte do concerto que celebrava o propriamente dito 10º aniversário do trio dele.

(diga-se no entretanto que o trio foi magnífico, a suite está belissimamente construída, que o entendimento entre os 3 foi perfeito e que sim, ana/todos, a suite foi realmente inspirada no filme, tem a ver com ele, refere-se a ele sem o ilustrar, e sassetti foi muito, muito sério na maneira como encarou esta encomenda. como eu pessoalmente já sabia que ia acontecer. é um grande criador e um grande profissional, o sassetti. sim.)

essa 2ª parte do concerto foi preenchida com os seguintes temas dos dois discos por eles editados:

do 2º, Ascent (2005, com a participação também de Aj da Zupancic no violoncelo e Jean-François Lezé no vibrafone), este (que eu cortei neste ficheiro, pois o cd inclui um outro em primeiro lugar na mesma faixa):


do 1º, Nocturno (2002), este:


e, introduzido por Sassetti como uma referência ao repertório - e estilo - dos primeiros anos do Trio, estes dois temas, magnificamente ligados entre si (acordei no dia seguinte a cantarolar mentalmente o de Monk, que tenho quase a certeza absoluta, portanto, que foi este; mas se a memória me estiver a trair, apitem):


muitas palmas, muita gente a aplaudir de pé.

tinha sido anunciada uma surpresa para o final.

e foi! surpresa!

vê lá que, se 3 dias antes do evento, tinhamos sabido que a viúva do realizador ernesto de sousa tinha sabido do evento e desejado ir (e claro que veio como nossa convidada), 2 dias antes receberamos uma carta, com um folheto de uma exposiçao de Robertos que está a acontecer no Espaço Lúdico de Albufeira até dia 25. Enviada por quem dela é responsável, o sr Francisco Mota, um dos últimos bonecreiros existentes, grande apaixonado por aquela arte e da respectiva história conhecedor! Ainda por cima escrevia, nesse folheto, que tem material inédito sobre o filme Dom Roberto! Deixava um número de telemóvel... Pedimos logo autorização ao Teatro! E assim, a troco de coisa nenhuma, foi então até ao teatro fazer a apresentação da peça tradicional O Freguês Caloteiro! E foi uma curte! Toda a gente ficou, em meio-círculo, a assistir e a rir e... olha, foi espectacular.

depois viemos todos embora.


e foi assim, ana/todos os que não estiveram.

muito bonito.

penso eu de que.



(mas ana, tu estiveste lá sim... )

Que nervos!...

(Esta aqui um gajo a espera e pode morrer sentado, que nada...)
ALGUEM me diga, me conte tudo, tudinho! Estava muita gente? Nao precisam de me dizer que o Sassetti tocou bem e que a musica era linda - isso nao sao novidades :) so me causara mais tristeza por nao poder ter la estado.
Mas contem, contem - a Anabela falou muito? E projectou no ecran a imagem do blogue? E como reagiram as pessoas? O que comentaram, no intervalo? Houve intervalo? Ai, que nervos!...

(alem de que tenho um post para por aqui, mas nao quero "mudar" ainda de assunto, va.)

foi liiiiiiiiiiiiiiiiiiiiindo!!!!



ana,
amanhã conto tudo.

todos,
amanhã conto tudo.

todos que lá estiveram,
ajudem-me a contar!


(pssst todos os que lá estiveram : maneira de dizer, claro!!)

foi liiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiindo!!!!

e aos 51 anos blogou

nascemos a 6 de abril de 1956.


por conveniência de datas, encerrámos as comemorações do 50º aniversário hoje, 18 de maio.


e a 18 de maio nascemos nesta nova versão - um blog aberto a todos os associados; e não associados também!


é nosso desejo que seja um espaço colectivo, animado, diversificado, onde a individualidade dos contribuidores seja respeitada e a identidade de todos, comum: a da paixão pelo cinema.


textos próprios, ou citações de outros; uma imagem, várias imagens, um video, vários videos - de um filme, realizador, estilo, corrente, género; música/s; links; informação; discussão.


dinamismo - de imagens e sons em movimento; de palavras sobre imagens e sons em movimento.

cinema.

é por ele que cá andámos, andamos e andaremos.


longa vida ao cineclube de faro!

A ferros...

A Ferros, é o título descritivo da odisseia que é escrever estas primeiras linhas arrancadas, à custa de muita insistência, incluindo quasi-ameaças de torturas e horrores só imagináveis numa sala de tortura medieval, muito piores, como podem imaginar, do que a sugestiva imagem que buñuel "inventou" e que o Vitor, tão agradavelmente partilha connosco.
Não tem sido fácil arranjar tempo para sentar e escrever umas linhas, quanto mais para sentar no escurinho de uma sala de cinema, fechar os olhos e os ouvidos ao exterior e abri-los ao mundo, a 24 imagens por segundo. O olhar, é talvez a grande transfiguração primária que o CCF me devolveu, desde o tempo em que cada segundo era uma vertiginosa e entusiasta odisseia na descoberta de um mundo que é tãããão imensamente grande aos olhos de uma criança. É uma das numerosas magias que essas salas nos trazem, é que quando a luz se apaga, outra luz se acende, uma luz que traz o mundo com ela e que entra-nos cá por dentro sem pedir licença, para se aninhar no baú tão fértil da imaginação e da memória. Foi, acho, essa a luz que o CCF me trouxe, e que me vai continuar a trazer , a mim e a muitos outros, por esse tempo fora (e pensar que tantas e tantas vezes, fui eu que pressionei o botão mágico que acciona o mundo). E o texto já vai longo, e ainda não arranjei um espaço para meter uma ideia neologista que me andou a calcorrear a cabeça desde que decidimos fazer este blog... bio-sócio-culturo-pelicular, é assim o cinema dos homens...
Os blogs, por seu turno servem para aproximar as pessoas, por isso aproximem-se... o CCF é, tal como o cinema, feito por pessoas, mas move-se não só por artes mágicas, mas essencialmente por paixão!

APRENDER A GOSTAR DE CINEMA

Trás-os-Montes de António Reis (1976)
*
Às vezes (muitas vezes), entre amigos, falamos de cinema, do que vamos vendo, do que queremos ver, dos primeiros filmes. Para a maioria dos da minha geração, o primeiro filme visto no cinema chamava-se E.T.. O meu caso não foi assim tão precoce, vicissitudes de quem nasceu no interior beirão. Cinema só no "dia da criança" e projectado num lençol mal amanhado na sociedade filarmónica local.
Fui para o Algarve estudar e quando fiz 20 anos, o Rui ofereceu-me o cartão de sócia do CCF. Aprendi, portanto, a gostar de cinema, já crescida, na sala do IPJ em Faro, através deste Cineclube. Na altura não consegui avaliar mas hoje sei que o Cineclube teve um papel tão importante na minha aprendizagem como a Universidade. De repente, tudo se relacionava, tudo levava a mais qualquer coisa que eu queria descobrir: as imagens relacionavam-se com a pintura, com a música (Mychael Danna, Win Mertens, Michael Nyman, Ennio Morricone...), com as palavras (António Reis, Manuel de Oliveira, João César Monteiro...).
Desde então vejo muitos filmes, fiquei viciada. Mas os filmes vistos nessa altura adquiriram a ressonância mítica das primeiras coisas e como as recordações de infância (poderosas durante toda a nossa vida), misturam-se umas com as outras, com cheiros (o cheiro da Ria Formosa), com sensações.
Mas o CCF, com tanta vitalidade, está longe de ser só passado. É um prazer e uma honra poder passar por aqui de vez em quando, sentir-me outra vez próxima e ao sul.

O Cineclube de Faro e Eu

A minha relação com o CCF enquanto espectador foi relativamente breve (entre os anos 95 a 99) mas decisivamente marcante para a minha formação cinematográfica. Actualmente acompanho o Cineclube à distância, recebo a correspondência com a programação, pago as quotas mas como estou em Lisboa nunca vou a nada (apesar de frequentemente pensar que talvez num fim-de-semana que vá a Faro consiga ir a alguma sessão). A minha relação actual com o CCF faz-se sobretudo de memórias de filmes que vi e quando me lembro deles por alguma razão dou por mim a pensar: "vi este filme pela primeira vez no Cineclube no ano tal". De entre todos os filmes que eu imediatamente associo ao CCF estão à cabeça o À Flor do Mar do João César Monteiro e os filmes do António Reis.
Abro aqui um parêntesis para dizer que estive aqui um bocado a tentar sacar um excerto do DVD do À Flor do Mar para colocar aqui, mas como esbarrei nalguns problemas técnicos e tenho que ir trabalhar daqui a bocado, resolvi deixar isto que encontrei no You Tube e que é de outro filme que conheci nos ecrãs do CCF e que gosto bastante. Como a Anabela me pediu um Post para hoje, o JCMonteiro vai ter que esperar, mas não perde pela demora.

The Sweet Hereafter de Atom Egoyan (1997)


Hi mom!

Bom, primeiro disseram-me que era sem compromisso; depois que era só para escrever uma coisinha de nada, mas que tinha de ser hoje, uma notinha para mostrar amanhã às pessoas. Só um obrigada cineclube, bem-hajas, que tantos momentos felizes nos tens dado, sem ti que faríamos das horas mortas, dos dias úteis, das sequelas do Homem Aranha? Afinal, chego aqui e vejo posts enormes, interessantíssimos, eloquentes, com fotos, às cores, com referências ao cânone. Pronto, já fiquei nervosa; e agora digo o quê?
Na verdade, é uma honra poder contribuir para o blog do Cineclube de Faro. Agradeço muito o convite. É um prazer escrever para o Cineclube (na verdade é uma tortura, estou aqui há horas) e é um prazer escrever sobre cinema (melhor que Heidegger, pelo menos).
Antes de prosseguir, o encómio, esse, acabou, que diabo, não vamos estragá-lo, ao cineclube, com mimos, logo no primeiro dia, antes de prosseguir, dizia, seria importante que as pessoas (as tais que vão ler isto amanhã) soubessem que eu escrevo muito pouco, com muito pouca frequência e raramente acrescento algo de novo ao que já foi dito. Para depois não dizerem que eu não avisei. Já me esquecia, também tenho uma certa tendência para a reflexividade. Felizmente que, neste texto, isso não acontece, a hipnose afinal resulta. De maneira que não vão ter grandes chatices comigo daqui para diante; um post de vez em quando, e e.
É uma pena não poder estar aí amanhã. Daria um abraço muito forte a todos os meus amigos cineclubistas e agradeceria pessoalmente o convite que me fizeram. Como não posso, deixo antes esta espécie de aceno, este hi mom, parecido àquele que sempre fazemos, envergonhados, quando somos apanhados pela câmara. Agora mediado pela blogosfera, em vez de o ser pelas câmaras de televisão (o que vai quase dar no mesmo), o meu hi mom inspira-se antes no de Jon Rubin, o protagonista do filme de Brian de Palma. Têm tanto de inocente um como o outro. E de perverso. E de reflexivo. E no entanto, ou por isso mesmo, não posso deixar de o evocar e de o repetir.
De qualquer maneira, salvaguardem-se as diferenças. Rubin tinha acabado de destruir um edifício. Eu só escrevi um post.
E e.

Timing


I love you, Honey Bunny! Maio de 1995. Fim da tarde. Alguém me leva ao IPJ. Constava que por esses lados ia ser exibido um filme interessante! Vamos lá. Ver cinema é sempre um bom programa.

Everybody cool, this is a robbery! Por onde tinha eu andado nos últimos 39 anos para só nesta altura ter o meu primeiro encontro imediato com o Cineclube de Faro? Bom... pelos primeiros 17 tenho desculpa, pois ainda não me tinha propriamente materializado. Pelos 10, 12 seguintes, sou capaz de arranjar álibis válidos (aprender a falar, andar, escrever, encaixar peças de lego umas nas outras - coisas assim...) Pelos outros 10 já não consigo encontrar uma resposta tão facilmente. Apesar de tudo, o gosto pelo cinema já lá andava: lembro-me de, algures na década de 80, ter visto (uma noite, por acaso) o Saló ou os 120 Dias de Sodoma na RTP2... e ter gostado! Achei-o terrivelmente estranho, mas fez-me perceber que havia outro tipo de cinema, que não só aquele que passava aos domingos à tarde na televisão.

Let's see what you can do. Take it away! O Pulp Fiction foi, nessa tarde, o elo de ligação que até aí me escapara. Aqui estava... Tão perto! O local onde eu poderia descobrir esses filmes que já devia ter visto, que devia estar a ver, que aperfeiçoariam a minha personalidade, porque...

Personality goes a long way...

Indeed!

bem, eu não sei muito de blogs e até acho que não gosto muito, mas tenho uma irmã (1/2) que até tem um, e, tirando o facto de achar esquisito que uma pessoa esteja sempre a ir a um sítio que não existe, se calhar até não me vou importar de escrever e ler “lá” coisas.

obrigado pelo convite.

hoje não escrevo, ainda é só o princípio (por essa mesma razão podia escrever)
ontem juntei-me com um grupo engraçado em que uns são alunos e uns professores e encontrámos junto a um portão grande de ferro umas cadeiras brancas e pretas empilhadas que serviam mesmo bem para pôr, a jeito de plateia de brincar, no claustro de um espírito santo, ao canto, para ver um filme.
parece-me que as cadeiras ali estavam para no dia seguinte (hoje, que já foi ontem) assistirem a um concertinho de música barroca pelo Ludovice Ensemble, não ouvi, pena.
mas a coisa do filme começou assim, improvisada, com gente a querer sentar-se na relva (há quatro quadrados de relva fora de moda no meio do espirito santo) e depois, à visão das cadeiras foram-se as ideias mudando.
uma boa meia-hora de atraso, que não era porque foi-se chegando dentro de uns dez minutos comuns, começaram-se a fazer os preparativos, era isto dez e meia da noite, dois computadores (um teria chegado), dois projectores (um também chegava) e dispôs-se tudo sobre um banco corrido que se foi buscar a uma sala. extensões curtas ligaram-se umas às outras até chegar ao lugar das aparelhagens, tudo a postos, computador ligado, projector ligado e... nada. num ecrã, que se levou para o claustro como se fosse uma vela de um barco enrolada, mal se percebia um desfocado “no signal”. depois de voltas e voltas tirei a tampa azul transparente do foco e, estranhamente a imagem apareceu focada... para resolver a parte do “no signal” resolvi usar da mesma estratégia e liguei ao computador o projector (funciona sempre) e funcionou! depois, quando tudo parecia pronto parecia não querer soar o que se via. mais umas voltas e resolvi empregar, ainda uma vez, aquela técnica de ligar as coisas umas às outras... e fez-se som!
o ar estava quente e um vento fazia o rectângulo da imagem passar de trapézio a rectângulo e a trapézio, de novo, para o outro lado. e assim foi o filme começando.
eu gosto muito de filmes (e de cinema), mas gosto mesmo é de os ver.
o filme era “o inquilino” do Roman Polanski, belo delírio.
como as pessoas que aqui estão são cinéfilas (não é verdade?) já todas devem ter visto, por isso não falo do filme, deixo-vos uma imagem da sala.

(ps. a sala era bem arejada, podia-se fumar e as empregadas de limpeza que quisessem podiam ir limpando com barulho as salas uma a uma, podiam passar os grupos de pessoas que quisessem, a falar alto e até de coisas indiscretas – o filme tinha legendas – as luzes não se conseguiam apagar completamente mas não incomodava, a única coisa que, se calhar, faltava era assim uma cortina verde escura ou bordeaux, mas se calhar pode-se vir a arranjar)

js

Cinema e Internet

E nem a propósito, assinala-se hoje, 17 de Maio, na véspera da inauguração do blog do nosso Cineclube, o dia Mundial das Telecomunicações e da Sociedade de Informação, ou seja, o Dia da Internet, que se pretende que venha a constituir um espaço/tempo de reflexão sobre as potencialidades destas novas tecnologias nas vidas dos cidadãos. Pesando os prós e os contras, e não escamoteando os perigos que encerra, aos quais devemos permanecer atentos, o livre acesso a um tal volume de informação de toda a espécie e a possibilidade sem precedentes de colocar as pessoas em contacto, anulando as distâncias físicas, é algo a ser celebrado.
E que melhor forma de o fazer do que criar espaços para a discussão dos temas que nos são mais caros?
O Cineclube de Faro, ao fim de 51 anos de existência, volta a dar prova de vitalidade e a demonstrar que continua e continuará por muito tempo a ter razão de existir. Convido todos os seus amigos (e são tantos!) a usufruir deste espaço, novinho em folha, e a fazer do Cineclube uma associação cada vez mais plural e participada.
Longa vida ao Cineclube de Faro!

Parabéns Cinefilia!

Em 15 de Março de 1985, acabadinho de chegar a Faro, vindo lá das neves bergmanianas ainda rapazinho muito dentro do prazo, assinei pelo CCF. Não me arrependo. Antes pelo contrário, aprendi muito, fui adoptado pela cinefilia aqui da urbe que me fez sentir em casa e me deixou ir continuando a cultivar esta sustentável dureza de manter os olhos abertos no escuro, mesmo quando a lâmina se aproxima até ao ponto em que o golpe surreal e inevitável se desfaz em luz gloriosa e cega.
Que outros 50 golpes (400 talvez seja um pouco exagerado) de asa cinéfila floresçam e se multipliquem!

(gosto muito deste CCF às postas...)

Boas intenções

Ia escrever uma daquelas lengalengas tipo "nostalgia do passado" (ou, mais in, "trip down memory lane"), mas desapeteceu-me. Não estou com pachorra para nostalgias. Além do mais, quero testar o "não estar com pachorra" enquanto escrevo este primeiro post. É que o "não estar com pachorra" veste - oh tão frequentemente - a preguiça de pôr em escrito aquelas ideias que cruzam a cabeça de uma pessoa (ia escrever "de um gajo", mas depois lembrei-me de susceptibilidades e da pressa com que se tiram conclusões sobre o que não esta escrito, e desisti. Sou tão cuidadosa com o que escrevo, sim, sim...) a mil à hora, todos os dias, a cada passo que cada pé marca no chão enquanto se caminha. Penso eu (ia acrescentar "parece-me", mas lembrei-me do quanto sou criticada por não ter um discurso mais afirmativo, mais seguro. Tenho um discurso muito inseguro, sim pois.). Quando vejo filmes é o mesmo que quando caminho - cruzam-se as ideias à velocidade do pó espalhado na sala e visto no braço longuíssimo da luz que a câmara projecta. Não andam muito depressa, os pontinhos vazios nessa luz. Mas não param de andar, de se mexer. Adiante. Dizia que estava para escrever um post "por aí a baixo", mas vai-me é saindo uma prosa para dizer como quero aparecer neste lugar novo. Quero que seja assim: sem grandes "renhinhins", mas com tento na gramática; ou seja, sem me fazer muito formal, mas com vontade de saber do que escrevo - o que me fará procurar, em não sabendo. Um gajo aprende tanto com os filmes!

(Entrei para o CCF quando, em 96? Estou orgulhosa por estar a escrever neste blogue. Espero que por longo e muito aprazível tempo.)

Tantos anos de Cineclube de Faro!

Penso que a 1ª vez que fui ao Cineclube de Faro foi durante umas férias da Universidade (que nessa altura eram só férias e manifestações...), no Cinema Stº António e vi (o hoje invisível...) "Casanova" de Fellini. Apesar de tudo, não comecei mal... Associei-me no Verão de 1979 e, em breve conheci a Sede do Cineclube- lembro-me da humidade e do cheiro a mofo do arquivo. A Sede hoje está a cair, mas, pelo menos, depois de umas longínquas obras, já não cheira a mofo...
A partir daí fui sendo sócia assídua enquanto estive por Faro e lembro 1 memorável almoço, penso que das comemorações dos 26 anos. Na altura via por fora e não era ainda claro para mim o trabalho dos Directores da casa. Só bem mais tarde, na década de 90, passei a estar por dentro dessas tarefas. Mas não me interpretem mal: se é bem verdade que às vezes se torna cansativo, são mais os momentos bons aqueles que passei. E são tantos. Reuniões divertidíssimas, até fazer o mailing é tarefa de conversê, e tantas pessoas interessantes que por cá passaram. Nos Encontros de Cinema, os realizadores que apresentaram filmes, os críticos, os responsáveis pelas Entidades do Cinema...
Se tivesse que escolher uma memória, seria difícil, mas talvez destaque A Cinemateca em Faro e a1ª Homenagem ao António Reis, com tantos amigos e a Margarida Cordeiro presentes.
Mas se tiver que ter uma memória ao nível das mónadas dos sonhos, acho que tem a ver com a Maratona do Cinema - 24 horas em 1995, para comemorar os 100 anos do cinema - sim, no dia 28 de Dezembro. De madrugada já não sabia bem o que estava a ver... E houve outras Maratonas e, sempre este gosto de dar a ver.
Tenho sido muito feliz durante estes anos a cineclubar.
Palmas para o Cineclube de Faro! E para todos a que ele se têm dedicado.
Venham mais cinco! (ou melhor cinquenta).
Precisamos de outros que sintam a emoção de programar e organizar eventos. ( E já agora, para esses: é bom, também, quando nos batem palmas!)

Parabéns ao Cineclube de Faro

Também nasci a 6 de Abril, por isso não dá para esquecer do aniversário do CCF. Mas, mesmo que assim não fosse, não dava para esquecer uma data que comemora uma vida longa e profícua, de um belíssimo trabalho que tem sido realizado, apesar de todos os percalços que encontra pelo caminho. Parabéns ao Cineclube e longa vida!!!!