DEUS EXISTE E VIVE EM BRUXELAS | 28 JUNHO | ESPLANADA IPDJ | 21H30

DEUS EXISTE E VIVE EM BRUXELAS
Jaco Van Dormael, 
França/Bélgica/Luxemburgo 2014, 112', M/14

FICHA TÉCNICA
Título Original: Le Tout Nouveau Testament
Realização : Jaco van Dormael
Argumento: Thomas Gunzig e Jaco Van Dormael
Montagem: Hervé de Luze
Fotografia: Christophe Beaucarne
Música: An Pierlé
Interpretação: Benoît Poelvoorde, Yolande Moreau, Catherine Deneuve, François Damiens e Pili Groyne
Origem: França/Bélgica/Luxemburgo
Ano: 2014
Duração: 112’

FESTIVAIS E PRÉMIOS
Quinzena dos Realizadores – Selecção Oficial
Globos de Ouro – Nomeação para Melhor Filme Estrangeiro


TRAILER

NOTA DE INTENÇÕES
Começámos com a ideia de que Deus existe e vive em Bruxelas. E se Deus fosse um estupor? Mais ainda, e se além de ter um filho, Deus tivesse também uma filha de quem nada se sabia? E se ela tivesse 10 anos e Deus, o pai, fosse tão odioso, que ela – para se vingar – decidisse revelar o seu segredo mais
bem guardado, enviando por SMS a data da morte a todas as pessoas do planeta? Daqui em diante, qualquer referência à religião é transformada num conto de fadas surrealista. Eu estou interessado em religiões, tal como estou interessado em boas histórias. (…)
Ea, a irmã de Jesus – a quem ela chama JC – cria um mundo um bocadinho melhor transformando as vidas de uma mão cheia de magníficos falhados. Com apenas 10 anos e, contrariamente ao irmão, Ea só sabe fazer milagrezitos, mas mesmo assim consegue reunir seis apóstolos – uma mulher só com um braço, um tarado sexual, um assassino, uma mulher que foi deixada pelo marido, um empregado de escritório e um rapazinho – levando-os a apaixonar-se por candidatos muitíssimo improváveis. É uma forma cómica de dizer O Céu está entre nós, já não é depois da morte. Não vamos viver muito tempo. Divirtam-se e façam aquilo que vos faz felizes.
Jaco Van Dormael, realizador



Jaco Van Dormael explica como teve coragem para pedir a Catherine Deneuve para fazer uma cena de cama com um gorila gigante
Exercício de imaginação: o que passará pela cabeça deste homem quando decide escrever uma cena em que vemos um gorila enorme numa cama ao lado de uma senhora que fuma um cigarro no pós-coito. Ajuda se dissermos que a senhora é uma muito bem composta Catherine Deneuve, sempre capaz de tudo.
Claro, estamos no imaginário louco e incorrigível de Jaco Von Dormael, cineasta e argumentista belga que nos Encontros do Cinema Francês da Unifrance, há mês e meio em Paris, era o homem mais feliz do mundo. Deus Existe e vive em Bruxelas [...] está a ser um sucesso à escala de Toto, O Herói, o filme que fez dele um realizador com nome em 1991.
"Desde a Quinzena dos Realizadores de Cannes que sinto que as pessoas amam mesmo este meu filme e o que me surpreende é que funciona em países diferentes. Diria que encontrei o humor universal com este meu Deus. Só os espanhóis é que não o tornaram num sucesso, infelizmente. Seja como for, nunca percebo porque é que um filme funciona ou não. Às vezes as pessoas encontram a garrafa com a mensagem que eu lanço ao mar!", conta Jaco, homem gigante de tamanho e com um sorriso que é capaz de ter sido fulcral para convencer atores como Benoît Poelvoorde, Catherine Deneuve e François Damiens para entrar numa comédia negra sobre a relação entre o Todo-o-Poderoso e a sua filha de 11 anos em plena capital belga. Este seu Deus tem mau humor, gosta de atazanar as pessoas com coisas como a lei da probabilidade da fila do lado ser sempre mais rápida e coisas desse género.
Será isto humor belga? O que é o humor belga? "É fazermos piadas connosco próprios e sermos um pouco malucos. Puxa, vivemos num país com três línguas e onde ninguém concorda com nada! Na Bélgica ninguém faz a ideia do que é Bélgica... Sempre fomos gozados nas anedotas, por isso o melhor é fazermos nós mesmos primeiro as piadas. Além disso, eu aposto no absurdo e no nonsense, bem ao contrário do cinema muito realista que se faz na Bélgica", responde o realizador.
Voltamos à sugestão sexual da imagem forte de Deneuve na cama com um gorila amante. A provocação, segundo o realizador, foi escrita sem saber se a atriz aceitaria o desafio: "a ideia ocorreu-me quando houve aquelas marchas de protestos de jovens contra o casamento homossexual. Eles estavam todos mascarados e com cruzes e eu pensei: que estranho estes franceses!! Porquê misturar religião com amor? Lembro-me de numa reportagem televisiva a Catherine se ter insurgido e ter dito que ninguém pode decidir quem pode amar ou deixar de amar. Ela disse isso de forma tão desassombrada que pensei logo que seria ótima para estar na cama com o gorila". Curiosamente ou não, a atriz aceitou o convite imediatamente.
Este humor fantasioso e com apelo às bizarrias mais absurdas não é novo no cinema de Dormael. Toto, o Herói vivia apenas e só disso. O Oitavo Dia, de 1996, começava a jogar com humor "divino" mas tinha uma boa fação sentimental - o filme venceu em Cannes o prémio de interpretação para Daniel Auteuil e Pascal Duquenne; e O Sr. Ninguém, de 2009, o grande falhanço comercial da sua filmografia, incorporava romance ao registo de fantasia. "O melhor elogio que me podem fazer é quando escrevem que sou um cineasta impossível de compartimentar. Felizmente tenho a liberdade que tenho porque na Bélgica não há o chamado mainstream nem uma indústria de cinema. Deixam-me fazer um cinema que ninguém está à espera. É uma loucura ter este emprego. Ser realizador de cinema é a profissão certa para quem cresceu sem saber o que queria ser quando fosse grande. Tenho muita sorte em poder fazer filmes. Filmes que as pessoas pagam o bilhete para os ver...", completa.
Deus Existe e Vive em Bruxelas pode não ser para todos os tipos de humor, mas é seguramente uma ave rara com o seu charme. O segredo para Jaco Van Dormael pode estar na sua estrutura de episódios: "é a primeira vez que recorro a este método e isso permite que o espetador nunca esteja à espera de nada em particular. O público fica no presente, no momento! Ao não usar a estrutura dos três atos e final, estou a dizer ao meu público que tudo pode acontecer".
Rui Pedro Tendinha,dn.pt




Começa bem.
Sem demorar muito, Deus Existe e Vive Em Bruxelas coloca-nos num mundo realista-mágico em que Deus existe…e vive em Bruxelas. E fá-lo bem. Com um humor ligeiro, e com uma boa dose de criatividade, ficamos a estabelecer as regras daquele mundo, enquanto nos entretemos com alguns gags, mesmo uns já demasiado batidos [...] mas suficientemente bem justificados para fluírem com a narrativa.
Estabelecido o mundo, somos introduzidos à história propriamente dita que na sua essência é a de uma menina que desafia Deus. O que é uma história verdadeiramente maior que a vida quando pensamos nisso.
Paralelamente a essa trama familiar (cheguei a mencionar que a menina é filha de Deus, e irmã de J.C.?), todos os humanos do planeta recebem um SMS que lhes diz exactamente quanto tempo falta para morrerrem. 
E Jaco van Dormael tem o mérito de conseguir fazer tudo isto (e acreditem, há muitos elementos que deixei de fora) em pouco tempo sem que as coisas pareçam confusas, apressadas nem demasiadamente burlescas.
Luís Sá, arte-factos.net

PORTUGAL - UM DIA DE CADA VEZ | 21 JUNHO | 21H30 | IPDJ (ESPLANADA)


PORTUGAL - UM DIA DE CADA VEZ
João Canijo e Anabela Moreira
Portugal, 2015, 155’, M/12



FICHA TÉCNICA
Realização: João Canijo, Anabela Moreira
Montagem: João Braz
Imagem: Anabela Moreira
Edição de som: Hugo Leitão
com o apoio financeiro
Origem: Portugal
Ano: 2015
Duração: 155’





TRAILER



NOTA DE INTENÇÕES 
Tudo se passa numa terra interior de onde as pessoas fugiram e onde os restos do sonho de desenvolvimento se tornaram sinais do absurdo. «É a vida e a vida é triste», dizem com resignação os sobreviventes do Portugal interior. Sobrevivem na condição de viver um dia de cada vez, resignados à fatalidade do destino e a recordar um passado que podia ter sido melhor. A desilusão com o destino é enganada com a culpa da traição dos governantes e com a paixão pelos enredos da televisão. No vazio das horas iguais a tantas outras a existência passa e a vida gasta-se a tentar escapar ao desespero. É um filme de retratos de um país triste que fala de uma particular forma de esperança, a que sonha só com a felicidade de se cumprir a vida. Vivemos um dia de cada vez.
João Canijo e Anabela Moreira 




CRÍTICA
O retrato do Portugal em crise que vive por detrás dos montes, num documentário ao estilo de João Canijo, cheio de histórias para contar.
Os efeitos devastadores da grave crise económica são um tema urgente no cinema português, numa compreensível vinculação do artista ao seu tempo, à sua circunstância e ao mundo em redor. Tal transparece de forma gritante n'As Mil e Uma Noites, de Miguel Gomes; tal como neste Portugal - Um Dia de Cada Vez, de João Canijo e Anabela Moreira, a primeira parte de um longo projeto que pretende fazer uma espécie de radiografia de um país em crise. Os registos são distintos e, de alguma forma, complementares. Miguel Gomes opta por um realismo onírico, passe-se a contradição, em que a fantasia e a realidade convivem lado a lado, com cruzamentos ocasionais, e muitas vezes ao serviço de um experimentalismo narrativo e cinematográfico. 
Canijo e Moreira optam por um estilo mais clássico, num documentário mais cru, objetivo e eficaz. Portugal - Um dia de Cada Vez confronta-nos com pedaços de realidade não filtrada (na aparência) de famílias de aldeias e vilas do interior transmontano.
Os realizadores mostram-nos que esse documentarismo de proximidade manifesta-se numa forma íntima de contar histórias. E, como acontece sempre com João Canijo, o registo é profundamente cinematográfico e artístico, afastando-se radicalmente, por exemplo, da assinalável experiência televisiva da série de documentários Portugal, Um Retrato Social.
Tal acontece por uma questão de postura, em que se dá a primazia ao cinema e sua subjetividade inerente, e não a uma responsabilidade científica que obriga a escolher casos exemplares sociologicamente pertinentes. O filme de Canijo e Moreira obedece antes a preceitos artísticos e estilísticos e não científicos.
Logo à partida há uma opção por um estilo de documentário não participante, em que as personagens comportam-se como personagens de ficção, abstraindo-se da câmara, dando-nos a sensação de que estar perante a sua vida sem artificialismos. Tão pouco há uma contextualização narrativa em voz off ou através de separadores. Tal como havia feito através da montagem de imagens de arquivo em Fantasia Lusitana, aqui as imagens falam por si, sem recursos a qualquer subterfúgio para além da edição.
Por outro lado, dentro da aparente abrangência de retratos, que vai desde uma escola de província onde se aprende francês, à romena que trabalha na vinha em redor de Vila Nova de Foz Côa, permanece o fascínio pelo universo feminino, que é uma imagem de marca de João Canijo ao longo de quase toda a sua filmografia. Também este Portugal - Um Dia de Cada Vez é um filme de mulheres, em que os homens aparecem como meros figurantes das suas histórias. Certamente há uma inquietação sobre a profundidade do universo feminino, mas talvez também haja neste caso a intenção de fazer sobressair a ideia de mátria, tão forte também no Portugal contemporâneo.
Imiscuindo-se na crise, em casos pessoais e talvez exemplares, num Portugal esquecido pelos grandes centros urbanos, Canijo e Moreira revelam que a crise chegou a este Portugal remoto décadas antes da troika, num sucessivo desinvestimento e consequente desertificação. Talvez este seja a mais importante ilação sociológica a tirar do filme.
Curioso é igualmente encontrar a linha de coerência na cinematografia de João Canijo (e de Anabela Moreira enquanto atriz de muitos dos seus filmes). Este Trás-os-Montes que agora documenta tem semelhanças com aquele que ficcionou em Noite Escura (2004) e Mal Nascida (2007). Por outro lado, há um caminho para o documentário que se inicia, pelo menos, em Sangue do Meu Sangue (2011). Ali havia um exigente trabalho de ator e de inserção no meio, na mais pura ficção do real. No seu filme seguinte, É O Amor (2013), realizado no âmbito do programa Estaleiro, de Vila do Conde, havia uma original fusão entre documentário e ficção, em que a atriz Anabela Moreira se imiscuiu num meio real das da comunidade piscatória de Caxinas, fabricando situações cinematográficas. E agora chega ao documentário, que não é encarado como um mero retrato da realidade, mas um meio mais direto de encontrar personagens e descobrir as suas histórias.
Manuel Halpern, visao.sapo