O INFERNO, Carlos Conceição, Portugal, 2011, 20’
Numa casa
contemporânea, um rapaz tem por função manter a piscina limpa mas acaba por se
envolver em actividades comprometedoras.
VÍCIO INTRÍNSECO
Paul Thomas Anderson, EUA, 2014, M/16, 148’
FICHA TÉCNICA
Título Original: Inherent Vice
Realização: Paul Thomas Anderson
Argumento: Paul Thomas Anderson, baseado na novella de Thomas Pynchon
Montagem: Leslie Jones
Fotografia: Robert Elswit
Música: Jonny Greenwood
Interpretação: Joaquin Phoenix, Owen Wilson, Benicio Del Toro
Origem: EUA
Ano: 2014
Duração: 148’
CRÍTICAS
O sonho em forma realista
O cinema como experiência total: Paul Thomas
Anderson é um dos grandes narradores do cinema contemporâneo (americano ou não)
e "Vício Intrínseco", baseado no romance de Thomas Pynchon, aí está
para o confirmar — uma viagem realista e onírica por Los Angeles na década de
1970.
A oposição maniqueísta forma/conteúdo pode (e
deve), mais do que nunca, ser contestada. De acordo com uma máxima que vale a
pena evocar, a forma é apenas o
primeiro dos conteúdos. Que é como quem diz: a construção de uma narrativa
(cinematográfica, literária, etc.) envolve já algo de vital na visão do mundo
que nela se integra. Paul Thomas Anderson é um desses artistas que nos sabe
fazer sentir que o modo de contar as suas histórias é já, em si mesmo, uma
parte dessa história. Será preciso recordar "Jogos de Prazer" (1997)?
"Magnolia" (1999)? "Haverá Sangue" (2007)?
Aí está o seu novo filme, "Vício
Intrínseco", para o demonstrar. Baseado no romance homónimo de Thomas
Pynchon, esta é uma viagem, ao mesmo tempo trágica e burlesca, realista e
surreal, às paisagens conturbadas de Los Angeles durante a década de 1970.
Pretexto: as deambulações mais ou menos erráticas de Larry 'Doc' Sportello, um
detective privado não muito ortodoxo, interpretado por um fulgurante Joaquin
Phoenix. Por um lado, P. T. Anderson evoca a herança
do cinema "noir" dos anos 40, em especial de obras-primas
como "The Big Sleep" ("À Beira do Abismo"),
realizado por Howard Hawks em 1946 — vogamos no interior de um labirinto em que
a máscara menos transparente pode conter a verdade mais radical. Por outro
lado, tudo acontece como se nenhuma personagem estivesse segura sobre a sua
identidade — sendo o filme uma colisão de muitas solidões, cada uma delas
enredada numa narrativa cuja linguagem as outras ignoram. P. T. Anderson filma tudo isso como um sonho
paradoxalmente realista, aspecto admiravelmente sublinhado pelas cores quentes,
estranhamente "noirs", da fotografia de Robert Elswit. Ao mesmo tempo, a ambivalência de situações e
ambientes, sustentada pela música de Jonny Greenwood (Radiohead), parece ter tanto de bailado
imaginário de marionetas como de precisão de uma reportagem obsessiva. Não é
todos os dias, de facto, que sentimos como o cinema pode ser uma experiência
total.
João
Lopes,
rtp.pt/cinemax
Paul Thomas Anderson confirma ser o
verdadeiro herdeiro da "nova Hollywood" em mais um grandíssimo filme.
Na sequência de Haverá
Sangue e O Mentor, Paul Thomas Anderson
continua a explorar os cantos mais ou menos obscuros da Califórnia do século
XX, aterrando agora naquele período indistinto entre fins dos anos 1960 e
princípio dos 1970, onde a afluência do pós-guerra dava lugar às contradições
da contra-cultura.
Pega no livro homónimo de Thomas Pynchon
e faz dele uma espécie de film noir desconstruído, Chinatown visto
por uma nuvem de ganza, Raymond Chandler a contar uma história à James Ellroy
enquanto tripa em ácido de boa qualidade, onde o detective charrado de Joaquin
Phoenix serve de guia para um “fumeiro de vaidades” com uma mulher quase fatal
como pretexto. É, outra vez, Anderson a brincar ao “Grande Filme Americano” e a
provar no processo que é o herdeiro mais puro e verdadeiro da “nova Hollywood”
dos anos 1970. É um grandíssimo filme – e a sua ausência dos Óscares diz tudo
sobre ele e sobre o estado da Hollywood de hoje.
Jorge
Mourinha, publico.pt/