4ªf, dia 1, 21h30, Sede, Entrada livre.
Ciclo "Grécia e Roma não têm nada de antigo",
incluído no projeto Livros em Cadeia
(contextualizando a conferência de dia 23, também na sede,
da Drª Adriana Freire Nogueira sobre
"Grécia e Roma na 7ª Arte")
Ciclo "Grécia e Roma não têm nada de antigo",
incluído no projeto Livros em Cadeia
(contextualizando a conferência de dia 23, também na sede,
da Drª Adriana Freire Nogueira sobre
"Grécia e Roma na 7ª Arte")
O interesse desde logo manifestado da parte do cinema italiano pelas reconstituições históricas e em particular pelo que mais tarde ficou conhecido como "peplum", tem raízes históricas que radicam na recente reunificação do território, que criou, naturalmente, um forte nacionalismo, em particular por parte da burguesia e duma ampla camada de intelectuais. Se a Itália, ainda em turbulência no final do século, em pouco contribuiu para os primeiros passos do cinema (são comerciantes os primeiros que se dedicam à sua exploração comprando os pequenos filmes de Lumière e Méliès e exibindo-os itinerantemente pelo país, especialmente em feiras, até ao seu desgaste completo), é lá que se manifesta pela primeira o interesse das camadas cultas pelo fenómeno, entrando directamente na produção e criação. O nacionalismo, por sua vez, agitava-se com a memória das velhas glórias romanas, e ressurgia a ideia de fazer de novo do Mediterrâneo o antigo "Mare Nostrum", que se manifesta, em termos políticos pela guerra da Tripolitânia e a ocupação de parte do Norte de África. Deste ponto de vista é preciso notar que, como diz Giovanni Calendoli, "a preparação de Cabina começa logo a seguir à aventura na Líbia. Para um espírito possuidor de uma cultura clássica de nível médio - equivalente à do cinema - Cartago era o símbolo da oposição de África a Roma". Para além disso, a literatura versando a história de Roma, estava também na moda. Em 1905 o Nobel da literatura galardoava Henrik Sienkiewcz, autor do best-seller Quo Vadis? que se juntava ao êxito do Ben-Hur de Lewis Wallace, de Os Últimos Dias de Pompea de Bulver Lytton e Fabiola do Cardeal Wiseman, e o popular Emilio Salgari abordava o assunto em Cartagine in Fiamme. Tanto este como Salammbô, de Flaubert, terão particular incidência em Cabina, dado o tema comum das Guerras Púnicas. Cabiria é o zénite desta produção "histórica", como Sperduti nel Buio, de Nino Martoglio o será para a procura de um certo realismo, ambos dessa data limite que, quase a nível mundial, marca a passagem de um proto-cinema, para outro cujos códigos e fórmulas dominarão durante décadas. Já o primeiro filme de ficção rodado em Itália, se inscrevia nesse género, embora referente a um passado próximo, La Presa di Roma - XX setembro 1870, de 1905, ano em que a estabilidade política de um governo de centro-direita provocou um rápido desenvolvimento económico e, no campo do cinema, o início da produção por casas especializadas que a criação e aumento de número de salas próprias vinha estimular.
No início de 1906 é criada em Turim a sociedade Carlo Rossi & Cª que, em 1908, com a entrada de Giovanni Pastrone para a administração, em 1908, se transforma na Itala Film. Tudo indica que Pastrone, mais do que mero administrador, tenha sido, nestes anos, a "alma" da companhia, assumindo a realização de filmes e aquilo que mais tarde se chamou de "supervisão" para outros. Teria dirigido em 1909, Il Conte Ugolino, segundo um episódio da Divina Comédia, do qual dizia Jules Claretie em Le Temps, que com ele "o cinema ultrapassa a pintura e o teatro", e em 1910, La Caduta di Troia, entre outros.
Cabiria não foi o mais longo filme até então feito. Atribui-se-lhe a duração de cerca de 4 horas, embora a versão restaurada tenha somente 150 minutos, projectada à cadência da época, a 18 imagens por segundo. Seja como for, ultrapassava bastante o que era, até então, considerado o "maior" filme, o Quo Vadis? de Guazzoni, com 110 minutos, em 1913. Esta corrida para o excesso, fruto da concorrência, começou com L/Inferno, de Bertolini e Padavan, iniciado em 1909 e que, com cerca de uma hora, é considerada a primeira longa metragem do cinema. Cabiria representa também o culminar duma série de experiências através das quais os balbuceios iniciais da Sétima Arte, se organizam numa narrativa coerente. Esse cúmulo, porém, é essencialmente quantitativo. O salto de qualidade estava a ser dado no outro lado do Atlântico. Na verdade, se o cinema italiano posterior a Cabiria, explorou até à exaustão os seus contributos, fê-lo (pelos exemplos que se conhecem), de forma repetitiva (a crise económica que atingiu a Itália no pós guerra, e que levou à emigração de muita gente do cinema, não explica, por si só, a decadência, dado que, mais de vinte amos depois, de outra crise não menos grave, nasceu o neo-realismo). Mas Cabiria foi, com essa síntese de experiências, um acontecimento, um êxito mundial, parcialmente limitado apenas pela guerra que então eclodira, estando mais de seis meses em exibição em Paris e Nova Iorque. É inegável a sua influência sobre Griffith que preparava Intolerance, para o episódio babilónico. Basta comparar os cenários grandiosos do palácio de Baltazar, com o templo de Moloch e o palácio de Syphax, com os seus gigantescos elefantes. Mas não foi apenas com os seus cenários especialmente construídos para o filme (foi o primeiro a escolher esta forma, dado que o próprio Quo Vadis?, utilizava ainda os cenários pintados em profusão). O filme de Pastrone, cuja preparação começou no início de 1913, procura nos exteriores os cenários mais próximos dos locais onde se presume decorrer a acção. Estas "repérages" "avant la lettre", levam a equipa de Pastrone à Tunísia, Sicília e a Vai di Lanzo, onde a lenda afirma ter Anibal cruzado os Alpes. Cabiria é também apontado como o primeiro filme a usar, de forma sistemática, a profundidade de campo. Encontramos a sua utilização de forma dramática logo no plano do mercado de escravos, na primeira aparição de Fulvio e Maciste, com o deslocamento deste até quase um grande plano, enquanto a acção decorre no fundo do campo, mas onde ela é mais significativa é naquele em que Massinissa surpreende a conversa dos romanos que decidem do destino de Sofonisba, ou quando Fulvio sai da taberna para ir libertar Maciste. Neste caso particular, atende-se que esse efeito é reforçado por um breve "travelling", aumentando a atenção do espectador. Aliás, o filme de Pastrone destaca-se também por essa utilização do movimento da câmara, até então mera reprodutora de quadros vivos. Incipientes ainda, mas já usados com frequência, quebram a imobilidade trazendo um ritmo que permite acompanhar melhor a narrativa. Para esse fim Pastrone registou um aparelho para fazer mover a câmara que é o antepassado do "charriot".
Mas esse ritmo é também auxiliado por uma utilização mais subtil da montagem, que até então se limitava à mera colagem dos quadros filmados. Não só a montagem em continuidade, mas também um arremedo de montagem alternada, que Griffith desenvolve simultaneamente nos seus filmes e que, em 1914, lança os seus principios gerais em Birth of a Nation. Essa montagem paralela afirma-se, em particular na famosa sequência do templo de Moloch, com o sacrifício das crianças alternando com a tentativa de Fulvio e Maciste para libertarem Cabiria, culminando na fuga dos dois últimos em paralelo com Massinissa e Sofonisba no jardim. A sequência de Moloch é, aliás, a mais sugestiva nesses efeitos, até no uso da iluminação como motor dramático, na montagem do sacrifício onde se poderia detectar um esquisso do "efeito Kulechov" (o plano de que uma criança é lançada pela boca do ídolo é sempre o mesmo, alternando com as invocações do sacerdote e as manifestações dos espectadores), e, possivelmente, no papel da música, dado que para ela foi composta especialmente a "Sinfonia do Fogo" que se indica no genérico.
Há outro aspecto que vale a pena destacar neste histórico filme de Pastrone: a direcção dos actores e a movimentação de amplas massas de figurantes. É evidente, no primeiro caso, que o filme apresenta os excessos de gesticulação característicos do cinema mudo, em particular da parte de Itália Almirante Manzini, actriz consagrada, incluída com o objectivo de atrair um público exigente, cultivado nos excessos da diva Sarah Bernhardt, cujos métodos eram praticamente um modelo da arte de representar de então. Mas noutras figuras, que se estreiam como actores no cinema, nota-se já, um estilo diferente, isento parcialmente de ênfases: a jovem Lydia Quarenta, que se tornará vedeta popular nos anos seguintes, e o primeiro atleta do cinema, Bartolomeo Pagano, cujos músculos se desenvolveram na estiva (onde Pastrone o foi descobrir), sem necessidade dos modernos anabolizantes. A popularidade que o seu papel lhe deu foi tal que tomou praticamente o nome do personagem (Maciste) numa série de filmes de menor qualidade que durou até 1926. Com o advento do sonoro retirou-se do cinema tendo falecido em 1947.
Há ainda a destacar a importância dos cenários. Pela primeira vez um filme construía-os de forma cuidada e meticulosa tendo em vista uma reconstituição tanto ou quanto possível exacta, e de dimensões gigantescas. O templo de Moloch, em particular, com as suas sumptuosas construções abrem, afirma Jean Mitry, na era da decoração moderna no cinema, seguida nos Estados Unidos por Robert Brunton e Wilfred Buckland".
Resta D'Annunzio, outro aval cultural a que Pastrone recorreu. E se é certo que são dele os achados dos nomes exóticos e poéticos dos personagens (Cabiria = nascida do fogo) é dele também o que de mais datado e vetusto se encontra no filme: o estilo empolado e redundante dos intertítulos. No seu conjunto Cabiria é naturalmente, um filme primitivo. Mas nele afloram já muitas das formas e modelos que irão marcar o cinema do futuro.
In 100 dias, 100 filmes, Cinemateca Portuguesa
Realização: Giovanni Pastrone
Argumento e Intertítulos: Gabriele D'Annunzio
Fotografia: Segundo de Chomon, Giovanni Tomatis, Augusto Battagliotti, Natale Chiusano
Música: "Sinfonia do Fogo", composta especialmente por Giocondo Fino e TIdebrando Pizzetti
Intérpretes: Italia Almirante Manzini (Sofonisba), Lydia Quarenta (Cabiria), Catena (Cabiria, em criança), Actor não identificado (Batto), Gina Marangoni (A ama Croessa), Dante Testa (Karthalo, sacerdote de Moloch), Umberto Mozzato (Fulvio Axila), Bartolomeo Pagano (o escravo Maciste), Rafaelo di Napoli (Bodastoret), Emilio Verdannes (Anibal), Edoardo Davesnes (Asdrúbal), Vital e De Stefano (Massinissa), Alex Bernard (Siface), Enrico Gemelli (Arquimedes), Luigi Chellini (Cipião), Ignazio Lupi (Arbace), Actor não identificado (Marcello), Actor não identificado (Lelio), e Domenico Gambino, Fido Schirru, Amadeo Mustacchi, Giuseppe Ferrari, Felice Minotti, e outros actores da Itala Film
Produção: Itala Film (Turim)
Origem: Itália
Ano: 1914
Duração: 123’
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projeto financiado por
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