«Um êxito mundial». CABIRIA, 1914, a primeira obra-prima do género peplum!

4ªf, dia 1, 21h30, Sede, Entrada livre.

Ciclo "Grécia e Roma não têm nada de antigo",
incluído no projeto Livros em Cadeia


(contextualizando a conferência de dia 23, também na sede,
da Drª Adriana Freire Nogueira sobre
"Grécia e Roma na 7ª Arte")


O interesse desde logo manifestado da parte do cinema italiano pelas reconstituições históricas e em particular pelo que mais tarde ficou conhecido como "peplum", tem raízes históricas que radicam na recente reunificação do território, que criou, naturalmente, um forte nacionalismo, em particular por parte da burguesia e duma ampla camada de intelectuais. Se a Itália, ainda em turbulência no final do século, em pouco contribuiu para os primeiros passos do cinema (são comerciantes os primeiros que se dedicam à sua exploração comprando os pequenos filmes de Lumière e Méliès e exibindo-os itinerantemente pelo país, especialmente em feiras, até ao seu desgaste completo), é lá que se manifesta pela primeira o interesse das camadas cultas pelo fenómeno, entrando directamente na produção e criação. O nacionalismo, por sua vez, agitava-se com a memória das velhas glórias romanas, e ressurgia a ideia de fazer de novo do Mediterrâneo o antigo "Mare Nostrum", que se manifesta, em termos políticos pela guerra da Tripolitânia e a ocupação de parte do Norte de África. Deste ponto de vista é preciso notar que, como diz Giovanni Calendoli, "a preparação de Cabina começa logo a seguir à aventura na Líbia. Para um espírito possuidor de uma cultura clássica de nível médio - equivalente à do cinema - Cartago era o símbolo da oposição de África a Roma". Para além disso, a literatura versando a história de Roma, estava também na moda. Em 1905 o Nobel da literatura galardoava Henrik Sienkiewcz, autor do best-seller Quo Vadis? que se juntava ao êxito do Ben-Hur de Lewis Wallace, de Os Últimos Dias de Pompea de Bulver Lytton e Fabiola do Cardeal Wiseman, e o popular Emilio Salgari abordava o assunto em Cartagine in Fiamme. Tanto este como Salammbô, de Flaubert, terão particular incidência em Cabina, dado o tema comum das Guerras Púnicas. Cabiria é o zénite desta produção "histórica", como Sperduti nel Buio, de Nino Martoglio o será para a procura de um certo realismo, ambos dessa data limite que, quase a nível mundial, marca a passagem de um proto-cinema, para outro cujos códigos e fórmulas dominarão durante décadas. Já o primeiro filme de ficção rodado em Itália, se inscrevia nesse género, embora referente a um passado próximo, La Presa di Roma - XX setembro 1870, de 1905, ano em que a estabilidade política de um governo de centro-direita provocou um rápido desenvolvimento económico e, no campo do cinema, o início da produção por casas especializadas que a criação e aumento de número de salas próprias vinha estimular.

No início de 1906 é criada em Turim a sociedade Carlo Rossi & Cª que, em 1908, com a entrada de Giovanni Pastrone para a administração, em 1908, se transforma na Itala Film. Tudo indica que Pastrone, mais do que mero administrador, tenha sido, nestes anos, a "alma" da companhia, assumindo a realização de filmes e aquilo que mais tarde se chamou de "supervisão" para outros. Teria dirigido em 1909, Il Conte Ugolino, segundo um episódio da Divina Comédia, do qual dizia Jules Claretie em Le Temps, que com ele "o cinema ultrapassa a pintura e o teatro", e em 1910, La Caduta di Troia, entre outros.


Cabiria não foi o mais longo filme até então feito. Atribui-se-lhe a duração de cerca de 4 horas, embora a versão restaurada tenha somente 150 minutos, projectada à cadência da época, a 18 imagens por segundo. Seja como for, ultrapassava bastante o que era, até então, considerado o "maior" filme, o Quo Vadis? de Guazzoni, com 110 minutos, em 1913. Esta corrida para o excesso, fruto da concorrência, começou com L/Inferno, de Bertolini e Padavan, iniciado em 1909 e que, com cerca de uma hora, é considerada a primeira longa metragem do cinema. Cabiria representa também o culminar duma série de experiências através das quais os balbuceios iniciais da Sétima Arte, se organizam numa narrativa coerente. Esse cúmulo, porém, é essencialmente quantitativo. O salto de qualidade estava a ser dado no outro lado do Atlântico. Na verdade, se o cinema italiano posterior a Cabiria, explorou até à exaustão os seus contributos, fê-lo (pelos exemplos que se conhecem), de forma repetitiva (a crise económica que atingiu a Itália no pós guerra, e que levou à emigração de muita gente do cinema, não explica, por si só, a decadência, dado que, mais de vinte amos depois, de outra crise não menos grave, nasceu o neo-realismo). Mas Cabiria foi, com essa síntese de experiências, um acontecimento, um êxito mundial, parcialmente limitado apenas pela guerra que então eclodira, estando mais de seis meses em exibição em Paris e Nova Iorque. É inegável a sua influência sobre Griffith que preparava Intolerance, para o episódio babilónico. Basta comparar os cenários grandiosos do palácio de Baltazar, com o templo de Moloch e o palácio de Syphax, com os seus gigantescos elefantes. Mas não foi apenas com os seus cenários especialmente construídos para o filme (foi o primeiro a escolher esta forma, dado que o próprio Quo Vadis?, utilizava ainda os cenários pintados em profusão). O filme de Pastrone, cuja preparação começou no início de 1913, procura nos exteriores os cenários mais próximos dos locais onde se presume decorrer a acção. Estas "repérages" "avant la lettre", levam a equipa de Pastrone à Tunísia, Sicília e a Vai di Lanzo, onde a lenda afirma ter Anibal cruzado os Alpes. Cabiria é também apontado como o primeiro filme a usar, de forma sistemática, a profundidade de campo. Encontramos a sua utilização de forma dramática logo no plano do mercado de escravos, na primeira aparição de Fulvio e Maciste, com o deslocamento deste até quase um grande plano, enquanto a acção decorre no fundo do campo, mas onde ela é mais significativa é naquele em que Massinissa surpreende a conversa dos romanos que decidem do destino de Sofonisba, ou quando Fulvio sai da taberna para ir libertar Maciste. Neste caso particular, atende-se que esse efeito é reforçado por um breve "travelling", aumentando a atenção do espectador. Aliás, o filme de Pastrone destaca-se também por essa utilização do movimento da câmara, até então mera reprodutora de quadros vivos. Incipientes ainda, mas já usados com frequência, quebram a imobilidade trazendo um ritmo que permite acompanhar melhor a narrativa. Para esse fim Pastrone registou um aparelho para fazer mover a câmara que é o antepassado do "charriot".

Mas esse ritmo é também auxiliado por uma utilização mais subtil da montagem, que até então se limitava à mera colagem dos quadros filmados. Não só a montagem em continuidade, mas também um arremedo de montagem alternada, que Griffith desenvolve simultaneamente nos seus filmes e que, em 1914, lança os seus principios gerais em Birth of a Nation. Essa montagem paralela afirma-se, em particular na famosa sequência do templo de Moloch, com o sacrifício das crianças alternando com a tentativa de Fulvio e Maciste para libertarem Cabiria, culminando na fuga dos dois últimos em paralelo com Massinissa e Sofonisba no jardim. A sequência de Moloch é, aliás, a mais sugestiva nesses efeitos, até no uso da iluminação como motor dramático, na montagem do sacrifício onde se poderia detectar um esquisso do "efeito Kulechov" (o plano de que uma criança é lançada pela boca do ídolo é sempre o mesmo, alternando com as invocações do sacerdote e as manifestações dos espectadores), e, possivelmente, no papel da música, dado que para ela foi composta especialmente a "Sinfonia do Fogo" que se indica no genérico.


Há outro aspecto que vale a pena destacar neste histórico filme de Pastrone: a direcção dos actores e a movimentação de amplas massas de figurantes. É evidente, no primeiro caso, que o filme apresenta os excessos de gesticulação característicos do cinema mudo, em particular da parte de Itália Almirante Manzini, actriz consagrada, incluída com o objectivo de atrair um público exigente, cultivado nos excessos da diva Sarah Bernhardt, cujos métodos eram praticamente um modelo da arte de representar de então. Mas noutras figuras, que se estreiam como actores no cinema, nota-se já, um estilo diferente, isento parcialmente de ênfases: a jovem Lydia Quarenta, que se tornará vedeta popular nos anos seguintes, e o primeiro atleta do cinema, Bartolomeo Pagano, cujos músculos se desenvolveram na estiva (onde Pastrone o foi descobrir), sem necessidade dos modernos anabolizantes. A popularidade que o seu papel lhe deu foi tal que tomou praticamente o nome do personagem (Maciste) numa série de filmes de menor qualidade que durou até 1926. Com o advento do sonoro retirou-se do cinema tendo falecido em 1947.

Há ainda a destacar a importância dos cenários. Pela primeira vez um filme construía-os de forma cuidada e meticulosa tendo em vista uma reconstituição tanto ou quanto possível exacta, e de dimensões gigantescas. O templo de Moloch, em particular, com as suas sumptuosas construções abrem, afirma Jean Mitry, na era da decoração moderna no cinema, seguida nos Estados Unidos por Robert Brunton e Wilfred Buckland".

Resta D'Annunzio, outro aval cultural a que Pastrone recorreu. E se é certo que são dele os achados dos nomes exóticos e poéticos dos personagens (Cabiria = nascida do fogo) é dele também o que de mais datado e vetusto se encontra no filme: o estilo empolado e redundante dos intertítulos. No seu conjunto Cabiria é naturalmente, um filme primitivo. Mas nele afloram já muitas das formas e modelos que irão marcar o cinema do futuro.

In 100 dias, 100 filmes, Cinemateca Portuguesa



Realização: Giovanni Pastrone
Argumento e Intertítulos: Gabriele D'Annunzio
Fotografia: Segundo de Chomon, Giovanni Tomatis, Augusto Battagliotti, Natale Chiusano
Música: "Sinfonia do Fogo", composta especialmente por Giocondo Fino e TIdebrando Pizzetti
Intérpretes: Italia Almirante Manzini (Sofonisba), Lydia Quarenta (Cabiria), Catena (Cabiria, em criança), Actor não identificado (Batto), Gina Marangoni (A ama Croessa), Dante Testa (Karthalo, sacerdote de Moloch), Umberto Mozzato (Fulvio Axila), Bartolomeo Pagano (o escravo Maciste), Rafaelo di Napoli (Bodastoret), Emilio Verdannes (Anibal), Edoardo Davesnes (Asdrúbal), Vital e De Stefano (Massinissa), Alex Bernard (Siface), Enrico Gemelli (Arquimedes), Luigi Chellini (Cipião), Ignazio Lupi (Arbace), Actor não identificado (Marcello), Actor não identificado (Lelio), e Domenico Gambino, Fido Schirru, Amadeo Mustacchi, Giuseppe Ferrari, Felice Minotti, e outros actores da Itala Film
Produção: Itala Film (Turim)
Origem: Itália
Ano: 1914
Duração: 123’

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projeto financiado por
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temos novo presidente!

Carlos Rafael Lopes.

Ele mesmo! :) Sócio desde 1998, dirigente desta casa entre 2000 e 2007, patrão dela a partir de agora!

Trouxe com ele a Joana Costa e o João Madeira - gente que ama o cinema e... o Cineclube também.

Uma Direção renovada que é também de transição - a Ana Lúcia Correia, que a ela pertence desde 2007, e que vocês bem conhecem, pois é quem se dispõe - sempre!! - a fazer a bilheteira no IPJ e as sessões na Sede; e a Anabela Moutinho, que a ela pertence desde aC, que vocês estão fartos (nos dois sentidos) de conhecer, e que ficará estes dois anitos para ajudar a passar uma pasta, bem mais complicada e complexa do que se pode imaginar, nem que seja porque não é uma pasta: são dezenas!!!

A altura é ainda mais complicada do que se imaginaria: além de não haver subsídios anuais da Câmara (népias no ano passado, nicles este ano), o Secretário de Estado da Cultura, essa mente iluminada e conhecedora, mandou suspender todas as candidaturas no presente ano enquanto não houver uma nova Lei do Cinema - pelo que - donde - assim - em consequência: nem produção de cinema português, nem apoio aos festivais, nem apoio aos cineclubes. Tendo em conta que a verba para estes últimos (que se mantinha inalterada desde... 1999!) era de 100.000 a distribuir por todos nós, costumávamos ter 5.000€ que davam, e deram especificamente no ano passado, para não ir ao fundo.

Este ano, pelos vistos, iremos ao fundo?

Sim, se não nos mexermos e vocês não nos acompanharem, participando, pagando quotas, indo às sessões.

Não, se nos mexermos e vocês nos acompanharem, participando, pagando quotas, indo às sessões.

Da parte do nosso novo Presidente o entusiasmo e a vontade de dar a volta a isto são totais - e da vossa, também? esperamos que sim!

E VIVA O CINECLUBE DE FARO! DESDE 1956, SEM PARAR!
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PATER - 2ªf, 21h30, IPJ, verdade e simulacro, parábola e divertimento, documentário e ficção - é a política!!

Pater fala de política, da palavra, de poder, de pais. Perfeitamente. Um filme lúdico e profundo.
Jean-Marc Lalanne, Les Inrockuptibles

Anunciado como “um dos filmes mais bizarros exibidos em Cannes”, aureolado com uma reputação de OVNI ovacionado, “Pater” surpreende até os mais profundos conhecedores da obra de Cavalier.
Joachim Lepastier, Cahiers du Cinéma


Nos últimos anos, Alain Cavalier descobriu as delícias das novas câmaras digitais. Tirando partido dos modelos mais ligeiros, tem feito alguns filmes de inesperado risco introspectivo (lembremos Irène, de 2009) que são também metódicos exercícios contra o naturalismo demagógico da televisão. Agora, com Pater, Cavalier avança um pouco mais nesse processo de discussão dos limites do cinema, integrando um actor cúmplice, Vincent Lindon. Que fazem eles? Pois bem, uma espécie de documentário forjado da sua própria amizade, começando por discutir gastronomia e gravatas, para desembocarem numa farsa em que Cavalier é Presidente da França e Lindon primeiro-ministro, avaliando estratégias para as próximas presidenciais. Para além das perversas conotações que o filme pode adquirir no contexto francês, há nele um sentido de ironia que desmancha, ponto por ponto, a facilidade com que as televisões se assumem como veículos de uma verdade sem mácula. Para Cavalier, receber uma imagem é também discutir os seus graus de verdade. Ou como o cinema pode ser mais sincero que a televisão.
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João Lopes, Diário de Notícias


Inventar a política
Entre várias coisas, uma reflexão, prática, sobre a política como questão de aparências e de representação.

Alain Cavalier (que nasceu em 1931) faz parte daquele grupo de cineastas que acolheu a chegada do “cinema digital” como um novo começo, como a descoberta de um oceano de possibilidades que ainda não existiam. Está no YouTube uma entrevista dele, em Cannes e a propósito de “Pater”, onde ele fala da “invenção sublime” que foram as pequenas câmaras digitais, e de como elas mudaram não apenas o que se pode fazer mas também a maneira de o fazer. Da boca de Cavalier, não é proclamação vã: o seu cinema redescobriu-se e reinventou-se, de facto, a partir do momento em que passou a trabalhar com estes meios, como não será preciso explicar a quem tenha visto os seus últimos filmes, “Le Filmeur” ou “Irène”, ambos mostrados em Portugal.

Em “Pater”, Cavalier pega no ponto em que estava - o “intimismo”, o intimismo de uma cinema feito com o que está à mão e ao alcance da mão - para tornar as coisas mais complicadas. Ao registo diarístico e confessional sucede-se um arremedo de ficção (peculiar, como veremos), ao cinema “na primeira pessoa” sucede-se um desdobramento de personalidade, porque agora há um “partenaire” (o actor Vincent Lindon) e vários “papéis” (para Cavalier e para Lindon) que se sobrepõem. Dá um filme bastante inqualificável - descrevê-lo como? Ficção documental? Documentário ficcionado? - que trabalha em camadas (camadas de “realidade” e camadas de “ficção”) mas sobretudo trabalha na ligação entre elas, parecendo interessar-se essencialmente pelos momentos em que uma coisa se transforma na outra e vice-versa.

A primeira cena (uma cena de refeição, das várias que há no filme) lança os dados. Vemos as mãos de Cavalier a preparar trufas e saladas (a câmara está nas mãos de Lindon), conversa de circunstância, e a dado passo Cavalier anuncia que escolheu Lindon para ser “o seu primeiro-ministro”. Inaugura-se o jogo, o “faz de conta” que está na raiz do filme: Cavalier e Lindon inventarão uma relação de Presidente (o próprio Cavalier) e primeiro-ministro, “Pater” será a história dessa relação sem nunca deixar de ser a história do fabrico dessa relação. Para voltar a pegar em termos de “catalogação” habituais, “Pater” é ao mesmo tempo o filme e o seu “making of”.

O seu principal mérito, no meio de tanto jogo? Nunca parecer só um jogo, conservar a aparência de espontaneidade e improviso sem nunca andar ao Deus dará, investir de uma profunda intencionalidade todos aqueles momentos em que se está “entre” (entre aquilo que Cavalier e Lindon são e aquilo que Cavalier e Lindon representam), e ao mesmo tempo ser, efectivamente, uma invenção, uma invenção política e uma invenção da “política”, cheia de ressonâncias contemporâneas (o dinheiro, claro) e até premonitórias (o “affair” Strauss-Kahn surge como assombração numa cena, aliás soberba, em que Presidente e primeiro-ministro discutem o que fazer com uma fotografia comprometedora do principal rival eleitoral).

O paternalismo da relação, explicitado no título e por vezes evocado de maneira quase psicanalítica (como quando Cavalier, em monólogo frente ao espelho, fala do “autoritarismo” do seu pai, e lamenta ter-se tornado nele), cumpre-se nos seus trâmites clássicos, visto que chegará o momento em que o primeiro-ministro terá que afrontar o Presidente, ser “pater” no lugar do “pater”, e, como na expressão de Cavalier, “tornar-se nele”. Cavalier, nas suas intervenções sobre o filme, tem insistido na questão paternal e no carácter pessoal do filme, talvez uma maneira de frisar a que ponto “Pater”, pesem as espirais e as ficções, continua a ser o resultado de um trabalho sobre o intimismo. Mas isso é só um terço do filme; outro terço é uma reflexão, prática, sobre a política como questão de aparências e de representação (“Pater” fica bem ao lado “Um Passeio Pela História”, o belo filme de Robert Guédiguian sobre os últimos dias de Mitterrand), sucessivas máscaras que se põem e se tiram conforme as circunstâncias (o diálogo em que Cavalier pergunta a Lindon pela sua vida privada, alertando-o para o perigo de qualquer esqueleto no armário); e o derradeiro terço é sobre os dois homens que brincam com todas estas máscaras, dois homens que representam que representam ou não representam de todo, como quando Lindon chega ao apartamento que serve de estúdio, Cavalier recebe-o com um “bom dia Sr. primeiro ministro”, e Lindon desata num longo monólogo sobre algo que lhe sucedeu naquela manhã, não “como primeiro-ministro” mas “como Vincent Lindon”. Ou pelo menos assim o julgamos - e nesta margem de indefinição da falsidade está, se não toda a verdade, pelo menos a verdade mais importante de “Pater”.
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Luís Miguel Oliveira, Público


Na intimidade do poder político
Ator e realizador. Presidente e primeiro-ministro. Alain Cavalier e Vincent Lindon. Ambos documentam os seus encontros e inventam uma ficção política.

Imaginemos os bastidores do poder, o encontro entre dois protagonistas políticos, Pedro Passos Coelho e Cavaco Silva. Imaginemos que ambos discutem as questões do Estado, saboreando um bom queijo, umas trufas, e partilhando um caloroso vinho. Ei-los comentado qual é a gravata mais adequada, avaliando o custo de um fato e assumindo que não pode ser demasiado caro, ou ensaiando a pose perante um espelho, trocando um conselho amigo.

Impensável? Estamos nos bastidores do poder ou na intimidade dos políticos?

Podemos imaginar que isso sucede projetando-os nas situações protagonizadas pelo realizador Alain Cavalier e o ator Vincent Lindon. Em "Pater", eles discutem questões de método de trabalho de um realizador e de um ator, debatem que filme farão/estão a fazer juntos, interagem como pai e filho, e a certa altura assumem os papéis de um Presidente da República (Cavalier) e do seu primeiro-ministro (Lindon).

Durante um ano, Cavalier e Lindon conviveram, ensaiaram uma relação de poder e construiram uma agenda política (discutindo questões concretas, como os tetos das reformas...). O poder é exercido na intimidade num filme pessoal que foi feito a partir de um esboço de argumento, um esqueleto de nove páginas que não tinha um único diálogo escrito.

Ficção? Documentário?

Este filme é um ovni, objeto estranho que baralha o espetador. Cavalier e Lindon parecem duas crianças divertindo-se perante câmaras digitais, numa farsa diletante que encontra eco na atualidade recente da vida política francesa. Mas brincando aos governos eles revelam um olhar surpreendente sobre as formas de encenação política e de representação no espaço público e mediático.

"Pater" é um óptimo exercício de cidadania, um dos filmes mais livres do ano e que desafia a nossa forma de encarar o modo como o poder (o teatro da política) é exercido perante… os nossos olhos.
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Tiago Alves, Cinemax


CONTÉM DECLARAÇÕES DO REALIZADOR

De que parte do cérebro de Cavalier brotou esta ideia ?
«Senti-me, depois de ‟Le Filmeur‟ (2005) e „Irène‟ (2009), a andar em círculos no meu cinema muito autobiográfico, ou mesmo a atingir demasiado a minha própria imagem », explica.
Mas porquê um Presidente e o seu Primeiro-ministro ? « Há uma fonte muito óbvia nesta ficção . O meu pai, que começou a perder a visão pouco depois dos 40 anos, havia instalado uma bicicleta dentro de casa para manter a forma, depois de ter tido alguns acidentes na estrada, porque se recusava a reconhecer a sua cegueira. Um dia – já velho e a pedalar -, ouvi-o a gritar do outro lado da parede : « Eu também podia ser Presidente da República ! É óptimo, não é ? ».

Uma frase que tem um eco na cena em que Lindon, de frente para a câmara, explica que, sim, ele também poderia ser, na vida real, o Primeiro-ministro.

« O pior foi que, no momento em que eu o disse, acreditei verdadeiramente », explica Lindon sorrindo.
« Pensava que conhecia toda a esquizofrenia da profissão de actor, mas não. »

Em Pater, tudo gira em torno da paternidade, do poder simbólico ou real, das lutas entre machos, do falo, da rivalidade entre homens, entre amigos : o Presidente como pai da nação, como pai do Primeiro-ministro, o actor como filho do realizador, o amigo de 79 anos como pai espiritual de um homem mais novo do que ele…

Porquê Vincent Lindon ?
Porquê recorrer a um actor não só profissional mas também famoso ? Durante 30 anos, Cavalier baniu-os do seu cinema, por gosto e escolha. « Na verdade , desde o primeiro dia de rodagem do meu primeiro filme, „Duelo na Ilha‟ (1962), quando Romy Schneider surgiu à minha frente toda maquilhada, apercebi-me da anormalidade da situação, ou, melhor, que os actores profissionais não eram para mim. É difícil de explicar, mas tinha a impressão de que eles estavam a tomar um poder que era meu. Por exemplo, toda a minha vida me bati, com sucesso, para que nenhum actor, mesmo uma estrela, fosse mais bem pago que eu nas filmagens. Caso contrário, é bizarro. Para além disso, durante as rodagens, muitos actores representam para a equipa técnica. Cheguei a ver técnicos a aplaudir no final de um take. Isso é inconcebível para mim ! »


O último desses profissionais foi Jean Rochefort, em « Un Étrange Voyage » (1981).
« Eu e Rochefort tínhamos a mesma idade, 50 anos. E trabalhando com um actor de 50 anos agora, senti-me a rejuvenescer. Em troca, dei-lhe a oportunidade de filmar um tipo de cinema diferente. »

Porquê renunciar a essa promessa ? Já em „Irène‟, Cavalier admitia o seu fascínio de sempre por Sophie Marceau – através de uma fotografia da actriz colocada num cartaz e à qual ele se dirigia várias vezes. Que se passou ? A resposta tem uma palavra : amizade.

Tudo começa com um encontro fortuito, há dez anos, numa rua de Saint-Germain-des-Prés, em Paris, (história contada no filme), na rua do Bac. Lindon passeava com um amigo quando reconheceu Alain Cavalier que admirava desde „Thérèse‟ (1986) – Catherine Mouchet, a protagonista, também é natural de Etretat, como a família Lindon, e as duas famílias perpetuaram laços de amizade desde há cem anos.

Ele diz-lhe. « Ficaria muito triste se na minha carreira não fosse filmado por si um dia », diz Vincent Lindon a Alain Cavalier, acrescentando que nunca tinha pedido a um realizador para trabalhar com ele.

Na altura, Lindon sabia-o perfeitamente, Cavalier era conhecido por ter decidido realizar filmes sozinho, com a sua câmara, depois de ter traçado uma mais convencional carreira como realizador, comercial e brilhante. O realizador encontrava-se naquela época a filmar um amigo que aceitou perder 45 quilos em frente da sua câmara (« René », estreado em França em 2002). Cavalier (Lindon saberá bem mais tarde que o cineasta gostou da expressão « ser filmado por si » em vez de « fazer um filme consigo ») respondeu-lhe da seguinte forma :
« Olha, acho que nunca voltarei a trabalhar com profissionais. Mas se eu tiver de o fazer, será consigo. Pode parecer a retribuição de um elogio mas digo-o verdadeiramente. »


Um projecto construído sobre uma amizade
Nesse momento, Lindon ficou dividido entre o orgulho e a dúvida. Mas os dois acabaram por se encontrar com intervalos cada vez menos espaçados. Vão a casa de um, e de outro, bebem café, atravessam Paris a pé até ao 16º arrondissement ou ao 6º ou vão juntos ver um clássico de Hollywood no Action Christine. Eles confiam um no outro.

Lindon, que perdeu o seu pai « demasiado cedo », reúne os seus elos perdidos com Cavalier : « Quando ele era jovem, tinha uma banda com os amigos, bebiam, faziam a festa… Acredito que ele se revê um pouco em mim. Com ele falamos de tudo : mulheres, futebol, Castel, o meu tio Jérôme Lindon, Deneuve ! Ele sabe tudo sobre literatura e arte : para mim, é Malraux ! E para além disso, tudo o diverte, quer as minhas alegrias quer as minhas tristezas. Tudo o interessa. É um pouco como o pai que todos sonharíamos ter… »

Podemos ainda acrescentar que ambos têm em comum serem, durante as entrevistas, muito concentrados e atentos a tudo o que os rodeia : um anel num dedo, uma mulher solitária que chora na mesa do lado, aquilo que lemos, aquilo que pensamos…

Por seu lado, Cavalier teve sempre de enfrentar uma figura paternal muito rigorosa (o seu pai era um alto funcionário). Os dois homens em busca de um pai, e talvez de filhos porque ambos são pais de uma filha única, telefonam-se, falam, bebem copos nos bares de hotéis de luxo em Paris. E assim, num dia em 2007, discretamente, Cavalier anunciou de forma velada a possibilidade de um filme : « Vincent, ontem tive uma ideia sobre ti. Vi-me a filmar-te. Não sei como. Se assim continuar, nada se fará. Mas queria dizer-te que tive uma pequena ideia…”

A ideia progrediu, com mudanças claras. Em Janeiro de 2010, segundo Lindon (que o imita muito bem), Cavalier pronunciou a seguinte frase, rodeado de um copo de amendoins, no Hotel Meurice : « Acho que tenho uma ideia para uma pequena proposta : talvez criemos alguma confusão os dois. Aquilo que te proponho, será melhor se eu te visitar com a minha câmara. Se não correr bem, paramos. » Lindon aceitou.

Para conseguir financiamento, Cavalier escreve uma nota de intenções de nove páginas, mais meditação literária sobre a figura do pai do que um verdadeiro argumento. Um dia, durante a « rodagem », Cavalier surge no filme através de uma voz off, depois aparece de costas e finalmente de frente. Ele desliza para dentro do seu filme, no seu papel. O princípio do filme impõe-se pouco a pouco : os dois, a câmara, um Presidente da República, o Primeiro-ministro, os desafios do poder.


Trabalham entre os dias de rodagem de Lindon nos filmes grandes (nomeadamente o novo de Philippe Lioret, « Toutes nos envies »), improvisam. Filmam num take. Se o filme não ganhar forma, não existirá, tanto pior.

Aqueles que forem ver PATER constatarão que a alimentação e a bebida ocupam aqui um papel importante – tal como no Pai Nosso (« o pão nosso que nos dai hoje ») ? Os encontros entre os dois homens políticos e os dois acólitos, nos seus papéis ou não, flutuam no meio de pratos saborosos (trufas !) devorados com evidente apetite. Encontramos um pouco, mais chic, o ambiente masculino que banhava « Le Plein de super » (1976), o primeiro « filme de homens » realizado por Cavalier e co-escrito com os seus intérpretes (Etienne Chicot, Patrick Bouchitey, Xavier Saint-Macary, Bernard Crombey)

A verdade é que Cavalier e Lindon nunca filmaram sem previamente almoçarem juntos. « Cavalier dizia-me logo no início : „E se, antes de tudo, fossemos comer chucrute no Lipp, Vincent ? » Após o almoço, os dois seguiam para casa de Lindon. E depois, sem pressas, Cavalier colocava a sua câmara e filmava. Sem claquete, sem « corta ! ». A cãmara continuava a filmar durante as interrupções quotidianas (um toque de telefone, um pequeno copo de vinho e uma chávena de chá).

Cavalier dizia com a sua voz suave : « E se falássemos um pouco de política nuclear, Vincent, qual a tua opinião ? » E os dois homens voltavam a ser imediatamente Presidente e Primeiro-ministro…
« Bem, sendo franco, Cavalier cortou bastante, felizmente. Temos frequentemente conversas de café como toda a gente tem na sua vida ! »



Lindon é levado pelo jogo. No dia em que ele se apercebe que o « presidente da República » deseja mudar de « Primeiro-ministro », ele pede a Cavalier para lhe confiar a câmara durante uns dias. Essa cena permaneceu no filme e é uma das mais belas. Ela foi, portanto, filmada sem o seu realizador… « Fizemos coisas incríveis, foi louco, louco ! », exclama Vincent Lindon, de olhos humedecidos.

Sugerimos a Alain Cavalier que a experiência nos faz recordar um pouco a escrita automática, a técnica imaginada por Breton e Soupault para escrever « Les Champs Magnétiques », ou faz-nos pensar na escrita do argumento de « Un Chien Andalou » por Buñuel e Dali (cada um deles propõe uma ideia, uma imagem, que se não agradar ao outro é abandonada). Cavalier quer ser mais modesto, preferindo dedicar-se às intrigas políticas (eleições, traições) que construiu e que dão um fio condutor às suas improvisações.

Das setenta e sete horas de imagens, o cineasta guardou uns três quartos.
« Editava-o progressivamente. A rodagem decorreu durante todo o ano de 2010. Deixei as imagens repousar um pouco para esquecer a euforia da rodagem e para poder contemplá-las com um pouco de objectividade. O filme nasceu a pouco e pouco. Guiou-me. Apenas tive de o seguir. »

Vincent Lindon lembra-se do último dia de filmagens : « Cavalier disse-me : „Vincent, tu sabes, acho que o filme terminou… „ Para mim, do ponto de vista profissional, foi o ano mais bonito da minha vida. »

Chegou o dia em que Alain Cavalier decidiu mostrar o filme ao seu produtor, Michel Seydoux, e a Lindon. Deixou-os a sós na sua sala de montagem. «Saí destroçado », confessa Lindon, « Senti-me mal durante todo o dia. Levei algum tempo a compreender porquê. » Alguns problemas de imagem ?
«Bem, é verdade que pela primeira vez me vi num filme tal como sou na vida real, com os meus tiques…»


Cavalier não procura fugir do assunto : « Todos os actores têm problemas com a sua imagem, é algo inerente aquilo que eles são, à sua profissão. Mudei os meus métodos de produzir filmes mas o cinema é a minha profissão : tudo fiz, portanto, para mostrar Vincent a seu favor. Mas sim, foi difícil para ele aceitar ver-se daquela forma, no início. No entanto, para mim, além de um filme sobre o poder e as lutas de poder, PATER é um documentário sobre ele. »

Lindon tem a sua própria explicação para este mal-estar : « Acabei por compreender o que me incomodava. No início do genérico, Cavalier havia posto : Vincent Lindon em PATER, um filme de Alain Cavalier. E eu disse-lhe : « Não, Alain, não pode ser, tens de estar ao meu lado no genérico ». Ele mudou e agora está comigo. Senti-me aliviado. Podia finalmente aceitar ver o filme. »

A selecção do filme para a competição de Cannes foi outro dos acontecimentos extraordinários desta estranha aventura. Sem falar do triunfal acolhimento do público : « No início, ficámos comovidos, mas depois, ao final de uns minutos, não sabíamos o que fazer ou dizer, portanto continuámos a sorrir e a dizer que aquilo ia parar. Mas não, as pessoas continuaram a aplaudir », explica Cavalier, exprimindo a sua emoção real e visível de forma velada. Lindon é mais directo : « Nunca me esquecerei. »
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Jean-Baptiste Morain



Realizador: Alain Cavalier
Argumento: Alain Cavalier, Vincent Lindon
Fotografia: Alain Cavalier, Vincent Lindon
Montagem Bruno Patin
Produtor: Michel Seydoux
Mistura de Som: Florent Lavallée
Interpretação: Vincent Lindon, Alain Cavalier, Bernard Bureau,Jonathan Duong,
Hubert-Ange Fumey, Jean-Pierre Lindon, Manuel Marty, Claude Uzan
Origem: França
Ano: 2011
Duração: 105’
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CURTA AGNÈS VARDA! - 3ª e última sessão. 4ªf, sede, 21h30, entrada livre.



LEGENDAS EM PORTUGUÊS

Curtas Parisienses


A Ópera-Mouffe
L'Opéra-Mouffe (França, 1958).

Documentário a Preto e branco. Duração 17’.

A Ópera-Mouffe é o bloco de notas de uma mulher grávida, no contexto de um documentário sobre o bairro da rua Mouffetard, em Paris, apelidada “la Mouffe”. É um documentario subjetivo, com fotografia de Sacha Vierny e música de Georges Delerue.

*Prémio da Federação Internacional de Cineclubes na Exposição Universal de Bruxelas 1958*

*Prémio de Curta-metragem de vanguarda de Paris 1958*

*Prémio da Semana internacional de curtas-metragens de Viena 1962*


As Tais Cariátides
Les Dites cariatides (França, 1984)

Documentário a Preto e branco. Duração 13’.

Mulheres-est+atuas, colónias humanas: as cariátides de Paris.

Agnès Varda passeia a sua câmera por sobre as fachadas dos prédios parisienses do fim do séc XIX. A voz da realizadora acompanha as imagens destas estátuas de pedro ou de bronze. Misturando anedotas históricas e poemas de Baudelaire, este filme rende homenagem à beleza da mulher, sublinhando maliciosamente uma 'certa ideia' da diferença entre os sexos veiculada por estas atlântidas e cariátides.


O Leão Volátil
Le Lion Volatil (França, 2003)

Com David Deciron, Frédérick E, Grasser-Hermé, Julie Depardieu, Valérie Donzelli. Fantástico. Cores. Duração 12’.

Curta aventura em torno de uma estátua de leão entre Clarisse, aprendiz de vidente, e Lazare, funcionário das Catacumbas de Paris.

*Prémio do Público de Melhor Curta-metragem no Festival de Films de Femmes de Créteil 2004*

* Seleção oficial dos Festivais de Veneza, Chicago, Viena 2003 e de Berlim 2004*


Os Amantes da Ponte Mac Donald
Les Fiancés du Pont Mac Donald (França, 1961).

Comédia. Preto e branco. Duração 5’.

Um jovem vê tudo negro quando põe os óculos escuros. Basta tirá-los para que as coisas se ajeitem...


Elsa, a Rosa
Elsa la Rose (França, 1965)

Documentário a Preto e branco. Duração 20’. Poesia.

Imagens e poemas em torno de um célebre casal: Louis Aragon e Elsa Triolet. A juventude de Elsa é contada por Aragon e comentada por Elsa.



Tens belas escadarias, sabias?
T'as de beaux escaliers tu sais (França, 1986).

Documentário a Cores. Duração 3’. Cinema.


Como, em 150 segundos, prestar homenagem à Cinemateca Francesa, na ocasião de seu cinquentenário, de outra forma que não seja filmando os quase 50 degraus que, subindo, levam ao Museu do Cinema e, descendo, à sala escura onde são projetadas obras-primas com célebres escadarias?

*Festival de Cannes 1986 (fora de competição)*


Ensaios

7 P., Coz., Ban.... Imperdível
7 P., Cuis., S. De B., ... À Saisir (França, 1984)

Com Catherine de Barbeyrac, Colette Bonnet, Folco Chevalier, Hervé Mangani, Marthe Jarnias, Michèle Nespoulet, Pierre Esposito, Saskia Cohen Tanugi, Yolande Moreau. Cores. Duração: 27’.

A visita de um corretor de imóveis a um antigo hospício, agora uma casa abandonada, remete a várias narrativas fragmentadas e ao imaginário surreal de seus antigos ocupantes. Residências, casas vazias ou cheias, o tempo passa e deixa traços bizarros.


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projeto financiado por
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HABEMUS PAPAM MORETTI - 2ªf, 21h30, IPJ.

sócios 2€, estudantes 3,5€, restantes 4€
reservas cineclubefaro@gmail.com


Antes dos psicanalistas invadirem as cidades tomadas pelo stress, as pessoas resolviam os seus problemas psicológicos de joelhos em frente a um padre. No confessionário ou no divã, de forma mais profunda ou superficial, moralista ou científica, libertadora ou temerosa, bem paga ou económica, o objetivo é a libertação da culpa e a regeneração do indivíduo. Mas, de alguma forma, o confessionário e o divã competem entre si e opõem-se mais do que se complementam, assim como acontece em geral com a religião e a ciência. Talvez o padre seja um psicanalista empírico e tradicional, e o psicanalista um padre sem batina e amoral. Mas qualquer comparação do género pode-se revelar ofensiva para ambas as classes, embora pareça óbvio que teriam toda a vantagem em comunicar.

Em Habemus Papa, Nanni Moretti, um ateu praticante, diverte-se com o Vaticano e tudo aquilo que tem de mais absurdo, exibindo não raras vezes o ridículo das suas normas e preceitos. Mas dificilmente será acusado pela Igreja com provas palpáveis, porque o filme não vai contra qualquer dogma ou regra elementar católica ou, se o faz, é de forma suficientemente subtil para que possa ser explicado com clareza. Seria fácil ao realizador de Palombella Rossa ridicularizar explicitamente alguns aspetos da Igreja de Roma, como o sacerdócio das mulheres, o uso do preservativo, a riqueza ostentada pelo Vaticano, o seu regime absolutista, mas de forma inteligente evita esses pontos centrais, para contar uma história em torno da eleição do Papa e assim torna-se ainda mais eficaz e assertivo. Aliás, o 'folclore' ritualista medieval não necessita de qualquer caricatura, basta a cerimónia fúnebre mostrada no início do filme.

O ponto mais sublime a que consegue chegar é dar a vitória da psicologia sobre a religião, ou pelo menos sobre aquela religião, colocando a figura do psicanalista, desempenhada pelo próprio Moretti, num patamar superior, perante um colégio episcopal psicologicamente débil que sofre, no mínimo, de um défice parental.

O mundo do Vaticano que se nos apresenta é frágil, ingénuo e absolutamente infantil. Moretti faz daqueles cardeais um grupo de homens bizarros, afastados do mundo real, que foram privados de brincar na infância e que agora têm comportamentos ingénuos e sobretudo uma sede de realidade.

Tudo isto a propósito de um Papa que tem um surto depressivo no momento em que é eleito e recusa-se a assumir o 'cargo'. O que aparentemente é simples, na Igreja Católica assume outra proporção, pois apesar da eleição ser feita pelos cardeais, é entendida como um desígnio divino pelo que, ao mostrar um Papa não preparado para o ofício, é desafiada a existência ou eficácia do próprio Deus. É assim que Nanni Moretti, de forma subliminar, sem entrar por uma euforia anticlerical, não abordando sequer os pontos mais polémicos, derrota este Vaticano enquanto nos diverte com um filme hilariante.

Michel Piccoli que, em Um encontro Único, de Manoel de Oliveira, fez de Khrouchtchev, contracenando com João Bénard da Costa, que fazia de Papa João XXIII, agora é ele próprio o Papa que não quer ser Papa, com o qual facilmente nos identificamos e tem mais características humanas do que divinas, como se querem os homens. Habemus Papa é um filme sobre um homem que não queria ser Deus.
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Manuel Halpern, Visão


“Habemus Papam” é a forma (até agora) mais feliz de Moretti aprender a existir com os outros

Houve um momento - toda uma primeira parte da obra “morettiana”, via “persona” Michele Appicella ou através de outra construção dele próprio, Nanni - em que a energia de um filme era um monopólio detido apenas por alguns dos planos: os grandes-planos sobre Moretti. Era(m) ele(s) que a continha(m) e que a libertava(m). Os filmes, por isso, tinham de regressar sempre a ele. Que, intolerante, controlava os outros. Os filmes existiam numa espécie de estado policial. Vêem-se, ainda, em estado de tensão.

É claro que havia nisto, nesta aparente incapacidade de permitir que os outros existissem, um jogo auto-irónico, de massacre com a sua própria geração, com um passado político rasurado pela amnésia (é em “Bianca”, filme de 1984, que a personagem Michele Apicella, tornado “serial-killer” a golpes de misericórdia porque não suporta a infelicidade dos outros, conta que houve um Verão em que veio a Portugal para conhecer Otelo Saraiva de Carvalho, mas já não se lembra...).

Houve a doença de Moretti, o fluxo liberatório diarístico (“Querido Diário” e “Abril”), mas foi ao filme pelo luto do filho, melodrama de onde tinha sido excluída qualquer auto-ironia, que foi permitido fazer figura de intruso ou de página que se virava. Depois dele, e cinco anos depois, Nanni enchia “O Caimão” de géneros e registos (a comédia sentimental, o musical, o “filme dentro do filme”) parecendo procurar novo centro de gravidade. Como que testando novas figurações mas receando pelas perdas, acumulava hipóteses e fontes de energia, de tal forma que a coisa cedia e o “golpe de teatro” final - o próprio Nanni como Silvio Berlusconi - era estocada gongórica.

“Habemus Papam” é a forma (até agora) mais equilibrada de Nanni aprender a existir com os outros. Distribuindo-se pelos outros. É o filme em que um Papa (Michel Piccoli) eleito em conclave não consegue abeirar-se sequer da varanda da Basílica de São Pedro para saudar os que têm fé. Foge, deambulando anonimamente por Roma.


Não é inédito: o padre Nanni dava por encerrado o ritual, em “A Missa Acabou” (1985), partindo para a Terra do Fogo por concluir que ninguém precisava dele. Mas esse padre, de ambições ainda totalitárias, podia ser outra coisa qualquer. E o filme nem era sobre a Igreja Católica. Era a crónica de uma geração que se esqueceu. Já Piccoli, como Cardeal Melville, é um Papa em perda, acometido da angústia paralisante de que o seu sacerdócio para nada serve. As luzes apagaram-se, a realidade já está ao longe, os cardeais encerrados num conto de fadas. Às escuras, como os anões sem Branca de Neve e sem Rainha Má - já nem há inferno, só há deserto.

Um psicanalista (Moretti) é chamado para tratar deste pânico papal. A princípio causando dúvidas no Vaticano a aproximação do inconsciente à fé, as duas visões acabam por ficar reféns do mesmo jogo - o psicanalista fica condenado a organizar um torneio ecuménico de voleibol com os assustados e suspensos cardeais. O Vaticano como cenário para um burlesco emudecido - há diálogos, mas a coreografia entre planos e cenas podia prescindir deles, pelo desejo de silêncio de “Habemus Papam”. A ele, ao Papa de Piccoli, a liberdade com a dúvida gloriosa. Neste filme de um ateu que foi criado por católicos, a psicanálise (Moretti e a tentação ditatorial da sua “persona”) é mais maltratada do que a Igreja. O realizador não se deixa prender pela episódica “realidade”, suspende-a - passa ao lado de denúncia de escândalos de pedofilia ou de polvos financeiros, por exemplo.


Enche-se de uma ternura humanista que em momentos temos a tentação de chamar “rosselliniana” (por causa de “Francesco, Giullare di Dio”). Nesse equilíbrio com os outros, Moretti permite que com Piccoli entre Manoel de Oliveira para o seu filme. Quando Piccoli, respondendo a uma psicanalista, diz que foi em tempos actor, tanto está a falar dos rituais de teatralidade no Vaticano como do filme de Oliveira em que ele, como actor, desistia e ia para casa. “Je Rentre à La Maison” (2001) não está aqui, contudo, como citação cinéfila, coisa estranha em Moretti. Está como mais mundo. Como uma contiguidade de que o cineasta hoje precisa. A dúvida liberta.
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Vasco Câmara, Público



Realização: Nanni Moretti
Argumento: Nanni Moretti, Francesco Piccolo e Federica Pontremoli
Música: Franco Piersanti
Direção de Fotografia: Alessandro Pesci
Montagem: Esmeralda Calabria
Interpretação: Nanni Moretti, Michel Piccoli, Jerzy Stuhr, Renato Scarpa, Franco Graziosi, Camillo Milli,
Roberto Nobile, Ulrich von Dobschütz, Gianluca Gobbi

Origem: Itália
Ano: 2011
Duração: 102'

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CURTA AGNÈS VARDA! - 2ª sessão. 4ªf, sede, 21h30, entrada livre.

LEGENDAS EM PORTUGUÊS

Cinevardaphoto


Saudações, Cubanos!
Salut les Cubains (França, 1963)

Documentário a Preto e branco. Duração 30’. História.

Agnès Varda traz de Cuba mil e oitocentas fotos em preto e branco, e faz com elas um documentário didático e divertido. Fidel e os músicos, socialismo e chá-chá-chá.

*Pomba de Prata no Festival de Leipzig*
*Medalha de Bronze na 15a Mostra Internacional do Filme Documentário de Veneza 1964*


Ulisses
Ulysse (França, 1982)

Documentário a Cores. Duração 22’.

De frente para o mar, uma cabra, uma criança e um homem. Trata-se de uma fotografia feita por Agnès Varda, em 1954: a cabra estava morta, a criança se chamava Ulisses e o homem estava nu. A partir desta imagem fixa, o filme explora o que poderia existir entre o imaginário e o real. Seduzindo a memória, pode-se deparar com ossos.

*Seleção oficial no Festival de Cannes 1983, Mostra Un certain regard - César 1984 do Melhor Documentário em curta-metragem*


Ydessa, Ursos e Etc
Ydessa, les Ours et Etc (França, 2004)

Documentário a Cores. Duração 44’.

A exposição “Os Vivos, os Ursos e Etc.”, da artista plástica Ydessa Hendeles, impressionou de tal maneira a cineasta belga Agnès Varda, que ela viajou a Toronto especialmente para entrevistar Ydessa, filha de sobreviventes do Holocausto e dona de uma curiosa coleção de fotos.


Une Minute pour une Image

Um Minuto para Uma Imagem
Une minute pour une image (França, 1983)

Documentário a Preto e branco. Fotografia.

Mini-série de 170 mini-filmes, no total. Os de Varda são 14. Um comentário de um minuto sobre cada fotografia, com voz anónima. Só no final descobrimos os nomes dos fotógrafos, anónimos ou famosos, e os nomes dos comentaristas. "Um minuto para uma imagem", como ela mesma comenta.


projeto financiado por
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proibe-se que filme? então, filma. e o filme sai de casa numa pen escondida num bolo. ISTO NÃO É UM FILME. (ai é, oh se é...)

2ªf, 16, 21h30, IPJ

sócios 2€, estudantes 3,5€, restantes 4€

Um realizador que passou a sua obra a mostrar pessoas enclausuradas torna-se personagem (forçada) do seu cinema.

A sequência, em “Isto Não é um filme”, em que Jafar Panahi desenha no chão a clausura que cerca a personagem de um argumento seu que nunca chegou a realizar (uma rapariga que os pais não deixaram que se matriculasse na faculdade e que encerraram em casa) é momento de trágica ironia - intromete-se aqui a “ironia” por pudor. É como se a um realizador que passou a sua obra a mostrar pessoas enclausuradas chegasse o momento de ser personagem do seu cinema. É como se um cineasta tivesse passado a sua obra a explicitar a vida cercada no Irão e com isso tivesse arquitectado a geometria do seu enclausuramento. Construindo, bloco a bloco, filme a filme, o muro que hoje o isola do mundo.

Jafar Panahi teve a colaboração do seu colega documentarista Mojtaba Mirtahmasb para documentar o seu estado de espírito enquando aguardava, em prisão domiciliária, a decisão sobre o recurso, para os tribunais iranianos, da pena que o condenou a seis anos de prisão e a 20 sem poder trabalhar e dar entrevistas - pena que viria a ser confirmada; Mojtaba Mirtahmasb foi, entretanto, preso. “Isto não é um filme”, que chegou à Cinemateca francesa em Paris numa pen dentro de um bolo (e de Paris a Cannes 2011), começa por ser, então, a crónica desse desespero. De uma paralisia forçada. Jafar, no seu apartamento de Teerão, sem os seus filmes. Jafar e os filmes que nunca o foram porque nunca deixaram de ser argumento - é de Mirtahmasb a ideia, explicitada em “Isto não é um filme”, de institucionalizar um género cinematográfico iraniano, o dos argumentos que a censura não deixou que fossem filmes.


Há algo próximo do “escândalo”, aqui, na forma como somos progressivamente tomados e ocupados por esta coincidência entre as vidas que Panahi ficcionou e a vida que Panahi vive, nestas imagens em que o realizador foi empurrado para dentro do seu cinema (“Isto não é um filme” será o contrário, nesse caso, de “A Rosa Púrpura do Cairo”, de Woody Allen: não é uma personagem que sai do ecrã, é um realizador que é empurrado para dentro dele). “Entre paredes”, como a rapariga de “Offside”, impedida de entrar para o estádio e assistir a um jogo de futebol, imobilizada num rectângulo de segurança no exterior - filme de 2006, também é agora estreado e lançado em DVD; ou como o vendedor de “pizzas” de “Sangue e Ouro” (2003), personagem à medida de um “film noir”, com sombras das grades cravadas sobre a sua vida - um dos filmes que mais explicita a violência de uma sociedade (argumento de Abbas Kiarostami, sempre menos explícito nos seus próprios filmes); ou como as mulheres de “O Círculo” (2000), esse filme que se experimenta, de forma terrível, vibrante, como um corrupio sem saída, linhas circulares que se estancam apenas quando o rectângulo de uma janela de cárcere se fecha - recorda-se o seu aparecimento no Festival de Veneza, a sensação para um espectador, mesmo (ou sobretudo) aquele habituado aos ziguezagues campestres iranianos através de Abbas Kiarostami, de que nunca tinha visto nada assim, Teerão, finalmente exposta, esventrada, Teerão cidade aberta (para o espectador ocidental), Teerão cidade fechada.

Tudo isto, a angústia e a claustrofobia que vivem no cinema iraniano (naqueles filmes iniciais, com crianças, de Abbas ou de Jafar - este começou por ser assistente daquele), com as intermináveis conversas e situações que não se resolvem, está connosco, no nosso imaginário, quando estamos com Jafar no seu apartamento.

O nosso egoísmo de espectadores dirá, depois, que há um momento que (nos) salva. Quando Panahi deixa de ser personagem e passa a ser realizador do seu cinema - consola-nos que nesse momento ele experimente algo próximo da salvação. A câmara passa a ser empunhada por quem até aí tinha sido o objecto do aparelho, Jafar encontra uma personagem, um “homem do lixo”. Num elevador, em minutos que parecem intermináveis (o cinema pode libertar, mas o cinema iraniano também liberta a sensação de claustrofobia), concretiza-se a beleza e também a crueldade de uma cinematografia: vampirizar e, simultaneamente, deixar-se consumir por uma personagem. É justo. E a evidência de que quando existe “cineasta” existe “cinema” - e não apenas filmes.

Lá fora, a população de Teerão comemora festividades, Jafar fica à porta do edifício (não pode aventurar-se mais, está proibido), é a antevisão de algo próximo da liberdade. Exactamente como no final de “Offside”, quando as personagens comemoram a vitória futebolística do Irão - mas como nesse filme, é algo próximo do sonho, do desejo, do fantasma. O cinema servirá de consolo?

Vasco Câmara, Público


O título deste filme não é uma figura de linguagem, é uma verdade. Isto Não é um Filme não é um filme porque seu idealizador, o premiado diretor iraniano Jafar Panahi, está condenado em seu país, proibido de fazer filmes.

Panahi foi condenado a seis anos de prisão, cumpridos até a realização deste filme em regime domiciliar, e proibido de filmar ou escrever roteiros por 20 anos. Jafar é vítima da ditadura iraniana, que vê em seus filmes propagandas subversivas contra o regime do presidente Mahmoud Ahmadinejad.

É com o desejo de resistir que o diretor de obras como O Círculo e O Balão Branco usa de um artifício para dar voz a seu dilema. Ele está proibido de filmar, mas não de ser filmado; ele está proibido de escrever novos roteiros, mas não de ler roteiros já escritos.

Convida então o amigo e também diretor Mojtaba Mirtahmasb para filmar um dia de sua vida. Mas não é apenas sobre um dia em sua prisão domiciliar que trata o filme. Jafar usa um roteiro seu, escrito antes da condenação, e passa a elaborar uma leitura/montagem improvisada. A certa altura, desanima. Constatada a impossibilidade de fazer um filme. Deprime-se. Sabe que não há filme ali. “Se pudéssemos contar um filme para que fazer um filme”, diz.


Difícil não se comover com a sinceridade de seu lamento por não poder mais filmar. Isto Não é um Filme, tem uma relevância imensa como protesto e resistência (segundo a mítica em torno dele só está sendo divulgado porque foi contrabandeado para o Festival de Cannes 2011 escondido dentro de um bolo). Contudo, dada sua natureza, poderia ser uma obra monótona. Não é.

A narrativa flui, alterna-se. São ótimos os momentos em que o diretor mostra trechos de seus filmes anteriores e conta detalhes interessantes dos bastidores e do ofício de fazer filmes. Neste cotidiano forçado, o filme expõe o drama de Panahi e nos transmite seu desalento com intensidade verdadeira. Torna-se, no seu desenrolar, uma busca e um escape. Uma saída sem saída. Transforma-se, enfim, numa honesta constatação da impotência e do absurdo. Mas também uma declaração de amor ao cinema dentro de um ato de desobediência.

No final, faz um jogo de espelhos. Enquanto é filmado pelo amigo, saca seu smartphone e passa a filmá-lo também. Neste momento, com uma simplicidade emocionante, deixa claro seu amor pela arte que está impedido de exercer e o quanto ela está arraigada dentro dele.

Ao filmar e ser filmado, diz ao amigo diretor: “quando duas cabeleireiras não têm o que fazer, cortam o cabelo uma da outra”.

(daqui )


Com início bastante intimador, Isto Não é um Filme começa com um take longo e estático do cineasta Jafar Panahi (de O Círculo) sentado à mesa de café da manhã, à espera de você, espectador, como um convite para sentar-se junto a ele e compartilhar de momentos íntimos da sua vida. Pequenos detalhes, como uma cadeira vazia à frente do diretor, o pão sempre partido ao meio e os talheres voltados para a visão de quem assiste ao filme nos coloca em uma posição de muito conforto e nos faz sentir como um amigo deste personagem real, ou melhor, um membro da família – família esta, de amantes do cinema e de companheiros de luta pelo direito à liberdade de expressão.



O documentário nos apresenta a história dramática de Jafar, cineasta iraniano que encontra-se numa condição de cárcere privado, decorrência da sua produção audiovisual carregada de debates políticos e críticas ao regime dos Aiatolás. Atualmente ele está à espera de um segundo julgamento para definir suas futuras “obrigações” com a lei, que provavelmente o condenará a três anos de prisão e o proibirá de filmar, dirigir e escrever roteiros por 20 anos.


Em meio a este turbilhão, o desejo e a paixão pelo cinema tornam-se o alicerce para a vida de Jafar. Mas, como fazer cinema com estas restrições? Para isso, entra na narrativa o amigo Mojtaba Mirtahmasb; como a proibição de manipular uma câmera de vídeo e de editar é para Jafar, ele (Mojtaba) assume o equipamento. Ao longo do documentário, Jafar tenta recriar a cena de um antigo roteiro, utilizando elementos do interior de seu apartamento, como tapetes, controles, almofadas, objetos de fácil alcance, trechos de outros filmes e a sua narração como substituta da atuação da atriz principal.

O roteiro que Jafar tenta “adaptar” tem estreita relação com a vida do cineasta, e por isso causa certa perturbação e o faz chorar em determinados momentos do filme. Essa é uma produção que foge do comum, um filme interessante sobre a atividade do cineasta – Metacinema, Metalinguagem. É interessante observar os mecanismos de criação de um artista, o desenrolar de uma cena, como é feita a escolha dos planos, como a atuação é pré-definida, como é encarado o erro... enfim, como um cineasta trabalha.

Além da classificação Metacinematográfica, este não poderia deixar de ser um filme político, afinal, constantemente são incitadas discussões e reflexões acerca da política do Irã e da relação entre a influência internacional nos territórios do Oriente. Um longa intrigante e diferente, que poderia ser um fracasso se não fosse o conhecimento sobre política dos dois personagens envolvidos e a relação entre a influência das produções audiovisuais em decisões políticas.

Robyson Vilaronga




Realização: Jafar Panahi e Mojtaba Mirtahmasb
Argumento: Jafar Panahi
Montagem: Jafar Panaho
Com: Jafar Panahi
Origem: Irão
Ano: 2010
Duração: 75’
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NOVO EMAIL: cineclubefaro@gmail. com

(DESACTIVADO O ANTIGO ccf@cineclubefaro.com)

POR FAVOR ACTUALIZE OS SEUS CONTACTOS!

O Prof. Dr. Abílio Hernandez Cardoso em Faro! 6ªf, LIVROS EM CADEIA, 18h.

BIBLIOTECA DA UNIVERSIDADE DO ALGARVE (GAMBELAS)

DIA 13 JANEIRO, 18H, ENTRADA LIVRE


Abílio Hernandez Cardoso – Teorizar interrogando: o cinema é uma arte moderna?



Apresentação dos livros do espólio do Cineclube de Faro “Penser le Cinéma”, de Jean-Louis Leutrat e Suzanne Liandrat-Guigues e “Moderne? Comment le Cinéma est devenu le plus singulier des Arts“, de Jacques Aumont.


O PALESTRANTE

Abílio Hernandez Cardoso, professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), embora vindo da área da Filologia Germânica, tem um amplo trabalho de investigação e de palestras na dimensão do Cinema a que progressivamente se foi votando. Director da Sala de Estudos Cinematográficos da FLUC, professor de disciplinas de Cinema oferecidas à Academia conimbricense, promotor da Licenciatura em Estudos Artísticas da mesma Universidade, apresenta vasta obra publicada e é atualmente professor convidado Universidade Portucalense. Ocupou vários prestigiados cargos, nomeadamente, Pró-Reitor da Universidade de Coimbra, Presidente de “Coimbra Capital da Cultura”, membro da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário do Cinema e Diretor do Teatro Académico Gil Vicente.


OS LIVROS a ser apresentados

Penser le Cinéma

Amante de imagens, o homem foi definido como “o animal que vai ao cinema”. Pensar o Cinema é-lhe, pois, uma exigência. Este livro esforça-se por responder a duas questões: “o que esperamos nós do Cinema?” e “o que está ao alcance do Cinema?”, ou seja, quais os objetivos e o futuro da 7ª Arte. Estar abertos à inteligência do Cinema, lembrar os seus charmes discretos e procurar o que ele fornece como desejos, é o programa deste livro.





Moderne? Comment le Cinéma est devenu le plus singulier des arts

Entre as artes do Séc XX, o cinema foi a única que inventou uma segunda Modernidade, além da historicamente situada entre os secs XVII e XIX. A hipótese formulada neste livro é a de que o Cinema foi, a diversos níveis mas continuamente, atravessado por questões e valores da modernidade – a consciência histórica, o relativismo do gosto, a reflexividade – mas que a estas questões trouxe respostas novas. É esta sua caraterística que permite ainda hoje ao Cinema, não só sobreviver, mas de abraçar com confiança o lançamento de uma segunda Modernidade.

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projeto financiado por
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Colaboração


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CURTA AGNÈS VARDA! - 1ª sessão. 4ªf, sede, 21h30, entrada livre.


As Curtas Turísticas

Do Lado da Riviera

Du côté de la côte (França, 1958)

Documentário a Cores. Duração 24’.

Visita turística e documental ao longo da Riviera Francesa, enfatizando o exotismo, as cores do turismo, do carnaval e do paraíso: com uma ilha e guarda-sóis que se fecham no final, ao som de uma bela canção de Delerue.

*Prémio de Filme de turismo, em Bruxelas 1959*

Oh, Estações! Oh, Castelos!
Ô saisons, ô châteaux! (França, 1957).

Documentário a Cores. Duração 22’. Património.

Passeio pelos castelos do vale do Loire, apresentados em ordem cronológica (de construção), com comentários incluindo poemas do século XVI e reflexões de seus jardineiros.

*Seleção francesa do Festival de Cannes 1958*

As Curtas Contestárias

Os Panteras Negras

Black Panthers (França, 1968)

Documentário a Cores. Duração 28’. Política.

No verão de 68, os Panteras Negras de Oakland (Califórnia) organizaram vários debates de consciencialização em torno do processo de um de seus líderes, Huey Newton. Eles queriam – e conseguiram – chamar a atenção dos americanos e mobilizar as consciências negras, durante esse processo político. Neste sentido, deve-se realmente datar este documento: 1968.

*Prémio no Festival de Oberhausen 1970*

Prazer Amoroso no Irão

Plaisir d'amour en Iran (França, 1976)

Com Ali Raffi, Thérèse Liotard, Valerie Mairesse. Fantástico em Cores. Duração 6’.

Como falar de amor levando o olhar em direção às mesquitas, ou falar de arquitetura no buraco do travesseiro? Este curta-metragem é uma variação sobre as reviravoltas amorosas de Pomme e Ali Darius. Mas pode ser também o delírio de qualquer casal apaixonado, em lugares tão perfeitos quanto a Mesquita do Rei, em Ispahan, ponto de convergência entre arte sacra e arte profana. Curta-metragem produzido como complemento da longa Uma canta, a outra não.

Resposta de Mulheres
(Réponse de femmes, França, 1975)

Documentário a Cores. Duração 8’. Vida Social.

“A pergunta ‘O que é ser uma mulher?’ foi proposta pelo segundo canal de televisão francês a várias mulheres cineastas. Este cine-panfleto é uma das respostas possíveis, no que diz respeito ao corpo das mulheres – nosso corpo –, do qual se fala tão pouco quando se fala da condição feminina. Nosso corpo-objeto, nosso corpo-tabu, nosso corpo com ou sem seus filhos, nosso sexo, etc. Como viver nosso corpo? Nosso sexo, como vivê-lo?” (Agnès Varda).

*Nomeado para o César 1976 na categoria de documentário em curta-metragem*

Tio Yanco
Oncle Yanco (França, 1967)

Documentário a Cores. Duração 22’. Retratos.

“É um retrato-reportagem do pintor Jean Varda, meu tio. Na periferia aquática de São Francisco, centro intelectual e coração da boemia, ele navega com velas latinas e pinta cidades celestes e bizantinas, pois é grego. No entanto, ele é muito ligado ao movimento jovem americano, e recebe hippies na sua casa-barco. Sobre como eu descobri o ‘meu tio da América’ e o quão maravilhoso ele é, é o que mostra este curta-metragem em cores.” (Agnès Varda)
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