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a nossa Biblioteca ainda mais viva. Todos os meses, um convidado
apresenta um livro da nossa colecção. Que, como todos, está disponível
para requisição – por qualquer um.
6ªf, 28 de Setembro, Sede do Cineclube de Faro, 18h, Entrada Livre
ANABELA MOUTINHO – “ Cine-Filosofia ou Cine-Filosofices?”
Apresentação sinóptica dos 18 livros sobre Cinema e Filosofia da Biblioteca do Cineclube de Faro
Realização: José Álvaro de
Morais
Argumento: Jeanne Waltz e José Álvaro Morais
Música: Bernardo Sassetti
Imagem:
Acácio de Almeida
Interpretação: Beatriz Batarda, Filipe Cary, Rita Durão,
Ricardo Aibéo, Laura Soveral
Origem: Portugal
Ano: 2003
Duração: 95'
SINOPSE
David é casado, tem uma filha pequena, e está a poucos dias
de partir para o estrangeiro com a família.
Mas com a morte do avô, ele tem ainda que regressar à terra, e ao seio de uma família
com quem há muito não convivia.
E uma viagem que era para durar o tempo de um funeral, acaba por transformar-se
numa estadia de vários dias.
Porque aí David conhece a mulher do seu primo, e vai-se deixando enredar no seu
sortilégio de mulher perturbada mas encantadora...
O vento... No cinema, sabemos desde Fugiu Um Condenado à
Morte (Robert Bresson, 1956) que ele "sopra onde quer", do mesmo modo
que com Histoire de Vent (Joris Ivens, 1989) aprendemos que é possível buscar a
visibilidade do invisível. Agora, com o novo filme de José Álvaro Morais,
Quaresma, o vento é outro que não essa Fé que nos religa aos deuses ou nos faz
demandar a Terra. Porque este vento é anima, sopro interior, instinto vital,
algo, enfim, que permite ao homem ou à mulher irem além de si ou a tal
aspirarem. Zé Álvaro consegue isso com um filme assombroso (e assombrado...),
Quaresma, do qual, antes de mais, urge destacar a prodigiosa interpretação da
protagonista, Beatriz Batarda, melhor ainda "que a sua em Peixe Lua
(2000), do mesmo cineasta. Beatriz (n. Londres, 1974) iniciou-se no cinema aos
14 anos (Tempos Difíceis, João Botelho, 1988), aos 19 fazia de filha da sua
prima Leonor Silveira (Vale Abraão, Manoel de Oliveira, 1993), para ter o seu
primeiro grande papel aos 20 (A Caixa, Manoel de Oliveira, 1994). Entretanto
subiu ao palco da Cornucópia e rumou até Londres, onde estuda (e faz) teatro,
por lá se fixando, com intermezzos de cinema entre nós, mostrando, filme após
filme, que é hoje em qualquer parte do mundo uma excepcional actriz.
Esta sua interpretação em Quaresma comprova-o à saciedade. Na acepção mais
genuína do verbo ser, ela é o filme. E é-o porque a sua alegada semi-loucura é
tal qual a desrazão desse elemento primordial do filme: o vento. E, tal como
ele, livre, insubmissa, irreverente, inesperadamente quietude e inquietude,
brisa e tufão. Sempre, porém, autêntica e sempre também excessiva de mais para
o acanhado dos habitat onde é forçada a conter-se. Mesmo se, qual visionária, a
aura da tragédia que transporta lhe permite dizer "isto não existe",
revelando assim que o "isto" onde vive é um não-lugar, não já passado,
nem presente, nem futuro, donde se impõe sair. Ao que todos, aliás, aspiram,
submetendo-se, todavia, à rotina, ao bom senso, às convenções, ao acomodado
modo de vida, à memória... Ela não: pássaro na gaiola que seja, não se resigna;
desafia tudo e todos até acabar por...
Não conto, um filme destes - belíssimo e pungente - não se conta, o que não
impede que acrescente que José Álvaro Morais (n. Coimbra, 1945) logra aqui a
sua melhor obra. E melhor nem tanto pelo retraio de um certo Portugal e de um
certo modo de ser português, quanto pela subtileza do olhar. O seu: sensível e
crítico, espécie de cântico do desencanto, suspenso ainda assim por um ténue
fio de esperança. Um olhar estruturado na multiplicidade de personagens símbolo
com que povoa o filme, simbólico ele próprio, logo pelo título - Quaresma.
Um filme de contrastes, a começar pelos locais da acção, primeiro em Portugal,
depois na Dinamarca, e o Portugal é a Serra da Estrela e a Dinamarca é uma
cidadezinha costeira postada na planura do país. Dois espaços batidos pelo
vento, que sopra no alto da serra, como sopra no mar. Vento que (não por acaso)
é o motivo do estudo científico do protagonista masculino do filme, incapaz
porém de abrir os braços a esse outro vento libertário que a seu lado sopra, o
fascina e amedronta, e é uma mulher: Ana/Beatriz Batarda. Uma personagem digna
de Agustina, mas na realidade criada por José Álvaro Morais e Jeanne Waltz,
co-autores do argumento - excelente. Como a frieza da luz dada pela fotografia
de Acácio de Almeida e a partitura original de Bernardo Sassetti que, sem se
lhe impor, discretissimamente pontua o filme, em consonância com o ritmo
narrativo das imagens, plenas de silêncios. E não apenas os da protagonista -
criança, adolescente, mulher - sem chão em que pousar. Filha do dono de um
pequeno hotel, casada com o filho de um industrial de lanifícios, ela é o rosto
que sobressai de uma nova geração: a que descende de uma mediana burguesia de
província, saudosa de uma antiga abastança feita de proteccionismos e cumplicidades
salazarentas. Uma nova geração que - confusa, sem norte que se lhe veja - como
que vive a penitência dos erros e desperdícios de outrora, herdeira de um tempo
sem regresso. O que se intui desde logo pela sequência inicial de Quaresma: o
velório de um avô, figura tutelar de uma casa em desagregação.
José Álvaro Morais sabe captar tudo isto, quer gerindo o tempo e o espaço das
personagens quando conflituam nos lugares concêntricos dos seus pequenos
quotidianos, quer quando, em magníficos planos gerais de uma singular durée, as
enquadra na austeridade grandiosa da paisagem. De um e de outro modo dando,
assim, a ver a sua dupla dependência: da História e da Natureza. Agrestes
ambas. Pelo que delas todos querem fugir, sentindo-se, no entanto, a elas ligados
e... presos. Na ânsia de qualquer coisa de indizível, para o que lhes falta,
contudo, um golpe de asa. Por enquanto? As últimas sequências de Quaresma, até
pelo seu contraste, mais do que permitir adivinhar o destino das personagens,
admitem todas as respostas. Ou à penitência não sucedesse a ressurreição...
Título original: Et Maintenant, On Va Où? Realização: Nadine Labaki Interpretação: Claude Baz Moussawbaa, Leyla Hakim, Nadine Labaki
Argumento:
Rodney Al Haddid, Thomas Bidegain, Jihad Hojeily, Nadine Labaki, Sam Mounier Fotografia: Christophe Offenstein Música: Khaled Mouzannar
Montagem:
Véronique Lange Classificação: M/12 Outros dados: FRA/EGI/Líbano/ITA, 2011, Cores, 110 min.
SINOPSE
Numa aldeia remota do Líbano vive uma comunidade
dividida entre a religião cristã e islâmica. O lugar, rodeado por minas
terrestres, tem apenas uma velha ponte que o liga às outras comunidades da
zona. À medida que a guerra se agudiza no país, as mulheres da aldeia, fartas
de fazer o luto pelos seus maridos e filhos, decidem boicotar a informação que
lhes chega, destruindo o rádio e televisão comunitários. Porém, até então, e
apesar das divergências religiosas, os seus habitantes vivem pacificamente a
sua fé. Contudo, um evento vem contrariar aquela tranquilidade e os homens
começam a disputar direitos e deveres, criando uma divisão entre os dois grupos
religiosos num ambiente de tensão que cresce de dia para dia. É então que as
mulheres, habituadas a conduzir os seus homens de uma maneira peculiar, de
forma a desviar a sua atenção daqueles conflitos que ameaçam pôr em causa as
boas relações entre todos, decidem contratar um grupo de dançarinas ocidentais
e drogá-los com bolinhos de haxixe enquanto escondem todas as armas da
aldeia....
.
A
actriz e realizadora libanesaNadine Labakique aos 29 anos se estreou na
longa-metragem com a multipremiada comédia dramática romântica CARAMEL, filme que
apenas em San Sebastián foi distinguido com o Prémio do Público, o Sebastian e
o do Júri da Juventude, regressa quatro anos depois, com esta comédia
dramática, centrada na vontade expressa pelas mulheres do seu país numa vida de
paz entre cristãos e muçulmanos.
Se
no primeiro, centrou a narrativa no quotidiano de cinco libanesas vivendo em
Beirute, escolheu agora uma aldeia do seu país como cenário para este delicioso
poema em que desempenha o papel de Amale, uma das mulheres envolvidas na luta
pela paz.
Falada
em árabe, russo e inglês, esta co-produção na cada dos 5 milhões de euros foi
assegurada pela França, o Líbano, o Egipto e a Itália, e nela figuram nomes
como a francesaAnne-Dominique Toussaint,
o tunisinoTarak Ben Ammare a própriaNadine
Labaki.
Abrindo
com imagens da aldeia perdida no deserto sob a narração duma mulher, para
passar a um grupo de libanesas cantando e de imediato disparar numa sucessão de
pequenos e grandes dramas, ao longo de cerca de uma hora e quarenta, assiste-se
ao quotidiano destes libaneses rurais que apenas aspiram à paz e ao
entendimento entre todos, para que os seus filhos cresçam saudáveis e felizes,
sem sofrerem a imposição da guerra.
Como
quase todos os filmes que nos chegam do médio oriente, este á duma beleza
plástica impressionante, tanto pelo retrato vivo da terra, quanto pela
restituição da alma dum povo mal-amado.
O
cuidado posto em mais esta pérola que nos chega daquelas paragens e que por
vezes nos remete para o bósnioEmir Kusturica, para o
curdo iranianoBahman Ghobadiou para o argelinoTony
Gatlif, tanto pelo apurado sentido de humor, quanto pela
constante presença da música, pode ser fruto do cinema ser aqui “tirado a
ferros”, mas é seguramente resultado dum à vontade com o som da vida e com a
imagem em movimento, capaz de nos transportar para terras distantes e povos
surreais na alegria de viver.
Desde
a chegada do primeiro televisor, acompanhado da parabólica que os ligará ao
mundo, até um milagre fracassado e outro bem sucedido, música e dança em
fartura, discussões q.b. e belas mulheres, chegadas de fora com um propósito
que irão dar nova cor às suas vidas,E AGORA, ONDE VAMOS?,
deNadine Labaki, merece
a atenção de qualquer espectador disposto a descobrir que há mais e melhor do
que o formatado cinema norte-americano para nos divertir, enriquecendo-nos o
espírito.
Um
filme que deve ser visto até às últimas imagens, uma derradeira lição de
tolerância e onde se entende a razão de ser do título, imediatamente antes da
dedicatória deNadine“à
nos mères…”, com a sua rúbrica em árabe.