DIA 17 DE SETEMBRO
A BATALHA DE TABATÔ, João Viana, Portugal,
2013, 78’
FICHA TÉCNICA SINOPSE
Título Original: A Batalha de Tabatô
Realização: João Viana
Argumento: João Viana
Fotografia: Mário Miranda
Som: António Pedro Figueiredo, Mário Dias, Nuno Carvalho,
Joaquim
Direção Artística: Filipe André Alves
Música Original:
Pedro Carneiro
Montagem: Edgar Feldman
Interpretação: João Viana, Mamadu Baio, Fatu Diebaté, Imutar
Djebaté
Origem: Portugal
Ano: 2013
Duração : 78’
M/12
SINOPSE
Depois
de anos a viver em Portugal, o pai de Fatu regressa a África para assistir ao
casamento da filha com Idrissa Djebaté. Ela é professora universitária e seu
futuro marido é um músico conhecido. A festa de casamento é em Tabatô, um lugar
extraordinário onde todos os seus habitantes são, há 500 anos, músicos djidius,
cantores-poetas que narram contos e lendas representativos da vida africana. No
caminho até lá, à medida que as recordações se avivam, o velho senhor começa a
revelar traumas esquecidos da sua juventude, enquanto soldado mandinga na
guerra colonial, décadas antes.
Filmado na Guiné- Bissau, é a primeira
longa-metragem de ficção de João Viana, que foi distinguido com uma menção
honrosa na edição de 2012 do Festival Internacional de Cinema de Berlim.
CARTA DE INTENÇÕES DO REALIZADOR
“Sou
músico tradicional. Sou eu Djeli Mamadou Kouyate, filho de Bintou Kouyate e de
Kendian Kouyate, mestre na arte de falar. Desde tempos imemoriais os Kouyate
estão ao serviço dos principes Keita do Mandé: nós somos os sacos de palavras,
somos os sacos que guardam segredos várias vezes seculares. A arte de falar não
tem segredos para nós; sem nós os nomes dos reis cairiam no esquecimento, nós
somos a memória dos homens; através da palavra, nós damos vida aos feitos e aos
gestos dos reis perante as novas gerações.” Para a maior parte das pessoas a
Guiné é apenas o terceiro país mais pobre do mundo. Coincidência ou não as suas
ilhas foram dos primeiros lugares a ser descobertos (e comercializados) pelos
portugueses e a escravatura o seu primeiro negócio. Voltar hoje à Guiné é
encontrar os rastos deste trauma colectivo, é encontrar a apregoada auto estima
da população a "menos que zero". E no entanto... no centro da Guiné
passa-se algo de extraordinário. Encontramos a ideia deste projecto não na
Guiné (onde nunca tinha estado) mas em Berlim. Um jovem alemão, violinista,
sonhava viajar para a Guiné para aprender Djembé (tambor de bater com as mãos).
Isso apanhou-me logo de surpresa, porque quando era pequeno, em África, os
nossos pais mandavam os filhos para a Alemanha para aprenderem violino: agora
são os jovens alemães que sonham aprender música em África (?!) Ele falou-me de
uma aldeia mítica entre os jovens alemães, nos confins de África, onde só
viviam músicos, mestres extraordinários (os melhores do mundo) em instrumentos
como os Balafons (uma espécie de xilofones de madeira com cabaças por baixo),
Djembés, Dundumbás (tambores de bater com ferros), Negalins (tubos de ferro de
tocar com os dedos) e Koras (violas de cabaças com 21 cordas). Como português
senti-me envergonhado por nunca ter sabido dessa aldeia maravilhosa. Por não
conhecer o que estava tão perto de mim. Pensei: tenho de filmar estas pessoas.
Viajei, com o apoio do ICA para Baminatau. A primeira coisa que descobri é que
na Guiné, com excepção do partido do governo, PAIGC, ninguém conhece esta
aldeia, e quando conhecem, é só de nome. Depois de contactos vários e de viajar
centenas de Kms, cheguei finalmente a TABATÔ. Encontrei também uma outra vila
BOLAMA, uma espécie de negativo da aldeia dos músicos. Esta completamente
silenciosa. Fiquei convencido de que havia filme. Fui apresentado ao Djidiu
Mutar Djebaté, neto do Djidiu Bundunka Djebaté. A citação eloquente acima
descrita dá-nos uma imagem do que
são os djidius de TABATO e deste em particular: é o chefe da aldeia. Uma
espécie de primeiro ministro. E exímio tocador de balafon. Acompanhou várias
vezes os sucessivos governos da Guiné-Bissau em visitas oficiais. Não é
de estranhar, por isso, ouvi-lo falar da China ou da Coreia. É ele que nos
conta o mais extraordinário: durante o primeiro terço do sec XIII, o rei
Sundjate Keita conduz a civilização mandinga às suas horas de glória com a
edificação do império do Mali, que sucedeu o do Gana no controlo com o mercado
do ouro com o Magrebe. A expansão da sua zona de influência estender-se-á até
ao Atlântico e, na zona leste do actual território da Guiné-Bissau, penetrando
no Senegal pelo sudeste até ao rio Gambia, virá a ser fundado o reino Kaabu,
que manterá a sua influência até ao fim do sec. XIX, antes de ceder à expansão
fula do Futa Djalon. É desta forma que, no início deste século, o seu avô e
alguns membros da sua família, de passagem para a Gâmbia, vieram fixar-se na
Guiné-Bissau, a pedido do rei fula local. Hoje, a totalidade dos habitantes da
aldeia (300) são djidius – homens e mulheres – descendentes ou parentes de
Bundunka Djebaté. Os djidius sempre tiveram um estatuto especial, mesmo entre
os nyakamala. Sendo músicos, depositários do saber e transmissores do saber,
não produzem nada de especial (a não ser os seus próprios instrumentos
musicais) e estão totalmente dependentes da sociedade, sobretudo da nobreza (no
passado), no que respeita ao seu sustento. A sua dependência material e o seu
comportamento de desviados não deixam de suscitar um certo desprezo por parte
dos guineenses. Mas enquanto guardas e depositários da tradição oral, único
meio de transmissão do saber mandinga no seu conjunto, e como músicos,
instrumentistas, cantores e mestres da palavra, impõem respeito. Em Tabatô
vivem os seguintes grandes músicos: “Super Camarimba”, “Balafon de Tabato”,
Yáyá (Gâmbia), Umarou Djebate (Canadá), Fillii (Ballet Nacional do Senegal).
Algo se passa nesta aldeia. Na hora da partida Mutar disse-me: Faz o teu filme
que nós construímos aqui a tua casa. Há um dom que veio ficar em Tabatô”. Eu
respondi-lhe “Abarca” (obrigado em mandinga) e voltei a pensar que o cinema é a
última forma de arte oral.
Este filme, uma vez feito, contribuirá para questionar não
só a maneira como o mundo vê a Guiné mas sobretudo como os Guineenses se vêem a
si próprios: Escravos ou Reis?