Instituto D. Afonso III (Convento Espírito Santo). Entrada livre.
«Quando ainda era criança, e podia ver e ouvir, assisti a saltos de esqui, e essa imagem vem-me sempre ao pensamento. Quando esses homens pairavam no ar, eu olhava atentamente as suas faces. Gostaria que você também as pudesse ver». Com estas palavras de Fini Straubinger inicia-se Terra do Silêncio e da Escuridão. Desta feita a sua atenção para o mundo dos cegos e dos surdos.
«Quando ainda era criança, e podia ver e ouvir, assisti a saltos de esqui, e essa imagem vem-me sempre ao pensamento. Quando esses homens pairavam no ar, eu olhava atentamente as suas faces. Gostaria que você também as pudesse ver». Com estas palavras de Fini Straubinger inicia-se Terra do Silêncio e da Escuridão. Desta feita a sua atenção para o mundo dos cegos e dos surdos.
O filme acompanha Fini Straubinger, de 56 anos, que aos 16 perdeu a vista e dois anos mais tarde ficou completamente surda. Primeiramente é a sua existência quotidiana e a de várias outras pessoas em situação idêntica. Depois traça-se rapidamente a evolução da sua doença, a queda na escada, os sintomas sempre crescente da perda das suas faculdades, um longo período de desânimo e inação que, mais tarde, vem a ser superado. Fini Strauberg consegue triunfar das condições adversas em que vivia, ultrapassando a dificuldade de comunicação, o isolamento, a descrença. Vive agora na Baviera, trabalha como visitadora de outros seus semelhantes, lutando para que cada um possa ver melhorada a sua situação.
Através das deambulações de Fini Straubinger, vamos encontrando vários casos de pessoas desfavoravelmente integradas na sociedade: Elsie Faher, surda e cega, a quem colocaram numa clínica psiquiátrica, embora como é óbvio o seu lugar não devesse ser ali; a jovem Harald, surdo e cego de nascença, internado num hospital especializado, que beneficia do emprego de todas as modernas técnicas no sentido de impedir o progressivo isolamento; isolamento esse bem documentado no caso seguinte, de Wladimir, de 22 anos, incapaz de comunicação com qualquer outra pessoa, vítima da ignorância familiar, das atitudes de "tabu" e de "vergonha" geralmente sentidas em relação aos diminuídos. Finalmente, Heirich Fleischmann, o homem abandonado pelos outros homens e inteiramente dedicado às plantas e aos animais.
Sobre a cegueira e a surdez poderia realizar-se um filme que fosse um "documentário"; ou uma "história", mais ou menos "exemplar" que cedo cairia no melodrama; poderia olhar-se essa outra minoria humana com desinteresse ou especular com a emoção fácil do público. Poderia escolher-se a adesão primária, instantânea. Herzog optou pela simplicidade de um olhar atento que, sendo documental, ultrapassa a neutralidade impossível do “documento”.
De novo no filmografia de Herzog o estudo de um estado de incomunicação, isolamento, solidão. O pessimismo frente à condição humana? Eis a revelação da Terra do Silêncio e do Escuridão. Sendo, aparentemente, o filme que mais facilmente poderia cair num pessimismo radical, é, de entre todos os assinados por Herzog, aquele que maiores perspectivas abre para o exterior. Porque não se trata de um filme fechado sobre o círculo da incomunicabilidade, mas é, fundamentalmente, um filme dedicado àqueles que conseguem ultrapassar esses limites, na pessoa de Fini Straubinfer, no seu exemplo, na sua vontade.
«Sempre me sobressalto quando me tocam», revela Fini. E mais adiante: «A sua mão afasta-se da minha e é como se estivessemos mil quilómetros distantes um do outro». De olhos e ouvidos fechados para o mundo «se agora rebentasse a guerra, eu não o notaria», cegos e surdos reinventam o poder de dar as mãos. Por isso Herzog chamou ao seu belo filme "uma monografia sobre as mãos de uma cega-surda", esse cordão que dela se estende para os outros, em fraternal solidariedade.
Continuando a explorar uma escrita de grande concisão (planos longos, movimentos raros e lentos, um ritmo de montagem necessariamente pausado, usufruindo de uma respiração suspensa sobre o olhar essencial), Terra de Silêncio e da Escuridão, é uma contribuição notável para o conhecimento dessas minorias marginalizadas por "tabus" absurdos. Conhecimento que se impõe pelo respeito à pessoa humana, nunca como suporte de piedosas intenções. O mesmo espírito que se sentirá ter presidido à rodagem da obra.
Lauro António, Werner Herzog e o Novo Cinema Alemão
(colaboração com Allgarve '10)
.
Sem comentários:
Enviar um comentário