Tributo a Rohmer - Conto de Verão no Pátio de Letras. Sábado, 17h, entrada livre.

Conto de Verão

Há filmes cujas beleza, riqueza e profundidade se exprimem num tom aparentemente tão leve que deslizam como um sonho sem que o tempo da sua duração se faça sentir. Há obras que expõem a sua riqueza sem complexidades linguísticas, que na maior parte das vezes servem para confundir, mostrando aquilo que são numa narrativa simples e clara.

Eric Rohmer é mestre deste tipo de linguagem, deste género de história, capaz de expor a tese mais complicada e abstracta numa fascinante conversa de amigos (os «Contos Morais», em particular A Minha Noite em Casa de Maud). Mas, com a passagem do tempo, tendo alcançado a plena maturidade de pensamento e de obra, Rohmer depura-se inclusive de certas «preocupações» morais ou sociais para se limitar à exposição dos afectos entre as pessoas, como eles nascem, se manifestam, se chocam.

A série dos «Contos das 4 Estações», de que o filme agora estreado entre nós é o terceiro, representa essa fase maior da sua obra (não só: simples «divertimentos» intercalares como Os Encontros de Paris situam-se na mesma linha). O cinéfilo que conhêça razoavelmente a obra de Rohmer poderia estudar esta evolução bastando-lhe, para já, comparar Paulina na Praia com este Conto de Verão, que tem um pano fundo semelhante: ambos decorrem na praia e à volta de amores de Verão. Mas o primeiro é essencialmente um retrato feminino, desenhado de forma clássica, com a descoberta do corpo e da sexualidade, enquanto Conto de Verão é como que uma série de instantâneos que nos fazem a crónica do Verão de um adolescente, dos seus encontros e desencontros, de interrogações sem resposta e de respostas inesperadas a perguntas não feitas. (...)

O filme começa de uma forma magistral, que de imediato agarra o espectador: uma série de planos sem qualquer diálogo mostram-nos a chegada e estabelecimento de Gaspard no novo «território» e a forma como vai organizando os seus ritmos de vida: a «crêperie» onde vai comer (e onde conhece Margot), o percurso, o quarto, o passeio na praia, o ensaio com a guitarra. Apenas se ouve o ruído ambiente, captado em som directo (aliás, todo o trabalho de som, da responsabilidade de Pascal Ribier, é prodigioso, criando uma ambiência e um «realismo» raras vezes vistos). Dir-se-ia, como outros já referiram, um filme de Jacques Tati. Aliás, a este começo só faltam os «gags» para se confundir com o de As Férias do Sr. Hulot. (...)
Conto de Verão não é apenas o mais divertido dos filmes de Rohmer mas também aquele que melhor manipula o espectador, segundo a fórmula hitchcockiana, pois a pouco e pouco cria-se uma expectativa no espectador a que apenas o conhecimento (do final) permitirá a catarse. Só que neste caso o «suspense» é de humor. Delicioso, refrescante, Conto de Verão é um filme onde se mergulha com um prazer incontido.

Manuel Cintra Ferreira, Expresso




Título original: Conte d'Été
Realização: Eric Rohmer
Argumento: Eric Rohmer
Interpretação: Melvil Poupaud, Amanda Langlet, Aurélia Nolin, Gwenaelle Simon, Aimé Lefeuvre, Alain Guellaff, Evelyne Lahana, Yves Guérin, Franck Cabot
Direcção de Fotografia: Diane Baratier
Música: Philippe Eidel, Sébastien Erms
Montagem: Mary Stephen
Origem: França
Ano de estreia: 1996
Duração: 109’


.

Sem comentários: