100 melhores filmes de sempre

Recentemente o American Film Institute elaborou uma lista dos 100 melhores filmes de sempre da historia do cinema americano, e eis que surge a lista alternativa a combater o determinismo instituinte do American Film Institute. Fica a título de curiosidade o link que vale a pena visitar

http://throughablogdarkly.blogspot.com/2007/06/films-that-afi-forgot-twice.html

The ladies man


Quando os franceses, mais precisamente Truffaut, lançam a famosa "política do autor", onde tentam separar o joio do trigo no que dizia respeito ao cinema clássico, deixaram escapar este grande realizador, que para mim fica muito bem ao lado de outros nomes, tão mais reconhecidos, como Billy Wilder ou John Ford. Talvez por só ter feito comédias, um género menos respeitado, em certo sentido, Lewis nunca foi considerado um génio pela grande maioria da crítica. Seu filme de 1961, The Ladies Man, é talvez a obra surrealista mais bem realizada fora do âmbito do movimento. Aliás os surrealistas, que adoravam o cinema e viam nele uma arma eficaz para revolucionar a arte, não realizaram muita coisa. Mesmo Buñuel, que permaneceu surrealista toda a vida, saiu do clube do Breton ainda na altura dos seus primeiros filmes. Dalí acreditava que o que tornava um filme surrealista era o tipo de visionamento - todo e qualquer filme que fosse visto seguindo os preceitos do seu método, a paranóia crítica, converter-se-ia numa obra absolutamente surreal. E todos eles adoravam os cómicos dos anos 20. Animal Crackers, dos Irmãs Marx, era uma obra-prima! E, para mim, o filme de Lewis de que falo aqui, também o é. Um dos grandes problemas dos filmes que "tentaram" ser surrealistas foi o de "esquecerem" um dos princípios fundamentais do movimento: o maravilhoso não surge das sombras da noite, quando dormimos. Mas convive connosco à luz do dia. Não há separação entre o mundo do possível e o do impossível. O sonho frequenta a sala de jantar, não apenas o quarto de dormir. Quem não viu o filme, e gosta de cinema, tem obrigação de fazê-lo porque está tudo lá: desde o metacinema (a cena com George Raft é impagável!); passando pelas delícias do absurdo temperado com pitadas freudianas (um leão que vive numa casa só de mulheres, ideia actualizada por Almódovar em Entretinieblas, onde um tigre vivia num convento) até à convivência pacífica com a televisão, que começava a se tornar uma grande concorrente do cinema. Se não podia vencê-la, não a ignorava, trazia-a para dentro do filme e desmascarava os seus procedimentos. Ando a rever quase tudo dele que saiu em DVD e confesso que cada dia encontro mais motivos para elevá-lo ao meu patamar de realizadores de eleição.

"I think cinema is the only art that operates within the concept of temporality. Not because of its developing in time; there are also other art forms that do so: ballet, music, theatre. I mean `time' in he literal sense of the word. What is a take, from the moment we say `action' till the moment we say `stop'? It is the fixing of reality, the essence of time, a way of preserving time which allow to roll and unroll it forever. No other form of art can do that. Therefore, cinema is a mosaic made of time."
Andrei Tarkovsky

Não esquecer!


Amanhã, em duas sessões, o CCF passa o filme de Regina Pessoa, História Trágica com Final Feliz (complementado por uma longa-metragem, Inland Empire, de David Lynch). Será às 18h e às 21h30. O filme tem sido muito premiado e, quanto a mim, cada um dos prémios que recebeu foi merecidíssimo. Não percam - é uma experiência que vale mesmo a pena, pela técnica utilizada na animação, pela história que se conta, pela beleza dos desenhos e pela voz magnífica da narradora (seja na versão portuguesa, a Manuela Azevedo dos Clã, seja na versão inglesa, a Elina Löwensohn, mítica actriz de Hal Hartley).
(Será a quarta vez que o vejo e mal posso esperar.)


(Imagens: Ciclope Filmes)

put the blame on... cineclubando!

Listas de filmes

A propósito do comentário do F. umas mensagens abaixo (obrigada!), lembrei-me de como podem ser importantes essas listas. Reparem: se servirem apenas para "trocar cromos", para dizer "já vi este, tenho este, queria ter este", não se vai muito mais longe. Qualquer lista é, claro, muito discutível. Porém, num espaço como o de um blogue de um Cineclube, as listas podem ser mesmo muito úteis. Se a sua discussão levar a que o Cineclube saiba de filmes que ainda não constam da sua filmoteca (em digital ou em fita), servirá para sabermos quais poderão ser adquiridos (assim haja dinheirito...). É que, quantos mais filmes estiverem disponíveis na dita filmoteca, mais hipóteses têm os nossos sócios (e a comunidade em geral) de os ver e de repensar as sempre pessoalíssimas listas. Ou não? Para já, relembro que na página web do CCF se encontra uma base de dados de filmes em DVD e em VHS, pesquisável por realizador, título original ou em português, ano de exibição e origem.
(possa, ficou toda a gente em suspenso à espera do meu post?? caramba que até estou a ficar nervosa! e hoje vou ao doc's kingdom, também não posso...)

nova musiquinha a tocar ao lado

(sugestão algures numa caixa de comentários abaixo)

(2 fotos tom waits - justificação: comentário do rf)

(sou tão bem mandadinha que até me espanto a mim mesma)



(qualifiquem a combinação. eu escuso-me :-)

E Deus criou a mulher...


Juliete Hardy: That's my favorite song!
Antoine Tardieu: It's the first time I ever heard it.
Juliete Hardy: Me too.

Se o cinema de Hollywood imortalizou as femme fatale, Vadin criou...Brigitte Bardot. Uma espécie de Eva recém-expulsa do paraíso. O que havia de artificial nas fêmeas do cinema clássico, é substiuido aqui por uma naturalidade quase agressiva. Os cabelos cuidadosamente desarrumados, o rosto aparentemente nu, sem disfarces, o ar selvagem da Bardot. É interessante que cada uma delas revela muito mais do cinema que representam do que se possa imaginar. E que hoje, passados uns quantos anos sobre o assunto, ainda podemos pensar nas diferenças. E na falta que faz ao ecrã tanto as Hayworth, como as Bardot. (Confesso que o glamour me fascina, mas isto é tema para outro post).

Momento cine-umbilical (ou uma das minhas experiências épico-hípicas)


"Western"
(para a Mirian)

Olha para a janela - o que faz um cavalo no meio do quarto de um palacete vazio?

George Stubbs desenhou cavalos. Autopsiava-os, ele e a mulher; depois pintava o desenho dos membros, da silhueta, do pêlo, dos olhos. Fixava os olhos.

O cinema começa no cavalo. Num momento do galope, as quatro patas soltam-se do chão. Eleva-se o cavalo, o corpo rijo e pesado. A imagem fixa o peso no ar.

Com o deserto por detrás, as montanhas de topos brancos, o desenho do dorso recorta outro movimento. O cavalo conduz a morte - aos homens de coldre, aos homens de rostos pintados - conduz à morte despejada na nuvem de pó, escangalhado na queda e na vertigem da nuvem. O olhar do cavalo não se move.

Soundtracks - From Her to Eternity

(post a pedido)
No seguimento da "Nouvelle Vague", esta vem a propósito do texto da miriam lá em baixo e do desafio lançado pela marina, para além do filme e da música, brilhantes claro. pena que o video não inclua o fabuloso diálogo que se segue no bar do hotel entre o Bruno Ganz e a Solveig Dommartin...

ps-tb n sou dos maiores fãs d youtubes grandões e pesadões nos blogs, mas acho k fazem sentido neste caso, desde k n abusemos...

Put the blame on me


Gilda: I can never get a zipper to close. Maybe that stands for something, what do you think?



A Laura Mulvey que me perdoe, mas o que teria sido do cinema clássico sem as femme fatale? Outro dia estava a folhear uma espécie de guia de leitura do cinema, feito para se utilizar em escolas, e nele, de forma esquemática, aparecia um quadro que descrevia como a mulher era representada no cinema hollywoodiano: dona de casa, mãe ou femme fatale. Havia mais dois ou três rótulos, dos quais não me recordo. De qualquer forma, caíam todos na dicotómica fórmula: mulheres boas e mulheres más. É claro que o cinema clássico, demasiadas vezes, reproduziu ideias e valores que representavam o que havia de mais conservador na cultura. O que deu azo as leituras das Mulveys e companhia, que acusam este cinema de sexista. E o Hitchcock de tarado (o que não está longe da verdade! Mas que não o invalida como génio!!!). Hoje em dia questiono até que ponto houve um cinema clássico, no pior sentido do termo, quando penso em uns quantos realizadores e mesmo géneros, que pervertiam o sistema o tempo inteiro. E não falo apenas daqueles que a política do autor consagrou. Muitos mais, que eram considerados apenas realizadores competentes, cuja obra ainda necessita de uma revitalizadora exegese. O cinema noir, que funciona quase como um metagénero, instala, confortavelmente, a perversão e o mal no seio das boas famílias. Nas sombras, tudo é permitido. Are you the shadow? No, I'm lost. E das sombras surge Gilda. Um dos mais sensuais strip teases de toda a história é protagonizado pela Hayworth quando tira…uma luva. Diz-se que um das principais armas de sedução do cinema é a pulsão escópica que nos move a todos. A relação, na pulsão escópica, repousa na ausência do objecto percebido, daí o carácter imaginário do seu significante, que se torna uma miragem perceptiva. Apesar dos excessos cometidos, um dos grandes achados da teoria feminista do cinema foi a leitura da imagem da femme fatale a partir da tensão entre o fluxo narrativo e o close up e, consequentemente, o seu papel na erotização do rosto feminino. O rosto, destacado do fluxo narrativo, provoca stasis e cria uma retórica do não-movimento, uma pequena morte, um instante de prazer. Que justifica o impulso à escopofilia e reitera o ponto de vista marcadamente masculino deste tipo de cinema. A femme fatale revela e oculta. Seu rosto, despido no ecrã, ainda esconde segredos. Segredos que irão aguçar o desejo do desvelamento, imbricação de epistemofilia com escopofilia: desejo de conhecer e de ver, mas ao mesmo tempo reconhecer que o visível não está ao alcance da mão, mas está ou esteve ali. Porque é antes de mais nada fotografia em movimento, com carácter ontológico que nos relembra uma presença, agora ausente. O isso foi do Barthes. Na foto, como no filme, a presença fica impressa pela luz, no fotograma. E esta presença emana provocando o desejo. E é do desejo que falamos, quando falamos de mulheres como Gilda.


e eis senão quando uma sugestão dá um belo de um post!

sugestão do miguel na caixa de comentários a 'mais um tema em cineclubando':

acho fantástico o facto de a banda se chamar Nouvelle Vague e o filme utilizado ser um grande emblema do grande movimento cinematográfico (nouvelle vague)

o filme é 'bande à part', jean-luc godard, 1964. a música original é dos Lords of the New Church, interpretada pelos Nouvelle Vague no seu álbum Bande à part, 2006.

Do inefável ;-)

(Infelizmente não encontro o original do poema abaixo, de autoria de Buñuel. Vai a tradução do Cesariny. Buñuel, antes de se tornar realizador, foi poeta. Não deixou de sê-lo, é claro, mas estava na altura por circunstâncias várias, limitado a poetar no papel. Un chien andalou era o nome do livro que ele nunca publicou. Depois, cai nos braços do cinema, que já o esperava aflito! Ainda bem para nós - iconófilos de carteirinha!)

O ARCO-ÍRIS E A CATAPLASMA

Quantos maristas cabem numa passadeira?
Quatro ou cinco?
Quantas colcheias tem um tenório?
1.230.424.
Estas perguntas são fáceis.

Uma tecla é um piolho?
Vou constipar-me para os braços da minha amante?
Excomungará o Papa as embaraçadas?
Sabe um polícia cantar?
Os hipopótamos são felizes?
Os pederastas são marinheiros?
Estas perguntas - também são fáceis?

Dentro de instantes virão pela rua
duas salivas de mão
conduzindo um colégio de surdo-mudos,

Seria indelicado vomitar-lhes um piano
desde a minha janela?

mais um tema em 'cineclubando'

sugestão da marina.

(é para ver se se sentem espicaçados e também nos enviam as vossas sugestões de músicas para cinema / usadas no cinema...)

O passeio de Buster Keaton ou a poesia e o cinema

Em Julho de 1925 Lorca escreve uma peça, em um acto, que se chama El paseo de Buster Keaton. Alguns exegetas do poeta defendem que este texto surge como uma resposta a uma collage enviada por Dalí, no mesmo ano, intitulada El casamiento de Buster Keaton. O pintor parecia querer evidenciar, com este trabalho, a distância entre a arte e a vida: o Keaton personagem, que ambos admiravam, não era o mesmo Keaton que casava com uma famosa actriz da altura. Lorca escreve um dos primeiros textos onde deixa vir à tona o seu desespero e as suas dores de um desejo insatisfeito e não-resolvido, sequer assumido pelo poeta então. Neste texto, vida e arte se (con) fundem de uma maneira bastante intensa e prenhe de um surrealismo avant la lettre na obra deste cão andaluz. É interessante que a escrita lorquiana seja uma escrita poética, mesmo quando de poesia não se trata, e que a sua poesia, profundamente imagética, seja construída, em muito momentos, como se fora um guião. A influência do cinema na obra dos poetas da Geração de 27 espanhola, da qual Lorca é um dos principais membros, tem sido estudada e ainda há muito que se lhe diga. Transcrevo aqui um bocado do texto de Lorca, que mais do que uma peça de teatro, parece um guião, a sua câmara-caneta cria imagens poéticas que tentam, talvez, demonstrar que Dalí estava errado. Só há, para Lorca, um Keaton, de olhos infinitos e tristes como os de uma besta recém-nascida, que o cinema eternizou em gros-plan.

El Paseo de Buster Keaton (Lorca, 1925)
(Sale Buster Keaton con sus cuatro hijos de la mano.)
BUSTER K. ¡Pobres hijitos míos!
(Saca un puñal de madera y los mata.)
GALLO. Quiquiriquí.
BUSTER K. (Contando los cuerpos en tierra.) Uno, dos, tres y cuatro.
(Coge una bicicleta y se va.
Entre las viejas llantas de goma y bidones de gasolina,
un negro come su sombrero de paja.)
BUSTER K. ¡Qué hermosa tarde!
(Un loro revolotea en el cielo neutro.)
(…)
BUSTER K. Es emocionante. (Pausa.)
(Buster Keaton cruza inefable los juncos y el campillo de centeno.
El paisaje se achica entre las ruedas de la máquina. La bicicleta
tiene una sola dimensión. Puede entrar en los libros y tenderse en
el horno de pan. La bicicleta de Buster Keaton no tiene el sillón de
caramelo, ni los pedales de azúcar, como quisieran los hombres
malos. Es una bicicleta como todas, pero la única empapada de
inocencia. Adán y Eva correrían asustados si vieran un vaso lleno
de agua, y acariciarían en cambio la bicicleta de Keaton.)
(…)
BUSTER K. (Levantándose.) No quiero decir nada. ¿Qué voy a decir?
UNA VOZ. Tonto.
BUSTER K. Bueno. (Sigue andando.)
(Sus ojos infinitos y tristes como los de una bestia recién nacida,
sueñan lirios, ángeles y cinturones de seda.
Sus ojos que son de culo de vaso. Sus ojos de niño tonto. Que son
feísimos. Que son bellísimos. Sus ojos de avestruz. Sus ojos humanos
en el equilibrio seguro de la melancolía.
A lo lejos se ve Filadelfia.
Los habitantes de esta urbe ya saben que el
viejo poema de la máquina Singer puede circular entre las grandes
rosas de los invernaderos, aunque no podrán comprender nunca
qué sutílisima diferencia poética existe entre una taza de té caliente
y otra taza de té frío.
A lo lejos, brilla Filadelfia.)
BUSTER K. Esto es un jardín.
(Una Americana con los ojos de celuloide viene por la hierba.)
AMERICANA. Buenas tardes.
(Buster Keaton sonríe y mira en gros plan los zapatos de la dama.
¡Oh qué zapatos! No debemos admitir esos zapatos. Se necesitan
las pieles de tres cocodrilos para hacerlos.)
(…)
BUSTER K. (Suspirando.) Quisiera ser un cisne. Pero no puedo aunque quisiera. Porque
¿dónde dejaría mi sombrero? ¿dónde mi cuello de pajaritas y mi corbata de moaré?
¡Qué desgracia!
(Una Joven, cintura de avispa y alto cucuné, viene montada en
bicicleta. Tiene cabeza de ruiseñor.)
JOVEN. ¿A quién tengo el honor de saludar?
BUSTER K. (Con una reverencia.) A Buster Keaton.
(La joven se desmaya y cae de la bicicleta. Sus piernas a listas
tiemblan en el césped como dos cebras agonizantes. Un gramófono
decía en mil espectáculos a la vez: «En América, no hay
ruiseñores».)
BUSTER K. (Arrodillándose.) Señorita Eleonora, ¡perdóneme que yo no he sido!
¡Señorita! (Bajo.) ¡Señorita! (Más bajo.) ¡Señorita! (La besa.)
(En el horizonte de Filadelfia luce la estrella rutilante de los
policías.)

Teorias

Tenho andado aqui pelas caixas de comentários em algumas "bulhas" intelectuais sobre a utilidade ou não de se ler/estudar os teóricos (Deleuze, etc), sobretudo no âmbito de escolas de cinema que queiram formar criadores/autores (realizadores/argumentistas) e não "teóricos de cinema" ou críticos (daí que pelo menos nas escolas norte-americanas se faça essa louvável distinção entre uma área de "film studies" e outra de "film directing"), e encontrei uma citação no Nietzsche (A Origem da Tragédia) que parece resumir um pouco o que penso igualmente. No excerto em baixo experimentem substituir "poesia" por "cinema", "poeta" por "realizador", e "dramaturgo" por "argumentista" (embora esta última palavra não precisasse de substituição por ser equivalente ou, no caso, podia ser igualmente substituida por "actor").

"Se muitas vezes falamos de poesia em termos tão abstractos é que, de ordinário, todos somos maus poetas. No fundo, o fenómeno estético é simples; so é poeta o homem que possui a faculdade de ver os seres espirituais que vivem e brincam em torno dele; só é dramaturgo o homem que sente o impulso irresistível de se transformar e de falar mediante outros corpos e outras almas."

Os Novíssimos Americanos







Já que se anunciam para Julho os AMIGOS AMERICANOS, quero aqui falar-vos dos meus Novíssimos Amigos Americanos (na cronologia filmográfica - 2005, 2006, 2007 e na idade dos seus autores - quase todos e todas ainda teenagers muito dentro do prazo tentando acabar as high schools de Bronx, Harlem, Queens e Brookling e uma ou outro universitário da Village) que encontrei nesta minha última passagem pela Big Apple para participar numas Overseas Conversations sobre Media Literacy que me deram grande gozo intelectual (tirando uma pega com um professor universitário republicano e mais paralelipípidico do que o tijolo da ONU, ... mas era inevitável, estava mesmo a pedi-las) e maior gozo cinéfilo (já para não falar no jazzístico, até me passei nos lunch com Jazz at the Lincoln Center), sobretudo porque visionei algumas dezenas de filmes/vídeos/ficheiros digitais, what's the difference, produzidos em programas semelhantes ao nosso Juventude-Cinema-Escola, que me encheram as medidas, quer pela frescura e rebeldia ao nível dos conteúdos, que raramente encontramos nos enlatados de fast-cinema-a-la-Hollywood que consumimos em quantidades super size, quer pela extraordinária qualidade técnica bem comprovativa da origem de região demarcada, a envergonhar muito cienasta português bem estabelecido no meio. Dessas pérolas, quase todas candidatas e muitas premiadas no magnífico festival de novíssimo cinema/vídeo, por muitos de nós desconhecido, Reel Teens USA (ainda para mais sabem aonde? em Woodstock, pois claro), destaco as obras apresentadas pela organização/produtora/associação/confraria/refúgio/distribuidora independente Listen Up, de que podem ver aqui alguns exemplos se desactivarem as vossas protecções de controlo ActiveX. Se não conseguirem, eu trouxe comigo alguns DVDs e quem sabe se o CCF não se deita as mãos em obra de algum seminário mais íntimo sobre estes novíssimos amigos americanos, talvez lá mais para a frente, depois da silly season que aí se aprochega já mesmo à esquina do calendário. Tudo isto graças ao excelente trabalho desenvolvido em prol da Literacia dos Media pelos meus já não tão novos amigos Valentí Goméz i Oliver do OETI - Observatório Europeu de Televisão Infantil em Barcelona e Jordi Torrent da Duende Pictures em Nova Iorque.



O Desporto Favorito dos Italianos

O próprio Nanni Moretti o disse, em pessoa, no passado dia 14 de Maio, na apresentação do filme "O Caimão" no cinema Monumental, em Lisboa [na foto de telemóvel]: "Este não é um filme político, é a história de um homem [o produtor, não o Berlusconi, claro] que não se deixa levar pelo desporto preferido dos italianos que é a victimização". O que levou a uma gargalhada cúmplice do público português -- afinal somos muito parecidos.
Interessante contudo analisar a forma como Moretti representa Berlusconi ao longo do filme, nma progressão inédita e surpreendente em termos de escolhas e decisões de como representar uma figura real e actual num filme de ficção: começa com um actor parecido com o original; a meio do segundo acto passa a ser apenas através de imagens de arquivo do próprio Berlusconi (e não volta a apresentar cenas com o actor); e por fim, é o próprio Moretti que o incarna, um volte-face de uma perversidade genial -- com o Moreti a incarnar o seu próprio diabo e a dar voz à sua liturgia "satânica"...

Cinema

O CAIMÃO
Nani Moretti, 2007

Já tinha tentado ir ver este filme numa das minhas obrigatórias idas a Lisboa, mas agora que o tinha aqui à mão no cine-clube de Faro, era imperdível. Pareceu-me que Nani cineasta, quiz mostrar que é possível driblar e ultrapassar o sarrafeiro Berlusconi, cuja história de esperto milionário que chegou a PM se confunde com a actual realidade italiana. Contudo não leva Berlusconi ao tapete porque não desmonta, nem pelo diálogo nem por imagens, os artifícios subterrâneos do poder de compra e arregimentário dum esperto subitamente surgido milionário armado de poderosos meios mediáticos. Também se absteve de mexer no futebol que, lá como cá, é por onde começa o branqueamento do passado e a entrada, imaculada e intocável, em cena na novela de novos-ricos da alta roda.
Também a burlesca história familiar do produtor com os amores pessoais, a desfazerem-se com a mulher e levemente insinuados com a realizadora, contados por peripécias de conduta e atitudes lamechas (salva-se a irresistível invasão do palco quando a mulher cantava Bach no coro), que se pretende seja uma história paralela ao assunto berlusconiano para o reforçar, afinal contribuem para a fragilização da mensagem final do filme.
No fim, o filme que pretende demolir Berlusconi, ou melhor, os métodos berlusconianos de tomada de poder, não atinge de morte o seu objectivo porque utiliza formas e conteúdo semelhantes aos martelados diáriamente na cabeça do público pela televisão e que já se habituou a vê-los como entretenimento. O filme "A Vida é Bela", que a partir de uma história de amor familiar paternal nos convida a repugnar o horror da guerra, acaba por ser mais eficaz politicamente que este Caimão que, no final ainda nos deixa a dúvida, sob ameaça, da legitimidade entre o direito e o eleito.

José Neves

(recebida por mail a proposta de que disponibilizássemos aqui este texto de um nosso sócio publicado no seu blog pessoal. com todo o prazer!)

ideias de génio

daquelas. cinematográficas. visuais, a maior parte das vezes.

mas também auditivas. no caso, musicais.

após uma cena de divórcio no notário - divórcio amigável, mas divórcio -, enquanto os protagonistas conduzem cada um o seu carro de regresso cada qual a sua casa, numa espécie de campo-contracampo em movimento, linhas paralelas e cruzadas, um ultrapassando o outro e se colocando ao lado dele, e vice-versa, sorrisos cúmplices pela brincadeira, 'I can't take my eyes of you': 'the blower's daughter' de damien rice como fundo musical.

a dor a estalar no peito do espectador. só podia.

génio moretti.
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(é n'O Caimão. a propósito, a Atalanta já pediu muita desculpa pelo não-envio de História Trágica com Final Feliz, que ficou então programado para dia 17, juntamente com o Lynch.)

Pontes

Uma das coisas que mais me encanta no cinema é a maneira como mexe com a vida das pessoas, as vidas mesmo, das pessoas assim como eu, mesmo pessoas, com as merdinhas e as maravilhas de todos os dias. Ontem, entediada num aeroporto entre um voo longo e outra longa espera, sentei-me na fingida esplanada de um bar chamado "The Bridge Bar". Abri o blogue do CCF e li o post que encabeçava a página, esse aqui em baixo. O título era o do título do filme a que se referia, "The Bridge". Tinha pensado escrever sei já lá sobre quê (porque se perdem tão depressa as ideias, quando se está cansado), mas fiquei a matutar em como se tornou (ou já seria antes, e não dera por isso?) tão fácil relacionar momentos, palavras, imagens entre si. Culpo dessa culpa doce o cinema, também - é que me ensinou a ver imagens diferentes encadeadas por semelhanças que lhe podem ser dadas pelo comum da cor de uma cortina, dos cantos enrugados no sorriso de um rosto, do movimento de uma roda à volta de um planeta, de um som estridente misturado no ponto do meu ouvido e tocado de lugares tão distantes como a garganta de quem sofre e a chaminé de um vapor.

the bridge


Directed by Eric Steel
Produced by Eric Steel


Release date(s) October 27, 2006
Running time 93 min.


Saio de casa embrenhada na azáfama mental já recorrente, depois de um jantar em amena cavaqueira.

O que nos espera na Sala Polivalente da Fundação Calouste Gulbenkian é um documentário sobre suicídios na Golden Gate. Uma ponte que tem tanto de magnânimo e austero como de tétrico, desprovida de margem alguma.
Algures, uma mente inquieta e devastada com o mito, decide acompanhar a par e passo a mais ínfima sombra deste local, não sei se de libertação, se de turismo trágico.
Imagens fugidias que passeiam na ponte, em busca de romantismo, simples acto de celebração da vida, ou corpos que têm vindo a planear racionalmente e maquinalmente a conexão entre a vida e o absurdo, onde só o suicídio tem sentido.
Do lado de quem fica, encontra-se reconforto na dor pela dor, ou tão simplesmente se captam movimentos de desespero e determinação como se de uma névoa se tratasse e ansiasse
pela clarividência que este acto irreal tem. Afinal não passa de um simples salto letal que surpreende a objectiva da máquina fotográfica.
Dos que saltam, apenas conhecemos a morbidez dos dias cansados... para quem o sofrimento(vida) é atroz e para quem a perspectiva do nada os empurra para a inapelável vertigem do abismo...


Sandra Mendo, 30 de Maio de 2007,
Lisboa

esclarecimentos :)))))

Só um esclarecimento: a minha citação do Deleuze foi absolutamente aleatória como acho que o que ele escreve é também absolutamente aleatório, um bom exercício, se quisermos, de improvisação jazzística cine-filosófica... Há quem não consiga apreciar os filmes só pelo que eles são e precisa de discorrer tomos insuportáveis que depois obrigam os estudantes de cinema a ler, castrando toda e qualquer inspiração que tenham para fazer cinema e acabando com o cinema que temos... :) Os alunos das escolas de cinema, que usam e abusam do Deleuze, quando vão filmar ficam bloqueados sem saber onde colocar a câmara, pois têm dúvidas se o plano que estão a fazer é uma imagem-tempo ou uma imagem-movimento... A todos eles aconselho a resposta do David Mamet a quando lhe perguntam onde é que é para pôr a câmara: "Over there!" :)
Artur, em caixa de comentário ali abaixo.

Por partes:

1. para o caso de não ter ficado claro, eu estive ali a inventar uma série de frases sem sentido nenhum. o meu propósito era gozar com a ideia de que 'isto tem de subir de nível' e poder rematar com o que me interessava enfatizar: que ela é boa como o milho.

2. donde, artur, sim, quantas vezes, olhamos para a teoria mais complexa e ficamos atrofiados e incapazes de acção (sem ser a de dizer 'olha que gaja mais boa / olha que até o comia todo'. essa, espera-se, manteremos sempre).

3. com a tua observação voltamos ao post da marina e respectivos comentários... até que ponto é a teoria necessária ou mesmo útil para usufruir um filme? responderei de uma maneira apressada: provavelmente, não é. mas para usufruir o cinema, é, sim.

4. depois, há teorias e teorias. umas insuportavelmente herméticas e que se deleitam em sê-lo (caso do deleuze) e outras tão claras, cristalinas e transparentes que o cinema passa a sê-lo ainda mais (sei lá, bazin).

5. por último, a mim que não ocorre, nunca ocorreu ou ocorrerá fazer cinema, é absolutamente adorável a teoria mais teórica, obscura, pura e dura (mesmo deleuze, mesmo que eu discorde dele, até talvez por isso mesmo). nado nela como o tio patinhas na piscina das moedas (quero eu dizer, o meu prazer em nadar nela é semelhante ao do tio patinhas etc). e tal nunca afectou minimamente o prazer que retiro em ver um filme, seja de entretenimento hollywoodiano seja do mais instransigente bergman. mas aceito que, para um aluno de uma escola de cinema que leve a teoria demasiado a sério, ela possa ser castrante ou pelo menos desorientante (sei que não existe a palavra, foi só para rimar :D ...

pelo que, como em tudo, imagino que seja uma questão de bom senso. e bom gosto. para ambos os lados.

bora lá aos contraditórios! :-)

eu tenho uma "line" de seduções, temo não a conseguir transcrever nas exactas palavras, mas nestas coisas o que conta é sempre a intenção...


"queres ir brincar comigo?"

pergunta o Carlitos à Teresinha, numa rua do Porto


a menina queria muito uma boneca que via todos os dias na loja das tentações (podia ser das seduções)


o filme é o aniki-bóbó, havia um bar da noite no Porto com esse nome, se já então existisse este blogue e tivesse aparecido este concursinho, se calhar, podia ter-me lembrado mais cedo da frase para a empregar numa noite do aniki.




4 de Junho, às 21.00, no S. Jorge, é apresentado o documentário sobre as operações SAAL, do cineasta João Dias.

Tive a oportunidade, e o prazer, de acompanhar (e contribuir) em momentos da construção deste trabalho.
Para quem não conhece ou nunca ouviu falar pode ser uma ocasião para olhar para uma experiência tão fascinante e intensa como o podem ser as situações de envolvimento total (e contraditório) de manifestações de necessidade social, emergência artística e energia colectiva que fazem conviver e misturar as mais refinadas intelectualizadas e desvairadas utopias sociais/urbanas/arquitectónicas universais com as mais espontâneas (localíssimas!) expressões da vida em conjunto, nas cidades (portuguesas).
Pode pensar-se o processo SAAL como uma reflexão 3D (a quente) sobre o sentido e forma da democracia.
Um lugar de experiência pouco hermético ou asséptico onde as partes envolvidas inverteram os papéis, trocaram, misturaram e voltaram a dar as cartas no jogo de fazer cidade.
É bonito e precioso o olhar que se oferece neste documentário, porque vive daquela alegria e vontade de rir que sai das confusões das ideias e dos contadores de ideias que se jogam, livremente – cara a cara na montagem do filme – sem possibilidade de consenso quanto a razões, motivações, crenças ou princípios.

O trabalho do João Pedro Dias tem a virtude de viver de uma grande curiosidade, passeou-se pelos“locais do crime” para devolver à realidade dos dias deste novo século, ainda, outra vez, a inquietude das incertezas.
Depois do filme haverá debate com arquitectos e urbanistas envolvidos na história do SAAL.

frases de engate memoráveis (é isto, não é?)

.
You know you don't have to act with me, Steve.
.
You don't have to say anything, and you don't have to do anything.
.
Not a thing.
.
Oh, maybe just whistle.
.
You know how to whistle, don't you, Steve?
.
You just put your lips together and blow.
.

Marie 'Slim' Browning (Lauren Bacall) para Harry 'Steve' Morgan (Humphrey Bogart)

To Have and Have Not de Howard Hawks, 1944

"Famous Pick-up Lines"


(Isto em português tanto dá "Frases Famosas de Engate" como "Linhas Famosas de Carrinhas de Caixa Aberta" - acho deliciosas as duas. Seria um gozo tremendo traduzir estes postais, para poderem ser usados também fora do "All-garve", ó Artur.)

Vamos lá ao concurso que a Mirian sugeriu num comentário ao seu post anterior. Para mim, é a da Mae West. (Atenção: não funciona quando a arma se transforma em coelho.)

"Is that a gun in your pocket, or are you just happy to see me?"

Johnny Guitar - Série "Memorable quotes"

Johnny: How many men have you forgotten?
Vienna: As many women as you've remembered.
Johnny: Don't go away.
Vienna: I haven't moved.
Johnny: Tell me something nice.
Vienna: Sure, what do you want to hear?
Johnny: Lie to me. Tell me all these years you've waited. Tell me.
Vienna: [without feeling] All those years I've waited.
Johnny: Tell me you'd a-died if I hadn't come back.
Vienna: [without feeling] I woulda died if you hadn't come back.
Johnny: Tell me you still love me like I love you.
Vienna: [without feeling] I still love you like you love me.
Johnny: [bitterly] Thanks. Thanks a lot.

João César Monteiro e o Algarve

Para mim, João César Monteiro estará sempre relacionado com o Algarve, por duas razões:
1ª-Por causa dos filmes Sophia de Mello Breyner Andresen e À Flor do Mar, que João César rodou no Algarve (respectivamente em Cacela e Lagos) e onde o Algarve é tratado não como cenário mas como uma verdadeira personagem. Mais tarde a trilogia do João de Deus veio associar João César Monteiro a um imaginário eminentemente lisboeta, mas para mim é o cineasta do Algarve.
2ª- Devido ao facto de ser através do Cineclube que eu comecei a olhar a sua obra com outros olhos, nomeadamente a partir do momento em que vi o À Flor do Mar. Já conhecia as Recordações da Casa Amarela e a Comédia de Deus mas nunca pensei que o João César pudesse ter feito filmes como o À Flor do Mar. Para mim foi uma revelação total na altura em que o vi pela primeira vez na sala do IPJ e ainda o é a cada nova visão. Apesar dos filmes do António Reis e do Pedro Costa, apesar do Dia do Desespero e do Vale Abraão do Manoel de Oliveira, apesar dos outros filmes do João César, o À Flor do Mar é o meu filme português favorito e um dos filmes da minha vida.

(Em baixo pode ver-se o final de À Flor do Mar e o filme Sophia de Mello Breyner Andresen na integra).

À Flor do Mar (1986)


Sophia de Mello Breyner Andresen (1969) Integral em 2 partes

Parte 1 de 2


Parte 2 de 2