O Silêncio.

Quantas vezes e de quantas maneiras quis escrever sobre coisas que vi de Antonioni? Quantas vezes escrevi pedaços de coisas sobre sensações que vi sentir por Antonioni? Lembro-me, com certeza, de memória, de frases escritas, de dois textos-ideia diferentes e de mais uma carta/novela sobre uma ida ao cinema com uma amiga italiana em Lisboa – Profissão Repórter.

Textos que nunca acabei por tanto neles querer dizer e encontrar coisas que ilustrassem e sublinhassem o que os filmes e os escritos de Antonioni evocaram.

Lembro-me de, uma noite, em Milão, certa vez, ter-me dado a ver La Notte Gabriele Basilico, um homem de olhar imenso que guarda com fulgorosa serenidade a vida dos lugares que fotografa. Vimos o filme, embalados pela conversa à volta de Antonioni e saímos, na noite, à sua procura em dois edifícios de tijolo, estilo "liberty" numa zona no centro. Foi como poder dar a mão a um actor nos bastidores de um teatro no final de uma representação. A luz dessa noite fez aumentar o encanto do passeio e toda a Milão pareceu entrar nesse profundo silêncio que envolve os filmes de Antonioni, um silêncio que é também espaço suspenso, um silêncio que Antonioni iluminou descobrindo mil faces. O silêncio do momento de um eclipse (L'Eclisse), o silêncio contido de uma explosão (Zabriskie Point), o silêncio de um vulto escondido nos sais de prata de uma fotografia (Blow Up).

Mas o mais material dos silêncios, que fez construir a passagem para um lugar estranho, fora do filme e fora do espaço da sala de cinema foi o silêncio das vozes altas, crú e demorado, ensurdecedor, dos gritos dos estudantes numa assembleia para uma manifestação em Zabriskie Point e dos ecos dos gritos romanos dos correctores de bolsa, alternados com o som abafado do interior de uma cabine telefónica, em L'Eclisse. Foi esse o som que sempre me marcou nos seus filmes, o som do vazio dos movimentos frenéticos de uma coisa indistinta – de uma moltitudine de pessoas e barulho, transformadas em paisagem distante e silêncio.

1 comentário:

anabela moutinho disse...

Isto «o silêncio de um vulto escondido nos sais de prata de uma fotografia (Blow Up)» foi das 'coisas' mais bonitas (e acertadas) que já li sobre o Blow-Up.