Da poesia de Fellini

(ontem me chegou pelo correio um livro do qual ainda não consegui me separar. É de um escritor brasileiro chamado Mario Quintana (1906-1994). Ele tece comentários um pouco sobre tudo em seu Caderno H: livro de poesia? de crônicas? de aforismos? De tudo, talvez. E nele encontrei este texto sobre Fellini e não resisti a transcrevê-lo num post.)

"Sei de pessoas que julgaram artificial o 8 1/2, de Fellini, essa obra-prima do barroquismo. Elas é que devem ser artificiais, porque nossa alma é assim como ali está, com suas idades sucessivas convivendo, o acontecido e o imaginado tendo ambos o mesmo poder traumático e o mesmo pé de realidade. Parece-te que estou a falar de poesia?
(...) Na poesia há muito já acontecia assim, como na montagem de imagens aparentemente heteróclitas e anacrônicas de Salomé de Apollinaire e que, no entanto, serviam para formar a atmosfera dançante, luxuosa, versátil e aérea daquele poema. E foi preciso quase cem anos para que o cinema, como no 8 1/2 de Fellini, se integrasse também na poesia. Em resumo: não o desprezo da lógica, mas a aceitação da lógica imagista - e que, como todo modernismo, é tão velho como o mundo, porque usa apenas a linguagem dos sonhos e das histórias de fadas."

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