Ciclo Europeus no seu melhor. E não é que estão mesmo, no seu melhor?! Às 2ªf, no IPJ.

Dia 1
NE CHANGE RIEN


Pedro Costa


Trabalho, memória: mas isto não basta. E se aquele lado 'A' que imaginámos, formado essencialmente por grandes planos, fosse o inventor do romance? E se o lado 'B', em que a câmara se afasta consideravelmente do rosto de Balibar, anunciasse que o romance acabou? Afinal, Jeanne canta e não traz outra coisa do que canções de amor. Sorri, emociona-se, tortura-se, desespera... O seu teatro não é épico. Enquanto isso, o filme, noir do princípio ao fim, começa a criar personagens. E insistimos: há um thriller em "Ne Change Rien" ou, pelo menos, foi isso que vimos nele.
Um thriller siderante em que, como noutros filmes de Pedro Costa, uma mulher se torna o espectro do desejo de um homem. O contacto é doce, a troca difícil. E a metamorfose não é uma mellow song: exige certas atmosferas, actores transformados em silhuetas pela luz e pela sombra, corpos que se exilam de si próprios para se suprimirem, como fantasmas que nos visitam e depois abandonam o ecrã em silêncio. Até que a matéria concreta ganhe um sentido sobrenatural. Até que o real e o poético possam ser o mesmo sonho. "Ne Change Rien" é um filme ultra-sensível. Deste cinema, haverá sempre pouco.

Francisco Ferreira, Expresso


Título original: Ne Change Rien
Realização: Pedro Costa
Interpretação: Jeanne Balibar, Rodolphe Burger, Hervé Loos, Arnaud Dieterlen, Joël Theux, François Loriquet, Fred Cacheux
Direcção de Fotografia: Pedro Costa
Música: Pierre Alferi, Rodolphe Burger, Jacques Offenbach
Montagem: Patrícia Saramago
Origem: França/Portugal
Ano de estreia: 2009
Duração: 98’




Dia 8
SÉRAPHINE


Martin Provost


Tendo tido um sucesso colossal na atribuição dos prémios César na sua 34ª edição, este filme de Martin Provost poderia cair na categoria dos produtos cujas recompensas são resultantes de interesses comerciais e não de um apoio da crítica especializada. Contudo, sendo manifesto que existe um aspecto ilustrativo, bem compensado pelo domínio técnico, Provost consegue ultrapassar esta mera atitude , quando aborda com sucesso a génese da energia criativa autodidacta de Séraphine, uma mistura de uma inocente contemplação da Natureza, uma mais do que latente frustração sexual e uma visão peculiar em relação à religião, fundamentos de um desequilíbrio concreto que desembocará na loucura. (Jean Renoir diz na sua autobiografia que o seu pai Pierre Auguste Renoir, pensava ser o único equilibrado entre todos os seus amigos, os grandes pintores impressionistas). Uma obra a ver e que deve recuperar o interesse no universo da agora conhecida por Séraphine de Senlis, raramente citada nos livros sobre a especialidade, brilhantemenete interpretada por Yolande Moreau notável pela sua brutal carga de inocência e ambiguidade.
Hernan Christire, Cinedoc


Título original: Séraphine
Realização: Martin Provost
Argumento: Martin Provost e Marc Abdelnour
Interpretação: Yolande Moreau , Ulrich Tukur, Anne Bennent, Geneviève Mnich, Nico Rogner, Adélaïde Leroux, Serge Larivière, Françoise Lebrun
Direcção de Fotografia: Laurent Brunet
Música: Michael Galasso
Montagem: Ludo Troch
Origem: França
Ano de estreia: 2008
Duração: 125’




Dia 15
O CANTO DOS PÁSSAROS


Albert Serra


Há filmes para os quais não há palavras que os definam. Será preciso inventar novos termos para deles podermos falar. Ou então a sua função é pura e simplesmente deixarem-se “ver”, sem exigências nem explicações, como objecto inocentes, ou aquelas flores misteriosas e maravilhosas que germina nos mais estranhos e desolados lugares. Os filmes de Albert Serra são assim. Puras manifestações do espírito na mais árida matéria. Como em “Honra de Cavalaria”, Albert Serra em “O Canto dos Pássaros” acompanha o périplo de pessoas em busca de algo que os transcende. O espírito do divino no segundo. Três homens (de novo actores não profissionais) cruzam o deserto seguindo uma estrela que os levará à presença de Deus feito homem. A viagem nada tem da carregada simbologia sagrada a que Hollywood nos habituou, marcada que está de pormenores banais e pitorescos, roçando mesmo o burlesco, trazendo para o quotidiano mais banal o carácter sagrado da liturgia. Um filme de génio, simples como um sorriso.
Manuel Cintra Ferreira, Expresso


Título original: El Cant dels Ocells
Realização: Albert Serra
Argumento: Albert Serra
Interpretação: Lluís Carbó, Lluís Serrat Batlle, Lluís Serrat Masanellas, Montse Triola, Mark Peranson, Victoria Aragonés
Direcção de Fotografia: Neus Ollé e Jimmy Gimferrer
Montagem: Angel Martín e Albert Serra
Origem: Espanha
Ano de estreia: 2008
Duração: 98’



Dia 22
FOME


Steve McQueen


Quem vier a "Fome" à espera de mais um filme sobre os "troubles" da Irlanda da Norte pode desde já tirar daí o sentido. Ao artista plástico Steve McQueen e ao dramaturgo Enda Walsh o que interessa é isolar um universo particular e usá-lo como centro de uma meditação sobre o humano, justapondo o guarda prisional que enfrenta o seu quotidiano de modo regulamentado aos prisioneiros que lhe contrapõem o caos, num jogo de equilíbrios entre o idealismo e a hipocrisia, o pragmatismo e o entusiasmo, que tem a violência como fiel da balança. Mas "Fome" é também um filme sobre religião, sociedade, fé, crença, empenho, orgulho, como fica explícito no electrizante plano único onde Bobby Sands e o padre Dominic discutem o porquê da greve da fome em que o prisioneiro se vai empenhar - o momento onde "Fome" se revela como um objecto que recusa as convenções da narrativa convencional, optando por um estatuto de "instalação narrativa" meticulosamente encenada mas que nem por isso deixa de ser cinema de altíssima craveira, de um impacto visceral e inescapável. Está aqui não apenas a revelação de um cineasta, está aqui um dos filmes do ano.
Jorge Mourinha, Público


Título original: Hunger
Realização: Steve McQueen
Argumento: Steve McQueen e Enda walsh
Interpretação: Michael Fassbender, Liam Cunnigham, Stuart Graham, Brian Milligan, Liam Mcahon
Direcção de Fotografia: Sean Bobbitt
Música: Leo Abrahams e David Holmes
Montagem: Joe Walker
Origem: RU/Irlanda
Ano de estreia: 2008
Duração: 96’



Dia 29
ALMOÇO DE 15 DE AGOSTO


Gianni Di Gregorio


Há filmes que precisam de orçamentos monumentais, efeitos especiais high tech e grandes campanhas de promoção para terem sucesso. Outros há, como Almoço de 15 de Agosto, que para o terem, precisam apenas de meia-dúzia de tostões, de um solteirão entradote e de quatro velhotas com mais de 90 anos fechados na mesma casa no pino do Verão.
Almoço de 15 de Agosto é cinema que tem parte com o artesanato. Co-escrito, realizado e interpretado pelo argumentista Gianni Di Gregorio (Gomorra), com uma cotovelada autobiográfica, um orçamento humorístico, uma equipa mínima, actrizes amadoras e na sua casa de família, é a história de um Gianni, um homem de meia-idade que vive com a mãe idosa num apartamento de Roma, e que está em falha com a renda da casa e as despesas do condomínio.
O senhorio diz que lhe perdoa tudo, se ficar a tomar conta da mãe dele no feriado do meio de Agosto. Só que atrás da mãe, vem a tia. E ainda mais outra idosa. E assim, Gianni fica a braços com quatro velhotas caprichosas, numa Roma deserta, fechada e abrasadora.
Reminiscente da melhor e mais tradicional comédia realista italiana, daquela que traz um travozinho de melancolia, Almoço de 15 de Agosto é um filme sobre a solidão e o desamparo da terceira idade, mas feito num jeito amável, genuina e unicamente romano, como o peixe-gato que Gianni vai a certa altura comprar à beira do Tibre. E humano, enormemente humano.

Sérgio Abranches, timeout.pt


Título original: Pranzo di Ferragosto
Realização: Gianni Di Gregorio
Argumento: Gianni Di Gregorio
Interpretação: Valeria de Franciscis, Marina Cacciotti, Maria Calì, Grazia Cesarini Sforza , Alfonso Santagata, Luigi Marchetti, Marcello Ottolenghi, Petre Roso, Gianni Di Gregório
Direcção de Fotografia: Gian Enrico Bianchi
Música: Ratchev & Carratello
Montagem: Marco Spoletini
Origem: Itália
Ano de estreia: 2008
Duração: 75’



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