Do resgate de um argumento inédito de Tati nasce um dos mais belos filmes do ano.
Foi durante a produção de "Belleville Rendez-Vous" - mais precisamente aquando da negociação dos direitos de uma sequência de "Há Festa na Aldeia" que desejava incluir nesse filme - que Sylvain Chomet tomou conhecimento da existência de um argumento inédito de Jacques Tati. Ora, a longa-metragem de animação que agora estreia por cá (a segunda de Chomet) constitui, justamente, uma tentativa de livre adaptação desse argumento (e dizemos 'livre' porque, dele, o cineasta reteve apenas as linhas de força da narrativa). Trata-se, aqui, de uma salvaguarda de liberdade que não trai os princípios cénicos do cinema de Tati. De facto, nesta animação em 2D, como na maioria dos filmes em imagem real de Tati, privilegia-se a imobilidade do quadro (e, sobretudo, a profundidade do plano-sequência fixo) em detrimento da mobilidade da câmara. Mas a constatação desta fidelidade cénica não dissipa as duas grandes dúvidas que, à partida, poderíamos alimentar sobre o projeto de Chomet: a da tradução em animação do imaginário de Tati e a da 'reencarnação animada' do próprio Tati (que, segundo o argumento, protagonizaria uma vez mais a sua ficção). E, se a primeira é académica porque há, no cinema de Tati um culto do cinético, da cor e do pormenor que encontra na animação o seu território natural -, a segunda fia mais fino. É que o protagonista deste filme não é nem o Sr. Hulot, com o qual Tati se confundiu entre 1953 e 1971, nem Jacques Tati - o cineasta -, mas um tal Jacques Tatischeff, que, assumindo o nome de batismo do realizador, coloca a ficção em domínio autobiográfico.
Aqui, Tati põe-se a si mesmo numa intimidade que não admite distância - através da figura de um velho ilusionista de music hall (foi aí, aliás, que Tati começou a sua carreira artística) cujos velhos truques já ninguém quer ver. Talvez por isso, o filme no-lo mostre, de início, vagueando entre Paris, Londres e Edimburgo (onde o grosso da ação decorrerá), num movimento nómada que permite a Chomet estabelecer um contraste entre as frenéticas variações de décor e a impassibilidade de uma personagem que - como o Sr. Hulot - se sabe condenada a habitar um tempo que não é o seu. Nem o seu, nem o de Alice - a adolescente britânica cuja pobreza o comove a tal ponto que, fazendo do truque milagre, ele simulará tirar da sua cartola, para lhos oferecer, um par de sapatos vermelhos que comprara de antemão. Fascinada pelo truque de magia, ela fará questão de acompanhar Tatischeff na sua viagem sem destino. Juntos, instalam-se num pequeno hotel de Edimburgo e dão início a um impossível simulacro de vida a dois: ele, procurando obter o dinheiro suficiente para repetir o gesto original; ela, esperando pela nova dádiva do falso criador...
Dito isto, aquilo que nos comove, aqui, nasce do subtil jogo de permutas que o filme tece entre duas formas de magia: a falsa magia do ilusionismo e a genuína magia da generosidade (a única capaz de extrair, como o Deus do Génesis, algo a partir do nada). Entenda-se: ilusionista de profissão, Tatischeff é generoso por vocação. E, se os seus truques de magia são falsos (como, por fim, confessará a Alice), o gesto generoso que o convida a executá-los para recobrir, com pudor, os presentes que oferece à adolescente, esse, acaba por transfigurar a sua falsa magia numa magia real. Assim, quando, no final, Tatischeff percebe o que sempre soube - isto é, que a felicidade de Alice implica o seu afastamento -, revelar-se-á, como o Chaplin de "Luzes da Ribalta", capaz do maior ato de generosidade possível: o de se sacrificar, saindo de cena para deixar ser feliz a única que acreditou na sua falsa magia real. Talvez seja por isso que, na última sequência, todas as luzes se apagam menos uma. Gostamos de pensar que se trata da luz que o filme de Chomet descobriu na infinita generosidade do olhar de Tati. . Vasco Baptista Marques, Expresso
A cinefilia também se desenha Escusado será lembrar que a história dos desenhos animados dos últimos 20 anos é, sobretudo, made in USA. Mais do que isso: as muitas (e, por vezes, fascinantes) transfigurações impostas pela animação digital passam, no essencial, pelos estúdios americanos, com inevitável destaque para a Pixar. Daí que «O Mágico» surja como contraponto, singular e brilhante, que importa valorizar: aqui está um objecto eminentemente europeu, de produção franco-britânica, que aposta em manter uma riquíssima relação criativa com a tradição dos desenhos executados à mão.
O resultado é tanto mais tocante quanto envolve uma calorosa dimensão cinéfila. Ao filmar o argumento legado por Jacques Tati, Sylvain Chomet homenageia o criador do Sr. Hulot, quanto mais não seja pela semelhança física entre a figura do ilusionista e o próprio Tati (há mesmo uma breve sequência em que o ilusionista entra numa sala de cinema onde se projecta «O Meu Tio»). Mas Chomet não se limita a esse gesto de reverência. Em boa verdade, «O Mágico» colhe na obra de Tati os seus métodos essenciais de encenação e, em particular, a exploração de cenas relativamente longas, apresentadas de um único ponto de vista.
Daí o carácter heterodoxo do trabalho de Chomet. Num tempo em que muitos filmes (incluindo desenhos animados) confundem a intensidade da acção com a "velocidade" da montagem, «O Mágico» vem revalorizar a nobre arte da contemplação e, mais do que isso, a sua vertiginosa velocidade afectiva.
E embora muitos aspectos do Natal, em particular do Natal cinematográfico, tenham sido derrotados pelo marketing mais desumano, há que dizer que alguns filmes ainda conseguem recuperar o espírito tradicional das festas. «O Mágico» é, seguramente, um desses filmes. . João Lopes, Diário de Notícias
Título Original: L'illusionniste Realização: Sylvain Chomet Argumento Sylvain Chomet. Adaptação : Jacques Tati Direcção de Fotografia: Bjarne Hansen Música: Sylvain Chomet Interpretação: Jean-Claude Donda (voz), Eilidh Rankin (voz), Duncan MacNeil (voz), Raymond Mearns (voz), James T. Muir (voz) Origem: Reino Unido/ França Ano de Estreia: 2010 Duração: 80’
DIA 2 O MÁGICO* Sylvain Chomet Reino Unido/ França, 2010, 80’, M/6 *Sessão para escolas às 10h30, entrada 1€
A partir de um guião original de Tati, o autor de "Belleville Rendez-vous" animou uma pequena elegia melancólica sobre o tempo que passa. Poesia em movimento. Tati sem ser Tati, Chomet sem ser Chomet, amalgamando elementos de ambos (e também da banda-desenhada clássica, com um perfume da "linha clara" franco-belga) para construir uma pequena elegia melancólica sobre um tempo perdido para nunca mais voltar. O filme é, cena a cena, visualmente espantoso, com panorâmicas de estarrecer e a colher do universo de Tati uma atenção inusitada aos detalhes, aos pequenos nadas do dia-a-dia, além de uma quase total ausência de diálogos, substituídos, na maioria das vezes, por expressões ininteligíveis. Mais ainda: há na relação entre as duas personagens centrais uma ternura, uma riqueza e uma complexidade não verbalizadas que deixam a perder a vista a maior parte do cinema que por aí vemos. Ou seja, pura magia cinematográfica. Luís Salvado
DIA 9 O TIO BOONMEE QUE SE LEMBRA DAS SUAS VIDAS ANTERIORES Apichatpong Weerastethakul Reino Unido/ Tailândia/ Alemanha/ França/ Espanha, 2010, 113’, M/12
Palma de Ouro de Cannes 2010
Apesar da sua curta carreira cinematográfica, Apichatpong Weerasethakul é já reconhecido como uma das mais originais vozes do cinema asiático e mundial. As suas quatro longas-metragens e as suas curtas-metragens granjearam-lhe o reconhecimento internacional e diversos prémios em festivais pelo mundo fora. O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores complementa o projecto Primitiv de Apichatpong, que tem a ver com a ideia de extinção e da memória de vidas passadas. Não é preciso muito tempo, bastam dois ou três planos (até que o boi amarrado se solte e se aventure por uma floresta filmada em "noite americana", ou que assim parece) para se ter a sensação, muito clara, muito nítida, mas também, como dizer, muito calma, de que "O Tio Boonmee que se Lembra das suas Vidas Anteriores" é uma espécie de janela que alguém abriu, uma corrente de ar fresco soprada sobre a tristíssima avalanche de entulho que semanalmente se abate sobre o chamado "circuito comercial". É um filme extraordinário, em todos os sentidos da palavra, um filme que devolve o cinema à sua (quase) esquecida vocação demiúrgica. É verdadeiramente um filme de "criação", de criação de um "mundo". É assim tão especial, como são especiais os momentos, cada vez mais raros, em que sentimos o cinema a reencontrar-se consigo próprio. Luís Miguel Oliveira
DIA 16 A CIDADE DOS MORTOS Sérgio Tréfaut Portugal, 2010, 63’, M/12
Na vastidão do cemitério El Arafa, no Cairo, existe uma cidade com um milhão de habitantes que vivem em edifícios construídos entre túmulos e mausoléus. Há funerais todos os dias, enquanto à sua volta a vida decorre normalmente nas padarias, cafés, mercados e escolas. Tudo dentro da maior necrópole do mundo. A Cidade dos Mortos é gigante, mas parece uma pequena aldeia, onde um jovem pastor leva o seu rebanho pelas ruas estreitas, uma mulher tenta vender alguidares de plástico e as crianças brincam por entre as lápides, com os seus papagaios voadores. Este filme apresenta-nos vários aspectos deste estranho e maravilhoso enclave. Observamos as sepulturas cor de areia, com a sua beleza e serenidade, em simultâneo com a agitação de um lugar onde uma população predominantemente pobre luta para sobreviver. Os movimentos da câmara são calmos e comedidos, tal como a voz que descreve os atractivos desta cidade dos mortos, onde o ritmo da vida é definido pelo Corão. Alá pode ser omnipresente, mas isso não impede ninguém de se encostar a uma sepultura e de arrotar, insultar pessoas que passam ou falar abertamente do desejo de ter sexo antes do casamento. Como diz uma local “viver tão perto dos mortos só pode trazer sabedoria”. Preparado e rodado ao longo de cinco anos (2004-2009), este filme procura dar a ver a alma invisível do cemitério. Seleccionado para dezenas de festivais de cinema documental, obteve o Grande Prémio Documenta Madrid 2010. Festival Indie Lisboa
DIA 23 POESIA Lee Changdong Coreia do sul, 2010, 139’, M/12
Lee Changdong filma o seu argumento premiado pelo Festival de Cannes o ano passado, mais uma vez, como acontecia, por exemplo, em Oasis (premiado no Festival de Veneza, em 2002), com emoção e profundidade e desejo de reflexão. Esta mulher que não sai de cena (a extraordinária Yun Jeong-hie), a braços com um neto insolente que se torna criminoso ao participar numa violação colectiva, um grupo de pais empenhado em abafar o crime e um patrão prepotente; esta velha a lidar ainda com os seus próprios sinais de Alzheimer, que luta para aprender poesia, é, mais do que um símbolo de um mundo em extinção, um exemplo de vida que o realizador acolhe no seu desejo de trazer a realidade para o cinema. O que faz de maneira lírica e delicada, sem retórica florida nem desejo de propaganda, instilando talvez mais do que insinuando, acrescentando humanidade onde geralmente só existe desdém, dando a ver em imagens rigorosas e pungentes outro lado do quotidiano, uma faceta onde juventude, beleza e saúde não evocam fogos de artificio. Rui Monteiro
DIA 30 MEL Semih Kaplanoglu Turquia/Alemanha, 2010, 103’, M/12
Urso de Ouro em Berlim 2011
Um filme turco cheio de palavras ausentes nesta história sobre um menino gago, o seu pai único, as abelhas, o faisão e a poesia a germinar no silêncio da contemplação. Todo o filme é-nos transmitido através daquilo a que o próprio realizador chama, paradoxalmente, "realismo espiritual". Sempre na perspetiva de quem vê o mundo a um metro do chão. E é nesta perpendicularidade, entre a verticalidade das árvores enormes da floresta onde o pai assaltava colmeias, e o olhar horizontal no miúdo, que se encontra um ponto qualquer onde se formam as "origens da alma", na palavras do realizador. Ou se vai incubando, fermentado, acumulando, cozinhando com leite, mel e ovos, o armazenamento vocabular e sensorial de um poeta que ainda não sabe que o será porque ele apenas é um poeta em construção. Diz-se que a palavra pode ter a valência de mil imagens e não o contrário, e produzir um efeito impactante, mas a pausa - no momento certo, na hora e no local certos produz um efeito ainda mais estrepitante. Por isso, este é um filme de pausas cheias de poesia lá dentro. E a poesia, como se sabe, é feita da mesma matéria com que se constroem os sonhos. E não por acaso o filme acaba com o miúdo a dormir, no meio da imensa e misteriosa floresta, cheio de "brancos pavores", tão líquidos como o rio que corre ali perto. E cita-se uma frase maravilhosa em latim, que condensa todo o filme - soa muito melhor em latim, mas a tradução impõe-se: Altissima quaeque flumina minimo sono labi, os rios mais profundos correm sempre com menos ruído. Ana Margarida de Carvalho
Continuamos a propiciar chá, café e bolinhos na nossa sede… a acompanhar filmes! Pois SE Mel é o terceiro elemento de uma trilogia (o único estreado em Portugal), e se só se pode 'apreendê-lo' na sua plenitude conhecendo os dois primeiros... qual é a função de um cineclube, qual é? :-)
SEDE CINECLUBE DE FARO - 21H30 - ENTRADA LIVRE – LOTAÇÃO 25 LUGARES
CICLO OS OUTROS DOIS DA TRILOGIA
DIA 11 OVO, Semih Kaplanoglu, Turquia, 2007, 97’, M/12
DIA 25 LEITE, Semih Kaplanoglu, Turquia/França/Alemanha, 2008, 102’, M/12
Palavras do realizador: MEL é o terceiro filme da minha “Trilogia Yusuf”. A ideia para esta trilogia começou a formar‐se quando estava a rever um guião, que tinha escrito há muito tempo, sobre a história de Yusuf durante os seus anos de universitário em SÜT / LEITE. Enquanto estava a elaborar esta personagem dei por mim a especular sobre como seria o seu futuro enquanto adulto (YUMURTA/OVO) e acerca de como teriam sido o passado e a infância do rapaz (BAL/MEL). Estas ideias ajudaram a moldar a trilogia. Comecei com YUMURTA/OVO, talvez porque a minha intenção fosse ir descobrindo a personagem em camadas, até chegar ao centro. Toda a trilogia pode ser vista como um extenso flashback. Nenhum dos filmes pode ser considerado de época: todos eles decorrem na actualidade, em diversos ambientes e escalões económicos turcos. Perguntam‐me se todos estes Yusufs são, efectivamente, a mesma personagem. Opto por não responder para não denunciar os seus segredos, a relação directa e indirecta entre os filmes, os mistérios da trilogia. Semih Kaplanoglu
Apresentação pelo jovem universitário Duarte Baltazar.
Co-organização com Associação Académica da Universidade do Algarve. Bar aberto.
Primeira (e fascinada) impressão: estamos perante um filme que se organiza como um programa de computador. Ou seja: entra-se na cabeça e sai-se da cabeça de John Malkovich como quem percorre um «link» que aproximaria o mundo tal como o conhecemos (ou julgamos conhecer) de um universo outro, gerido pelas regras de contiguidade da informática.
É, não há qualquer dúvida, uma experiência extrema — extremista, à sua maneira —sobre novas possibilidades de inventar e contar histórias. O mínimo que se pode dizer é que é também uma fabulosa iniciação a outros modos de ser espectador.
Talvez seja interessante insistir no facto de Spike Jonze ser um cineasta que vem do mundo dos telediscos (foi ele que fez, por exemplo, o magnífico «It’s Oh So Quiet», de Björk). Digamos que ele possui, dos telediscos, esse gosto pela colagem, não apenas de imagens muito diferentes, mas também de mundos estranhos entre si. Nessa medida, apetece dizer que «Queres Ser John Malkovich?» é um filme sobre a reconversão de todas as fronteiras — tudo se passa como se viajássemos entre os dados mais banais do quotidiano e os segredos mais íntimos de uma personalidade: e, entre uma e outra coisa, tudo é possível. Este é mesmo um cinema que podia ter como subtítulo: Tudo é possível.
Creio que uma das dimensões mais fascinantes deste filme (e também das mais perturbantes) decorre de um paradoxo muito calculado: é que a ambiência pode ser irrealista (de facto, não é todos os dias que alguém entra na cabeça de alguém), mas os dados de base são muito realistas. E o dado mais realista é, obviamente, John Malkovich a fazer de... John Malkovich. Nessa medida, este é também um filme sobre a sedução e a ilusão que podem estar associadas a um actor, em geral, e a uma estrela, em particular. Como se, agora, víssemos o interior do «star system» de Hollywood — literalmente, o interior: a máquina psicológica de ser uma estrela para si e para os outros.
No fundo, «Queres Ser John Malkovich?» funciona como um gigantesco programa de computador. Este é um filme em que a ficção se constrói por uma sucessão de «links», cada um deles mais inesperado que o anterior. Spike Jonze pertence, de facto, a uma geração de cineastas e narradores que estão a mudar a maneira de contar histórias. Por isso, «Queres Ser John Malkovich?» é também um filme sobre as novas formas de ser espectador.
www.beingjohnmalkovich.com — Isto é um «link»? Afinal, o que é um «link»? Uma porta, uma janela, uma página a seguir a outra página, uma dobra do mundo, uma ruga na pele de um corpo cósmico. . João Lopes
É o sétimo andar e meio que dá acesso à cabeça de John Malkovich. Não o sétimo nem o oitavo, é o 7 e 1/2. A notícia espalha-se, e a fila dos que querem experimentar outra identidade - têm direito a 15 minutos - enche-se de rostos deprimidos. Dir-se-ia a "sopa dos pobres". É um retrato de depressão, porque os corpos têm de se dobrar pelos joelhos e nem mesmo assim as cabeças podem estar levantadas - é que o tecto é baixo.
Quando John Malkovich descobre o "complot" dos seus parasitas e dá de caras, aterrorizado, com uma fila de pessoas amontoadas num corredor de um edifício de Manhattan, a sequência é de pesadelo, o horror é "kafkiano". Além do mais, John Malkovich, ele próprio, não é bem ele próprio. Sim, é ele. Começamos por estar seguros daquilo que vemos – afinal, conhecêmo-lo dos filmes. Mas mais ninguém em "Queres ser John Malkovich?" acerta com os filmes em que ele entrou. E há sempre alguém que nunca ouviu falar de uma estrela de cinema chamada John Horatio Malkovich. O problema, se calhar, é o "Horatio": não pertence ao nome próprio do actor, é invenção de argumentista.
Ou seja, ele é e também não é. E o piso, o tal que está a meio entre o sétimo e o oitavo, é um limbo. Resultado: o espectador, e não apenas Malkovich, começa a sentir que alguém está a querer ocupar a sua cabeça.
Dentro do filme, a culpa é de Craig (John Cusack) e de Lotte Schwartz (Cameron Diaz). Abriram a "caixa de Pandora": descobriram uma porta que dá acesso a John Malkovich e são dos primeiros a experimentar as suas possibilidades.
Ele manipula marionetas e está zangado com o mundo porque ninguém lhe dá o valor que ele merece; ela tem o seu próprio jardim zoológico em casa. Craig e Lotte são um casal que se esqueceu de si, e o portal para Malkovich é a hipótese de vingar os falhanços. No caso de Lotte, que também perdeu algures a sua feminilidade, isso vai ao ponto de, através de Malkovich, se sentir o homem que quer ser e possuir outra mulher (Catherine Keener, em pérfida "alumeuse"). Portanto, frustração artística, falhanço humano. Todos querem ser o que não conseguiram ser, e ninguém vai deixar de infernizar a vida alheia.
A culpa última, essa, é do realizador, Spike Jonze, que contraria todas as possibilidades de "fantástico" que está no argumento de Charlie Kaufman (este diz que não precisou de fumar nada para o escrever, o seu cérebro é que se encarregou de fabricar todas as substâncias duvidosas que foram necessárias). Ao manter-se nos limites do "realismo", como se ele fosse uma incontornável casualidade, Jonze abre as portas a todos os deslizes, e não podemos deixar de escorregar neles, ficando sem referências de espaço e sem identificação possível com as personagens - não é que elas não existam; mas são vacilantes, estão sempre a escapar.
O espaço fica aberto à virtualidade, e uma estranheza monstruosa agiganta-se no interior. É a nossa cabeça a responsável pela distorção? Quem é que está a querer colonizá-la na sala de cinema?
Sim, "Queres Ser John Malkovich?" já foi considerado um filme da era da Internet, e Spike Jonze, homem de vários instrumentos, tem o perfil à medida do "artista do século XXI" - foi nessa base que se construiu o "hype" desta comédia, filme de culto de 1999 que valeu a Jonze chegar e vencer, com uma nomeação para o Oscar do melhor realizador.
Dito assim, é fácil imaginar "piscadelas de olho", artifício a rodos, enfim, um labirinto saturado de produção, até porque Jonze vem do videoclip, mundo de possibilidades que tem ao seu dispor o "state of the art" da técnica. Ora, em vez disso, "Queres ser John Malkovich?" é um filme anacronicamente artesanal: humano, desesperadamente humano. É uma fábula negra, negríssima, feita de personagens dilaceradas, cindidas na sua personalidade, ausen¬tes da sua sexualidade. Como se o surrealismo à Buñuel não se conseguisse despegar da agonia à Bergman.
À superfície, o tom é o de comédia absurda, que podia apenas ser "espertalhona". Ao fundo - não tão ao fundo; a angústia cola-se-nos à pele - desfila a desgraçada comédia da condição humana. Tão desgraçada como se estivesse inscrita nos princípios darwinianos de evolução da espécie. Atenção à personagem de Cameron Diaz e aos seus animais; atenção a um discreto chimpanzé. Como se verá, a culpa também está inscrita no macaco, e o filme faz da biologia da evolução um infernal mote de comédia negra.
Olhando bem para as personagens: elas parecem ter sobrevivido a uma catástrofe (o impressionante "low profile" da habitualmente exuberante Cameron concentra em si o abandono emocional de todos). Esse desastre é a sua própria e solitária humanidade. Não há como escapar.
Para regressar a Spike Jonze: atravessa o seu filme (como atravessa os seus videoclips), apesar dos malabarismos de argumento e dos prodígios da técnica (isto, nos vídeos), um apego, irónico e inevitavelmente trágico, ao que no homem permanece depois de todas as euforias, depois de todos os "pós qualquer coisa..." (do estilo, "depois da Internet"). Ou seja, a solidão. Para simplificar: é esse o optimismo de um filme que termina com um "happy end" que se recebe como um pontapé de humilhação.
Para voltar a John Malkovich: é bom ver um actor que nos últimos tempos não tem feito muito para disfarçar a sua preguiça e o enfado profissionais deixar-se, assim, assaltar pelo desconforto. . Vasco Câmara
Título Original: Being John Malkovitch
Realização: Spike Jonze
Argumento: Charlie Kaufman Interpretação:John Cusack, Cameron Diaz, Ned Bellamy, Eric Weinstein, Madison Lanc, John Malkovitch Fotografia: Lance Acord Montagem: Eric Zumbrunnen Música: Carter Burwell Origem: EUA Ano: 1999 Duração: 112’ Classificação etária: M/18 .
Dia 18 Pedro, o Louco, Jean-Luc Godard, França/Itália, 1965, 110’
Dia 20 Finalmente, Domingo!, François Truffaut, França, 1983, 110’
Dia 22 Eu Vos Saúdo, Maria, Jean-Luc Godard, Suíça/França, 1985, 105’
Dia 18 PEDRO O LOUCO Jean-Luc Godard França/Itália, 1965, 110’
Godard já fizera correr muita tinta, já tinha também posto a câmara a filmar muitas vezes quando chegou a PIERROT LE FOU, que em Portugal foi dos seus filmes o primeiro a estrear. Para além da energia investida como crítico (em 1950 na Gazette du Cinema, com Jacques Rivette e Eric Rohmer; nos Cahiers du Cinéma desde 1952) e da defesa inflamada da “Política dos Autores", tinha passado pela efervescência da Nova Vaga de que foi um dos notórios protagonistas. Já tinha proferido "tiradas" que ficaram tão célebres como a afirmação de o cinema é a verdade a 24 imagens por segundo". Tinham já acontecido, entre outros, À BOUT DE SOUFFLE, LE PETIT SOLDAT, UNE FEMME EST UNE FEMME (1961), VIVRE SA VIE (1962), LES CARABINIERS, LE MÉPRIS (1963), BANDE À PART, UNE FEMME MARIÉE e ALPHA VILLE (1965).
Para PIERROT, Godard pegou no romance policial de" Lionel White L 'Obsession, em Jean-Paul Belmondo (Ferdinand/Pierrot) e Anna Karina (Marianne Renoir) e pô-los anarquicamente em fuga na direcção do mar como uma espécie de último casal romântico. O filme não segue naturalmente o livro. Nunca assim acontece com os filmes de Godard que já na altura entendia o argumento ponto de partida para um trabalho de liberdade, em que à acção se sobrepusessem as palavras (diálogos, leituras, canções, inscrições nos fotogramas), às imagens os sons, colocando o cinema (e também a política, que o cinema é político segundo ele acreditou) no centro da questão. Neste sentido, PIERROT LE Fou (em que Samuel Fuller surge a dar a uma definição de cinema a Ferdinand antes deste pedir as chaves do Lincoln e abandonar a vida que levava com a mesma aparente facilidade de quem fecha uma porta) é um filme bastante livre.
Narrativamente, questionando o sentido de uma relação entre um homem e uma mulher. Formalmente, à procura de sentidos visuais. No fundo, a passagem do livro de arte Ferdinand lê na banheira no princípio do filme anuncia o programa de PIERROT: "Depois de chegar aos 50 anos, Velasquez já não pintava nada de concreto e preciso. Vagueava pelo mundo material, penetrava-o, como o fazem o ar e o crepúsculo...”
PIERROT não segue uma ordem canónica. Se a "história" é apesar de tudo tradicional (dois amantes que se encontram e se separam, vendo-se entretanto envolvidos num enredo policial onde cabem traficantes de armas, complots e assassínios), a forma de a “contar”, pelo contrário, procede por interrupções, foras de campo ou pela alteração da ordem temporal dos acontecimentos através da montagem. Há vários níveis de leitura, a interferência fragmentária de elementos de ordem diversa. Por exemplo, os planos de pintura ou de banda desenhada ou de palavras. Por exemplo, a aparição a dada altura de um figurante que chega, se apresenta e parte, sem que se saiba de onde veio nem para onde vai, ou o plano em que Ferdinand se vira para a. câmara e se dirige explicitamente ao espectador, como explica a Marianne.
Para além das "pausas", os contrastes são permanentes, também ao nível das cores, sobretudo o azul e o vermelho sempre presentes, marcados pelo imaginário da pop arte. O contraste começa logo na caracterização das duas personagens principais que em resumo se podem definir em termos de contemplação (Ferdinand) e de acção (Marianne). É mais do que neles, no espaço e no tempo que impossibilitam o entendimento entre eles que PIERROT se detém. Afinal, nem conseguem concordar no nome dele... a cada vez que ela lhe chama Pierrot (incitando o seu lado aventureiro?) ele responde, “o meu nome é Ferdinand" (afirmando a sua condição de intelectual?). Afinal, ela preocupa-se mais com a linha da sorte e ele com a da anca dela. É ouvir as canções, as histórias que contam um ao outro e tudo se percebe. É olhar os planos e a explosão final fará tanto sentido como a desconcertante última tirada de Belmondo: "Après tout, je suis idiot, merde, merde". . Maria João Madeira, Europa 60 Ventos de Mudança, Cinemateca Portuguesa
pela importância deste filme e pelo conjunto de textos que recolhemos sobre ele, decidimos disponibilizá-los. siga o link :-)
Título Original: Pierrot Le Fou Realização: Jean-Luc Godard Argumento: Jean-Luc Godard segundo o romance de Lionel White, L 'Obsession Direcção de Fotografia: Raoul Coutard Montagem: Françoise Collin Música: Antoine Duhamel Interpretação: Jean-Paul Belmondo, Anna Karina, Graziella Galvani, Dirk Sanders, Jimmy Karoubi, Roger Dutoit, Hans Meyer, Raymond Devos, Aicha Abadir, Laszlo Szabo, Samuel Fuller Origem: França/Itália Ano de Estreia: 1965 Duração: 110’
Dia 20 Finalmente, Domingo! François Truffaut França, 1983, 110’
Ponto final duma obra cinematográfica cindida em duas fases pelo seu autor, Finalmente Domingo parece, em muitos aspectos, reatar estranhamente o discurso dos primeiros filmes de Truffaut. Despreocupação por vezes na fronteira do grotesco, desvios, jogos de palavras, alusões - trata-se em boa verdade dum filme de cinéfilos para cinéfilos. As situações ficcionais nunca são de facto tomadas a sério, mas muito pelo contrário apresentadas como convencionais. E o filme constrói-se com desenvoltura, evidenciando constantemente os protótipos convencionais que vai contudo respeitando até ao desfecho. A mania antológica de Truffaut exerce-se de maneira imperceptível, ao nível formal, infringindo sistematicamente todas as regras de direcção e de montagem que só se podem aprender numa escola de cinema. Todavia Truffaut, sucessor espiritual de Bazin, contribuiu para a fixação teórica dessas «regras» que permitem a «invisibilidade» da montagem, para além de ter leccionado no I.D.H.E.C.. Aliás, o filme tem um certo ar de filme «de escola», desta feita realizado não por um aluno mas por um mestre.
Ausência dos trabalhos pesados de «desdramatização», antes o júbilo da manipulação cinematográfica. Nada de esquiva - como seja a «câmara subjectiva» - o realizador pratica ostensivamente a batota: Barbara não vê o rosto do assassino quando este mata Louison porque a câmara não o apanha, o espectador é informado no fim, não das deduções da detective amadora, mas da sua descoberta (o gabinete do advogado comunica directamente com o salão da esteticista), etc.. O espectador deve aceitar deixar-se guiar, de olhos «vendados» pelas imagens impecáveis de Nestor Almendros comunica o seu prazer em trabalhar a luz no estilo mais convencionalizado do cinema: o filme «negro», de quando Hollywood ainda não se tinha «livrado» dos mestres expressionistas. Mudanças de ângulo que não se tentam justificar, montagem rápida, o cinema enquanto comboio eléctrico.
O prazer que sentimos ao ver este filme - inesperado após vários filmes em que Truffaut se comprometia sem recuo ou pelo contrário jogava o jogo das mais cansadas metáforas sobre a ficção inseparável da vida - vem-nos duma transparência da ficção que, sem facilidades como por exemplo mostrar o estúdio (E la nave va, The ladies’ man, High anxiety) - nem didactismo - como o movimento em abismo tão banalizado desde OITO E MEIO (A NOITE AMERICANA ou até INSERTS ou O ESTADO DAS COISAS, apesar destes dois últimos não se limitarem felizmente a este discurso) - lembra permanentemente a sua natureza fílmica. A evolução da intriga assenta na capacidade, por parte dos personagens investigadores, de representar papéis - trata-se uma vez mais duma convenção presente nas boas comédias hollywoodianas de Bells are ringing a The Sting. Nada de novo neste filme, a não ser uma respiração mais leve, liberta, se não das convenções, pelo menos das suas prevenções e pretensões, uma iconoclastia amadurecida. Algures, a serenidade de quem conseguiu dar forma aos seus sonhos cinematográficos de juventude. . Saguenail, A Grande Ilusão n.º 2/3
Título Original: Vivement dimanche Realização: François Truffaut, Argumento: François Truffaut, Suzanne Schiffman e Jean Aurel, segundo a novela "The Long Saturday Night", de Charles Williams Direcção de Fotografia: Néstor Almendros Montagem: Martine Barraqué Música: Georges Delerue Interpretação: Fanny Ardant, Jean-Louis Trintignant, Jean-Pierre Kalfon, Philippe Laudenbach, Philippe Morier, Xavier Saint-Macary, Jean-Louis Richard, Caroline Sihol, Castel Casti Origem: França Ano de Estreia: 1983 Duração: 110’
Dia 22 Eu Vos Saúdo, Maria Jean-Luc Godard Suíça/França, 1985, 105’
Importa que desde já se diga, Ju Vous Salue Marie é uma das mais belas homenagens à Mulher que jamais vi. Depois dele, Godard pode emparceirar com os mais destacados «cineastas da mulher», Bergman, Antonioni, Cukor, . . ., mas com uma diferença importante, é que este suíço, que se quer maldito, vai ainda mais além.
Muitos no filme só quiseram ver a anedota (quer dizer a narrativa), a transposição para os nossos dias da Imaculada Conceição, a história da Virgem Maria. Que Jean-Luc Godard tenha escolhido uma figura querida de uma das maiores religiões do mndo para a sua homenagem, só deveria ser motivo de congratulação para os cristãos. E alguns compreenderam-na assim, como aquele teólogo jesuíta italiano, Egidio Guidobaldi (um homem de 75 anos) que considerou o filme uma homenagem à doutrina do matrimónio, contra a opinião do próprio Papa. A questão religiosa não me parece o essencial, será, no entanto, de referir a sinopse. Não esquecendo nunca que uma sinopse, se pouco diz sobre um filme, muito menos ainda se se trata de um Godard.
Maria é estudante liceal e jogadora de basquetebol na equipa da sua escola. É uma rapariga como as outras. O seu namorado, José, é motorista de taxi. O pai dela explora uma bomba de gasolina. Nada, portanto, mais banal. O extraordinário chega de avião, um sujeito chamado Gabriel que a visita, acompanhado de um «querubim», e lhe dá a entender que tinha sido escolhida para algo de especial. Efectivamente Maria fica grávida, sem intervenção de José ou de qualquer outro homem (e muito menos por qualquer inseminação artificial). José, depois de muitas hesitações, perfilha a criança, entretanto nascida (cujo nome nunca é pronunciado no filme), e esta cresce, comportando-se como um menino relativamente normal. Paralelamente, desenvolvem-se outras «estórias», como a daquele exilado de um país do leste Europeu que se dedica ao futurismo e à cosmologia.
Isto, repita-se, quase nada diz sobre o filme. É que, através da homenagem a uma mulher, é da própria vida que Godard nos fala. É da mulher mãe-natureza que se trata. A ambição deste é pois ilimitada. Se WEEK-END era um juízo sobre a nossa sociedade, agora é o próprio Cosmos que é questionado.
No filme, o autor age pela insistência e pela depuração. Se por um lado só se fala do essencial (Godard aqui abandona as suas habituais "boutades»), por outro, esse essencial é constantemente sublinhado.
O primeiro plano de JE VOUS SALUE, MARIE mostra-nos as águas (berço da vida) a agitarem-se e o último «mergulha-nos» numa boca de mulher que se amplia num buraco negro (um vórtice).
Os "leit motiv» são o corpo de Maria e a Natureza. O corpo da mulher agitando-se, o corpo da mulher em convulsões, as plantas vergando-se, as nuvens movendo-se no horizonte. O sopro que percorre o corpo de Maria é o mesmo que anima a Terra. Talvez seja preciso ser-se panteísta para o afirmar, mas a ambiência telúrica do filme é de tal modo insistente que é difícil fugir a isso. O resto, são os pobres diabos, somos nós deambulando pelo mundo a tentar compreendê-lo, como o julgamento de José na loja de pronto-a-vestir. "É incapaz de escolher bem um gravata, ou mesmo de segurar o seu cão pela trela, tem horror aos buracos. . .».
A interrogação de Godard é esta. "E se tudo estivesse programado?”. Mistério não é aquilo que não tem explicação, é aquilo que ainda ninguém conseguiu explicar. José, como nós, não percebeu e questiona. Gabriel responde que é a Lei. A Lei é-nos dada no plano seguinte, um campo de plantas floridas agitadas pelo vento. É a lei da Natureza. A dureza de Gabriel é a dureza da Natureza. A Natureza não é suave. O sentido das palavras é completado com as imagens. Imagens e palavras complementam-se, nada é gratuito, nada está a mais ou a menos.
"Ser sábio seria poder ver a vida, vê-la mesmo», diz-nos Godard em MASCULINO FEMININO. Atrevo-me a dizer que poucos foram tão longe, nessa tentativa de nos mostrar a vida, como Godard. Não a vida do dia-a-dia (sempre presente nos seus filmes), não a vida do homem, a vida da mulher, a vida dos animais, mas, simplesmente, a Vida.
(...) Trata-se de facto duma obra de uma superior dignidade e mesmo alguns dos que fizeram profissão de fé o souberam reconhecer. Com Jean-Luc Godard novas relações se estabelecem entre o cinema e o sagrado. . André de Oliveira e Sousa, Revista Cinema, n.º 9/10, Inverno 85/86
Título Original: Je vous salue, Marie Realização: Jean-Luc Godard Argumento: Jean-Luc Godard Direcção de Fotografia: Jacques Firmann e Jean-Bernard Menoud Montagem: Anne-Marie Miéville Música: Johann Sebastian Bach e Antonín Dvorák (compositores) Interpretação: Myriem Roussel, Thierry Rode, Philippe Lacoste, Manon Andersen, Malachi Jara Kohan Juliette Binoche Origem: França/Suíça Ano de Estreia: 1985 Duração: 105’ . (lotação: 25 lugares) .
Dia 11 A Noiva Estava de Luto, François Truffaut, França, 1968, 107’
Dia 13 O Bando à Parte, Jean-Luc Godard, França, 1964, 95’ Dia 15 Disparem sobre o Pianista, François Truffaut, França, 1960, 92’
Dia 11 A NOIVA ESTAVA DE LUTO François Truffaut França, 1968, 107’
Há, no modo como enfrentamos a câmara, um sentido de clausura em que perdemos de vista o artificio do cinema. Somos reais naquele instante e presas da eternidade logo a seguir.
No palco convencional de um teatro, estamos cegos: o público é a quarta parede escura, diz-se.
No plateau, sabemos que uma multidão está ali, já não sabemos quantos takes fizemos e muito menos quantos ainda vamos repetir, mas, no momento em que o realizador nos solta, estamos sós: é o instante em que o animal, acossado na jaula, para se defender, ataca.
Solta-se em nós, por isso, quando a câmara é implacável, a energia e a bravura.
Jeanne Moreau é, de todas as feras da história do cinema, uma das mais fabulosas. Entre os seus domadores, Truffaut foi dos mais exímios.
Se o encontro fora perfeito em Jules e Jim, em A Noiva Estava de Luto o "casamento" é mais que perfeito. Nesta obra, não é em Hitchcock que se busca o eco da intriga, embora Truffaut estivesse, na altura, a finalizar o livro que é a longa entrevista àquele génio do mistério e do suspense.
François Truffaut é muito mais do que um narrador de intrigas. Ele é um dos homens mais apaixonados que o cinema terá conhecido e o encantamento que sentimos pelas suas personagens nasce do seu enamoramento caloroso com os seus actores.
Sendo assim, A Noiva Estava de Luto, mais do que uma incursão ímpar no campo do filme negro, conduz, sobretudo, uma história de amor extremo e um ajuste de contas com a tragédia de não ter sido consumado: o véu branco que se solta da noiva que está de luto e que falhou o suicídio voa, no primeiro crime, lentamente, com o sopro imaterial que leva para longe e para sempre uma particular virgindade. A tragédia vai começar. . Leonor Silveira in Colecção Grandes Realizadores – François Truffaut
Título Original: La Mariée Était En Noir Realização: François Trufaut Argumento: Cornell Woolrich, François Truffaut e Jean-Louis Richard Interpretação: Jeanne Moreau, Michel Bouquet, Jean-Claude Brialy, Charles Denner, Claude Rich, Michael Lonsdale Direcção de Fotografia: Raoul Coutard Montagem: Claudine Bouché Música: Bernard Herrmann Origem: França Ano de Estreia: 1968 Duração: 107’
Dia 13 O BANDO À PARTE Jean-Luc Godard França, 1964, 95’
Certa vez, a crítica de cinema Amy Taubin, da lendária revista semanal nova-iorquina Village Voice, escreveu que “Bando à Parte” (Bande à Part, França, 1964) era “um filme de Godard indicado para pessoas que não gostam de Godard”. É difícil pensar em uma expressão que defina melhor o longa-metragem, um dos mais obscuros trabalhos da fase mais celebrada do autor francês. Por ter sido filmado a toque de caixa, durante um período curto de 25 dias, e espremido entre produções de dois projetos bem mais caros, elaborados e ambiciosos do diretor, “Banda à Parte” exala frescura e despretensiosismo, duas características normalmente ausentes dos trabalhos assinados por Godard, sem abandonar o aspecto experimental. O resultado é um mix perfeito entre ousadia e simplicidade narrativa.
Na verdade, quem conhece bem a obra do cineasta mais irascível da nouvelle vague francesa sabe que a fatia mais hermética do trabalho dele surgiu do começo dos anos 1970 em diante. Na década anterior, Godard ainda estava interessado em contar histórias, mais do que em experimentar novas tecnologias e narrativas, embora já fosse conhecido por introduzir elementos metalingüísticos e novas técnicas de montagem, sempre lembrando a platéia que ela estava vendo um filme. Em “Acossado” (1960), por exemplo, o protagonista se dirigia à platéia algumas vezes, falando diretamente para a câmera. Os cortes abruptos, que rompiam a idéia de continuidade, também jogavam na cara do espectador o fato de que ele estava assistindo a uma obra de ficção.
Em “Bando à Parte”, Godard aprofunda a idéia de maneira mais bem-humorada, abandonando as brincadeiras com as imagens e rompendo o conceito de realismo através da edição de som – daí as experiências parecerem menos radicais e invasivas. Ele envia piscadelas ocasionais em direção ao público, lembrando-o (com um sorriso no canto da boca) sobre o caráter ficcional da narrativa. A cena mais lembrada do filme é um exemplo. Ela ocorre quando os três personagens principais – dois rapazes e uma moça que flertam entre si, num triângulo amoroso semelhante ao filmado por Truffaut em “Jules e Jim” (1962) – decidem fazer um minuto de silêncio, durante uma conversa de mesa de bar. Durante os 36 segundos em que os personagens ficam calados, Godard retira completamente o áudio da cena, eliminando os ruídos e abolindo por completo o realismo da cena.
Há mais quatro cenas que usam truques de edição sonora semelhantes e ajudam a derrubar a idéia do naturalismo, verdadeiro tabu para o cinema comercial. Em um momento, Franz (Sami Frey) finge atirar contra o amigo Arthur (Claude Brasseur), imitando momentos clássicos dos filmes de gângster pelos quais Godard era apaixonado, e usando o dedo indicador como se fosse um revólver. Pois o diretor fez questão de incluir o som de um disparo real na seqüência, uma tremenda ousadia para a época. Os dois personagens também assobiam a melodia principal da trilha sonora, quando ela sublinha certas ações. Há ainda interrupções do som ambiente da cena em que o trio dança num bar, para a introdução de “pensamentos” dos três personagens. Sem falar da cena em que os amigos decidem cruzar o Museu do Louvre correndo pelas galerias, momento homenageado por Bertolucci em “Os Sonhadores” (2003) e lembrado com saudade por dúzias de cineastas.
“Bando à Parte” é um dos filmes favoritos de Quentin Tarantino, e exerceu influência fundamental no trabalho mais conhecido do norte-americano, “Pulp Fiction” (1994) – a cena em que Uma Thurman desenha um quadrado com os dedos e a forma geométrica é “riscada” na tela por uma caneta invisível poderia muito bem ter saído do longa-metragem de Godard, sem falar da lembradíssima seqüência de dança entre Uma e John Travolta, que remete diretamente à já citada seqüência da dança no bar em “Banda à Parte”. Observe, também, como Godard filma a atriz Anna Karina, então namorada dele, de forma indisfarçavelmente apaixonada. Diz-se que ele e Truffaut faziam filmes para levar atrizes para a cama – e geralmente conseguiam.
Na parte narrativa, sobressai o comportamento hedonista dos três personagens principais. O hedonismo era uma característica marcante da juventude dos anos 1960, que Godard conseguiu mapear melhor do que qualquer outro diretor. Detalhe importante é que o roteiro não mostra esse comportamento como algo negativo, mas ressalta seu aspecto político, de resistência cultural. Os jovens de Godard expressão total desilusão para com o modo de vida hegemônico. Eles planejam um roubo, mas não são ladrões profissionais. Não ligam a mínima para dinheiro. O roubo é muito mais uma tentativa de vivenciar emoções fortes para espantar o tédio da vida cotidiana (de quebra, eles conseguiriam também grana suficiente para poder aproveitar a vida, sem precisar fazer coisas chatas como trabalhar).
Além de tudo isso, a longa-metragem consegue capturar muito bem o universo vulgar das novelas pulp baratas, onde Godard ia buscar inspiração. Os figurinos (sobretudos cinzentos, chapéus), a ambientação cênica (bares cheios de fumaça) e os personagens de moral ambígua aproximam o trabalho aos amados filmes de gângsteres que o diretor francês tanto elogiou, quando era crítico da revista Cahiers du Cinèma. A história, certamente menos importante do que o estilo, enfoca a amizade de Odile (Anna Karina) com os dois rapazes, e mostra-os planejando roubar a residência onde a garota – que hesita, mas não desiste do plano – mora. A narração em off, sempre irônica, ainda chega a prometer uma continuação (“aventuras em technicolor no Brasil”) que nunca veio. Afinal de contas, Godard nunca cedeu aos apelos da indústria cinematográfica. Não seria neste filme que ele faria isso, certo? . Rodrigo Carreiro, cinereporter
Título Original: Bande à Part Realização: Jean-Luc Godard Argumento: Jean-Luc Godard, segundo o romance de Dolores Hitchens, "Fool's Gold" Fotografia: Raoul Coutard Montagem: Agnès Guillemot Música: Michel Legrand Interpretação: Anna Karina, Claude Brasseur, Sami Frey, Danièle Girard, Ernst Menzer, Chantl Darget Origem: França Ano de Estreia: 1964 Duração: 95’
Dia 15 Disparem sobre o Pianista François Truffaut França, 1960, 92’
“Quando te detestar, porei o meu boné”: é a última frase de Charlie a Léna. Ele vai avisar os irmãos que deixará o chalé e partirá com ela. Mas os malfeitores que procura, o irmão encontra, o seu esconderijo. Léna morre na troca de tiros e o seu corpo rebola na neve.
A sequência começa com o plano mudo do carro dos bandidos a atravessar a paisagem. Segundo Truffaut, é a origem de “Disparem Sobre o Pianista”: “Uma única imagem levou-me a fazer o filme. Estava no livro. Numa estrada íngreme na neve, o carro descia sem fazer barulho. Era algo que ansiava visualizar, e o resto veio por acréscimo.” Truffaut adora a neve ao ponto de rematar vários filmes em paisagens cobertas de neve. A procissão dos homens-livros em “Fahrenheit 451”, a última sequência da rodagem de “A Noite Americana”, o fim de “A Sereia do Mississipi”, o regresso ao chalé de “Disparem Sobre o Pianista”. O que o cativa, sobretudo, é a intensidade fotogénica da neve, a força de abstracção, de estilização. A brancura da neve é, também, o meio mais natural de apagar cores, tão desprezadas por Truffaut. A neve dilui as formas e absorve os sons. Em “Disparem sobre o Pianista”, filme a preto e branco, Truffaut explora esta dimensão sonora, para mergulhar a sequência num silêncio feérico, subitamente rasgado pelo grito de Léna e pelos disparos. A morte da jovem é um dos mais belos excertos da obra de Truffaut. Depois do grito, a câmara segue o seu trajecto em grande plano. Ela parece andar à roda, até um plano de conjunto voltar a mostrar o seu percurso na paisagem: linha a direito rumo à bala que a mata. Quando o corpo cai na ribanceira cheia de neve, mais parece uma criança a deslizar na encosta. Tal como em Cocteau, durante uma imagem poética, a morte pode dar a ilusão de ser um jogo, “a fingir”.
Terceiro momento forte da sequência: Charlie e Fido a correr para o corpo inerte de Léna, dois pontos negros na imensidão branca de um plano reduzido a duas faixas horizontais. Truffaut passa abruptamente para o movimento de Charlie, num grande plano, a virar Léna e a descobrir o seu rosto fúnebre semicoberto de neve. A sequência termina com um breve travelling, que isola o rosto petrificado. Esta sequência manifesta, também, de forma bem clara, a nostalgia do cinema mudo, o desejo de reencontrar a intensidade gráfica e a energia simples dos primeiros mestres. Truffaut assume essa influência, fazendo uma homenagem a Griffith: o plano de Léna a deslizar pela encosta cheia de neve remete para o fim de “Way Down East” (1920), quando um bloco de gelo desgovernado no rio traz o corpo inerte de Lilian Gish. . Cyril Neyrat, Colecção Grandes Realizadores – François Truffaut
Título Original: Tirez Sur Le Pianiste Realização: François Truffaut Argumento: François Truffaut e Marcel Moussy Fotografia: Raoul Coutard Montagem: Claudine Bouché e Cécile Decugis Música: Georges Delerue Interpretação: Charles Aznavour, Marie Dubois, Michèle Mercier, Nicole Berger, Serge Davri, Richard Kanayan Origem: França Ano de Estreia: 1960 Duração: 92’ . (lotação: 22 lugares) .
Apresentação por Drª Mirian Tavares. Co-organização com AAUalg, Ciclo "Mentes Perigosas". Entrada livre. Bar aberto.
É hábito evocar Buñuel, através desse objecto fulgurante que é Belle de Jour (1967), como o autor determinante para a revelação da faceta nocturna de Catherine Deneuve, oposta à sua imagem mais comum de super-símbolo do charme e da elegância. Quase sempre se esquece que, dois anos antes, Polanski a dirigira neste prodigioso filme, que a apresenta como centro de um universo cada vez mais fechado, inquietante, rasgado por uma violência sem alternativa. Embora filiável no género de terror, o filme cedo se desprende de qualquer efeito corrente dessa área. Toda a sua estratégia decorre de uma opção simples, mas radical, que faz de Repulsa, ainda hoje, um dos trabalhos mais fascinantes do seu autor: trata-se, afinal, de fazer depender toda a arquitectura formal do comportamento da personagem central. Essa personagem é uma manicura belga que vive em Londres, em situação de verdadeiro exílio: receosa nos mais simples contactos com os outros, aterrorizada pelo sexo, terá, a pouco e pouco, no assassínio a única expressão real da sua relação com o exterior. A opção de Polanski não se esgota, no entanto, na instalação de uma dimensão subjectiva, digamos hitchcockiana, em que as imagens objectivas surgem ciclicamente feridas pela eclosão dos planos subjectivos. Mesmo sem se mostrar alheio à lição do mestre, ele prefere arriscar num território algo diferente: trata-se, afinal, de conceber o espaço e o tempo como factores totalmente cúmplices do comportamento da sua personagem, a ponto de todo o labor figurativo e também a montagem do filme dependerem das suas visões.
Não haverá muitos filmes que conduzam tão longe esse dispositivo de contaminação do corpo do filme por alguém que, no seu interior, emerge como um corpo em permanente desequilíbrio - a bem dizer, nunca pacificado entre a imagem que produz para os outros e as imagens que os outros nele inscrevem. Dir-se-ia que Polanski, que deixara a Polónia há pouco tempo (A Faca na Agua é de 1963), reconhece na sua personagem uma projecção da sua própria condição de exilado. O drama vivido por Deneuve começa, significativamente, na inacessibilidade da linguagem quotidiana, sendo Repulsa um filme em que a escassez das palavras se resolve, tragicamente, na violência das imagens. Essa é uma dimensão muito ligada ao poder do cinema para percorrer os labirintos do medo, partilhando-os com o seu espectador. . João Lopes, Expresso, 28/10/89
O que mais domina o cinema de Polanski é a influência expressionista, que deriva da escola germânica, do seu período áureo, quando os grandes mestres que foram Wegener, Lang, Robison, Leni, Murnau e outros, entraram com o cinema nos domínios do sonho e do pesadelo, da psicanálise e da patologia. «Repulsa» relata, em linguagem expressionista, um caso de esquizofrenia, levado ao extremo do homicídio. O realizador Roman Polanski utiliza, com talento, elementos expressionistas. As paredes abrem brechas. Delas saem mãos. Um coelho em decomposição. A cabeça cortada. Uma navalha. Uma velha fotografia onde a heroína, ainda jovem, tem já uma expressão ambígua. Uma iluminação adequada, de claros-escuros. Um pesadelo sensual.
A obsessão domina. O ambiente do apartamento é doentio, incomodativo, gera a repulsa patológica. A heroína teme os homens, e não só pelo facto da irmã ser amante de um homem casado. O seu comportamento deixa sempre adivinhar um estado de angústia. Isolada, obcecada, ouvindo ruídos, paredes estalarem, todo um horror se apodera da doente, toda uma repulsa que gera o ódio e a levará ao crime. E até nesse vaguear da heroína pelo apartamento, é notória a linha expressionista que Polanski seguiu, fazendo construir um cenário normal e outro muito maior e deformado, para as cenas de alucinação.
Catherine Deneuve foi a intérprete escolhida, uma actriz de grande talento e, neste filme, de rosto quase inexpressivo, para viver uma esquizofrenia devida a inibições sexuais. Polanski fez exercícios, jogou com objectos, com símbolos, com uma certa lentidão, utilizando estes e outros elementos expressionistas, deformações e sombras, um plano dominante de um olho, num horror demasiado insistente, demasiado procurado e rebuscado. «Repulsa» tem, contudo, enorme interesse. O insólito e o bizarro, um certo sadismo, não tiram merecimento a esta obra, verdadeiramente experimental que revelou logo em Roman Polanski um autor profundamente interessante, que vai ter um lugar importante na História do Cinema. . Fernando Duarte, Celulóide n.º 141, Setembro 1969
Carole (Catherine Deneuve) vive em Londres com a sua irmã mais velha e o amante desta, que visita frequentemente a sua casa. Além destes, temos um jovem apaixonado por Carole, mas a quem esta insiste em ignorar. Na verdade, a beleza de Carole esconde por baixo algo mais problemático, e o seu olhar, frequentemente desfasado da realidade dá a entender que alguma coisa aterrorizante se prepara para aparecer ao virar da esquina. E esse mundo, construído a partir do seu interior, onde ela se perde em constantes pensamentos, ameaça transpor a barreira que separa o seu próprio corpo e o mundo real. E afinal, o que esconde tão secretamente Carole na sua mente? Todo um mundo de fantasias violentas e traumas sexuais, medos profundos a caminho da libertação.
O filme, realizado em 1965, foi o primeiro de Roman Polanski filmado em lingua inglesa (ainda que com uma protagonista francesa a interpretar uma emigrante em Londres) e é tido ainda hoje como um clássico do cinema de terror. E nota-se perfeitamente que, apesar de um orçamento bastante reduzido, o autor consegue disfarçar na maior parte das vezes esse inconveniente com um trabalho de câmara e uma montagem tão inteligente quanto espectacular. Assim, o filme resulta também como um interessantíssimo trabalho experimental, não escondendo algumas referências ao cinema de Alfred Hitchcock (e Psycho), mas mantendo sempre a sua própria identidade, tornando-se também uma influência obrigatória para obras posteriores.
Destaque, entre outras coisas para o uso que Polanski faz da música, nem sempre a habitual dentro do género, ajudando a acentuar o tom negro e a carga irónica que se faz sentir constantemente ao longo do filme, e ainda ao uso inventivo dos planos subjectivos (ou de pontos de vista), que aqui são compostos de forma particularmente inspirada - e onde Brian De Palma terá vindo buscar inspiração para alguns dos seus próprios filmes. Além disso (e próprio do anterior cinema de Hitchcock e do posterior de De Palma), o filme está também ele carregado de uma componente erótica bastante complexa, não surgindo aqui o sexo exactamente como factor de excitação, mas mais como de repressão e, claro, de repulsa.
Repulsion será uma das obras mais marcantes na carreira de Polanski, e mesmo das mais influentes, e esse estatuto não será especialmente surpreendente. Ainda assim, e mesmo tendo resistido perfeitamente ao passar do tempo, não estará ao nível da complexidade e, acima de tudo, da tensão sentida na, essa sim, obra-prima absoluta que é Rosemary's Baby, o seu filme de 1968 com Mia Farrow. Por momentos, a falta de meios faz-se sentir mais do que seria necessário e isso acaba por fazer o filme ressentir-se um pouco. Claro que é também justo referir que algumas cenas, nomeadamente as fantasias de Carole, superam esse problema da melhor maneira, dando mostras claras do talento enorme do seu realizador. Além de tudo isto, fica a resposta à pergunta que muitos talvez queiram saber: funciona enquanto filme de terror? Sim, e da melhor maneira... . Paulo Costa, cinept
Título Original: Repulsion Realização: Roman Polanski Argumento: Gérard Brach, Roman Polanski Fotografia: Gilbert Taylor Montagem: Alastair McIntyre Música: Chico Hamilton Interpretação: Catherine Deneuve, Ian Hendry, John Fraser, Patrick Wymark Origem: Reino Unido Ano: 1965 Duração: 105’
(para quem não residir em Faro, acrescem 7 € - [4,20€ tubo + 2.80€ envio postal registado])
na sede, ou 289 827 627, ou 919 377 314, ou ccf@cineclubefaro.com ou facebook (podem também utilizar cada um destes meios para previamente ao leilão manifestarem o preço máximo que estarão dispostos a dar pelo cartaz da vossa preferência - ou mais do que um! -, o que será tido em conta na respectiva licitação)
dedicaremos cerca de 5 minutos ao leilão de cada um, por esta ordem:
1, 21h45. Le Bassin de JW, João César Monteiro, 1997
2, 21h50. O Sítio das Coisas Selvagens, Spike Jonze, 2009
3, 21h55. Taking Woodstock, Ang Lee, 2009
4, 22h. O Dia da Saia, Jean-Paul Lilienfeld, 2008
5, 22h05. O Céu Gira, Mercedes Álvarez, 2004
6, 22h10. História Trágica com Final Feliz, Regina Pessoa, 2006
7, 22h15. O Profeta, Jacques Audiard, 2009
8, 22h20. O Quadro Negro, Samira Makhmalbaf, 2000
9, 22h25. Séraphine, Martin Provost, 2008
10, 22h30. O Tesouro do Barba Ruiva, Fritz Lang, 1955
11, 22h35. Transe, Teresa Villaverde, 2006
12, 22h40. Tsotsi, Gavin Hood, 2005
13, 22h45. Ela Odeia-me, Spike Lee, 2004
14, 22h50. Brumas, Ricardo Costa, 2006
15, 22h55. Gente do Norte, Leonel Brito, 1977
16, 23h. Máscaras, Noémia Delgado, 1976
17, 23h05. Madrugadas, Rui Simões, 1999
o que é dizer que por volta das 23h15 sopraremos as velas, cortaremos o bolo e beberemos o champagne em honra de 55 anos de vida do Cineclube de Faro! .
Base de licitação... 5€ só! Também possível por telefone, email e mensagem no facebook!
Hoje terminamos a publicação de cartazes a ser leiloados. 4 belíssimos exemplares de filmes portugueses, 2 deles bem históricos de uma época inolvidável no nosso cinema!
Até amanhã, com bolo de aniversário e champagne a partilhar! 21h30, esperamos por vós!