16 de Abril - LINHA VERMELHA, José Filipe Costa, Portugal, 2011



DIA 16
LINHA VERMELHA José Filipe Costa Portugal, 2011, 80’

SINOPSE: Em 1975, a equipa de Thomas Harlan filmou a ocupação da herdade da Torre Bela, no centro de Portugal. Três décadas e meia depois, "Linha Vermelha" revisita esse filme emblemático do período revolucionário português: de que maneira Harlan interveio nos acontecimentos que parecem desenrolar-se naturalmente frente à câmara? Qual foi o impacto do filme na vida dos ocupantes e na memória sobre esse período?



 CRÍTICA:

Um documentário fascinante sobre o poder da imagem e a essência do cinema que não se esgota na sua breve duração

Ponto prévio: para desfrutar de Linha Vermelha, ajuda muito ter uma memória do filme de Thomas Harlan Torre Bela (que passou há alguns anos pelas salas), sobre o qual o documentário de José Filipe Costa, vencedor do concurso nacional do IndieLisboa 2011, se debruça em profundidade. Mas não é obrigatório, porque Linha Vermelha explica o suficiente sobre Torre Bela, filme que para o bem e para o mal marcou a imagem pública e histórica do 25 de Abril como nenhum outro, para informar um espectador menos especialista, e o dever de memória de Costa torna-se rapidamente numa apaixonante viagem ao passado, entre o documentário de bastidores e o filme-ensaio. Linha Vermelha interroga a nossa história recente, o poder da imagem, a própria essência do documentário, e ao fazê-lo ombreia sem problemas com algumas das obras documentais mais notáveis que temos visto, quer no DocLisboa quer mais a espaço em salas.
Linha Vermelha é uma espécie de investigação policial à volta do registo da ocupação da herdade da Torre Bela filmada em 1975 pelo alemão Thomas Harlan. É também uma verdadeira master class sobre o processo de criação de um filme, seguindo o modo como um cineasta diletante e militante usa os materiais fílmicos ao seu dispor, manipulando tempo e espaço para criar uma imagem e fazer passar uma mensagem. De certo modo, Linha Vermelha revela Torre Bela como um filme Eisensteiniano, um Couraçado Potemkin à nossa escala onde as imagens são alinhadas para construir um efeito dramático - a criação de um herói em Wilson Filipe; o confronto entre a miséria e o luxo na entrada dos ocupantes na mansão que é ainda hoje a cena mais recordada do filme; a aprendizagem do socialismo no célebre diálogo das botas. Sempre arrumámos Torre Bela na gaveta do documentário, mas ao revelar que algumas das situações foram recriadas frente à câmara, Costa recorda-nos que qualquer cinéma só aparentemente é vérité, porque assim que há uma câmara há um ponto de vista, e assim que há um montador há uma progressão narrativa. Neste caso, isso é amplificado por um realizador onde é impossível não ver a procura de resgate de um nome de família manchado - onde o pai Veit Harlan fora o cineasta do regime nazi, o filho Thomas acabaria por se tornar no cineasta da revolução dos Cravos, colocando a sua câmara ao serviço de uma causa.
É, por isso, do poder da imagem que Linha Vermelha nos fala, e não é certamente por acaso que seja o som - na forma das declarações de um Thomas Harlan que, já muito doente, nunca aparece na imagem; das velhas bobines de som que são os únicos restos dos bastidores de Torre Bela e que lançam questões sobre a sua criação; do ruído das moviolas e mesas de montagem por onde a película corre - que vem desvendar os segredos da imagem. Linha Vermelha não se esgota na sua curta duração e lança inúmeras pistas sobre a natureza do cinema e das imagens: é um filme essencial para compreender o modo como a imagem molda o nosso quotidiano.
Ípsilon Jorge Mourinha



Talvez seja o filme que melhor documenta o Processo Revolucionário em Curso e, mais concretamente, a Reforma Agrária no pós-25 de Abril. Thomas Harlan, um  realizador alemão, viajou para Portugal, animado por ideários esquerdista, para reportar o que se viva em Portugal. Ou mais do que isso, para fazer um filme declaradamente militante e, simultaneamente, com uma perspetiva antropóloga. Percorreu vários pontos, mas foi na herdade do Duque de Lafões que conseguiu fazer o melhor retrato, dando uma ideia idealista e romântica do que se estava a passar, numa grande obra cinematográfica, Torre Bela, que, não há muito tempo, foi re-estreada nas salas na versão completa. Contam-se ali episódios fabulosos, como a invasão da casa dos senhores pelos trabalhadores ou uma discussãoa a propósito de uma enxada, que levanta questões sobre o direito à propriedade e as vantagens do corporativismo e mesmo do Comunismo. Thomas Harlan faleceu em 2010 e esta é sem dúvida a sua obra mais significativa. José Filipe Costa fez um documentário sobre o documentário e o seu autor, foi atrás das pistas deixadas, procurou o homem escondido na obra e levantou algumas questões sobre a natureza do próprio cinema ou o naturalismo do documentário. Explica o que está por trás de cada cena, e demonstra a forma como Harlan, por vezes, entusiasmado com a linha e o discurso do próprio filme manipulou as suas filmagens de forma a produzir o efeito desejado, não fosse o cinema, mesmo o documentário, como todas as artes, uma ciência inexata e uma forma de expressão do autor. José Filipe Costa vai mais longe, não se fica pela obra em si, e procura raízes no desenvolvimento das ideias de Torre Bela, que coincidem com as ideias do próprio 25 de Abril, mostrando, por exemplo, um exercício especulativo numa escola da região, em que os alunos debatem a questão da propriedade. Um documentário que, mais do que enaltecer o autor, o desvenda. Thomas Harlan merecia um filme assim, nem que seja pela sua grande obra em que fez um retrato impagável do que o país prometeu ser.

Visão, Manuel Halpern
 

 

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