FÁBRICA DE
NADA
Pedro
Pinho
Portugal, 2017, 177’, M/14
NOTA DE INTENÇÕES
Os últimos
anos que vivemos em Portugal e na Europa, trouxeram a impressão de vivermos um
período de redefinição brutal da forma como nos acostumámos a olhar para o
mundo. Em muitos momentos a ausência de perspectivas e de discursos válidos
sobre o momento presente trouxeram-nos um sentimento de impotência.
A
FÁBRICA DE NADA pretende partir daí. A falência de uma Fábrica de elevadores
(como tantas outras que fecham todos os meses nas periferias industriais de Lisboa)
serve de microcosmos e parábola para explorar dramaticamente as texturas e
consequências desse sentimento de impotência que atravessou a grande maioria
das pessoas durante este período das nossas vidas.
Sob o
signo da falência, as personagens tentam manter-se de pé e procurar os caminhos
da reconfiguração da sua vida. Conduzidos por uma urgência e uma pulsão de vida
qualquer que ainda lhes resta, ao verem colapsar o seu trabalho e todas as
instituições que julgavam sólidas vêm-se empurrados a embarcar – com relutância
e medo – numa experiência inesperada, numa aventura colectiva.
FICHA
TÉCNICA
Realização: Pedro Pinho
Argumento: Pedro Pinho, Luísa Homem, Leonor
Noivo, Tiago Hespanha, a partir de uma ideia original de Jorge Silva melo
Montagem: Cláudia Oliveira, Edgar Feldman,
Luísa Homem
Música: Pedro Rodrigues, José Smith
Vargas
Interpretação: José Smith Vargas, Carla Galvão,
Njamy Sebastião, Joaquim Bichana Martins, Daniele Incalcaterra
Origem: Portugal
Ano: 2017
Duração: 177’
FESTIVAIS
E PRÉMIOS
Cannes 2017 - Prémio FIPRESCI na Quinzena
dos Realizadores
Festival de Cinema de Munique - Melhor Filme
Duhok International Film Festival (Iraque) – Melhor Realização
CineFest Miskolc Internacional Film Festival (Hungria) - Grande
Prémio do Júri
CRÍTICA
Um filme que recusa dogmas e acredita nas possibilidades
E se
fosse este o grande filme sobre a crise nacional? Obra-prima, Fábrica de
Nada? Estamos convencidos que sim.
E se –
talvez por não se anunciar como tal e por nos estar a apanhar todos de surpresa
– o grande filme sobre a crise nacional não tivesse sido o tríptico de Miguel
Gomes As Mil e Uma Noites,
mas antes esta Fábrica de Nada
que o colectivo da Terratreme, sob a condução de Pedro Pinho, foi buscar a
Jorge Silva Melo, à escritora holandesa Judith Herzberg e às vidas quotidianas
dos empregados da Fatileva? Não se trata, atenção, de minimizar um por relação
ao outro – até porque as estratégias de partida, alimentando a ficção a partir
da realidade, e os resultados, que desafiam conceitos de formatação, não estão
muito distantes. Mas existe uma mais-valia de brevidade e coerência na Fábrica
de Nada, três horas com um único fio condutor que passa todo o tempo com
aqueles cuja história conta, por oposição à estrutura episódica, digressiva,
estilhaçada das nove horas das Mil
e Uma Noites.
Sobretudo,
o “realismo mágico” em que Pedro Pinho mergulha a sua história da resistência
de um grupo de operários, em luta pela sua dignidade de pessoas numa sociedade
onde o conforto e a alienação ganham aos pontos aos valores, desenha uma
possibilidade de utopia colectiva muito mais pragmática: responder ao
bottom-line puramente valorativo do capitalismo com a riqueza do humanismo que
defende que todos temos uma palavra a dizer, que o trabalho não é apenas uma
troca de tempo por dinheiro mas algo que pode enriquecer quem o faz e quem dele
usufrui. E se isso implicar estatelarmo-nos ao comprido, paciência – já dizia
Beckett para “tentarmos, falharmos, falharmos outra vez, falharmos melhor”.
A Fábrica de Nada é, então, um
filme-ensaio, e um filme de ensaios. Não de ensaios teóricos - que também
existem, nas discussões que se vão tendo entre os operários e entre os
intelectuais, no questionamento constante sobre a validade do que se está a
fazer. Mas ensaio no sentido de tentativa e erro, de ensaiar caminhos e saídas,
na vida pessoal como na vida profissional, no cinema como na vida real. Uma
fábrica abandonada pelos donos que já não têm como dela sugar mais dinheiro,
ocupada pelos operários para quem ela é a única hipótese de sobreviver com um
mínimo de dignidade, torna-se num espaço de possibilidades improvisadas. Pode
ser um descampado para futeboladas ou um palco de musical industrial (não
queríamos realmente falar do Dancer
in the Dark de Von Trier, mas não se lhe pode mesmo fugir),
passando por pano de fundo para o filme de denúncia social (e o Crime do Sr. Lange de Renoir
está sempre ali à porta).
Essas
possibilidades também se abrem e fecham para cada uma das suas personagens,
indecisas entre partir ou ficar, continuar a acreditar numa utopia laboral ou
ceder às pressões patronais, acreditar na possibilidade do colectivo ou recusar
a inacção solidária. O filme explora-as a todas com eles, inventa-se e
reinventa-se constantemente, um passo em frente dois para trás três para o
lado, em constante metamorfose entre o político e o pessoal, o íntimo e o
público, com uma sofreguidão de ficção e realidade, tradição e modernidade, que
se intercalam, intervalam e alimentam até já não sabermos onde termina uma e
começa a outra. Acima de tudo, Pinho assina um filme feito hoje, que fala de
hoje, mas que não quer ficar preso ao tempo de hoje. Tem consciência das
armadilhas e dos perigos do “cinema político” e recusa o dogmatismo doutrinário
para defender que é preciso repensar, literalmente, tudo. A Fábrica de Nada seria,
então, uma “fábrica de tudo ou nada”, 0 ou 1, gato de Schrödinger ao mesmo
tempo vivo e morto consoante o momento em que se abra a caixa. Uma aventura
constante e colectiva onde, no fim de tudo, logo se verá o que aí vem. Cinéma-vérité onde a verdade
não está na reprodução do real mas na sua efabulação. Obra-prima? Estamos
convencidos que sim.
, Público
As Máquinas não podem parar, e o Cinema deve
acompanhar todo esse processo de auto-sustentabilidade. A Fábrica do Nada,
a quarta longa-metragem de Pedro Pinho, é esse conceito simultâneo de fazer
cinema e falar de política, um retrato de um ativismo em pleno passo de
reflexão. Trata-se de um filme baseado na peça de Jorge Silva Melo, por sua vez
inspirada na experimentação de auto-sustentabilidade da fábrica de elevadores
Otis, durante 1974 - 2016, uma ideia de absoluta esquerda a invocar os
fracassos de Torres Bela.
Quando a austeridade avança ameaçando postos de
trabalho, os trabalhadores tomam conta da fábrica, expulsando os seus patrões e
operando através de didactismo. O "Nada" do título, é essa espera que
intervala entre o “golpe de estado” e o fim do sonho esquerdista, bem como a
discussão política, um avante anti-capitalista que resulta na própria
consolidação com o movimento globalizado. Pinho trabalha essas ideias dando-nos
um cinema que, acima de tudo, é um próprio experimento, incutindo a ficção como
uma anestésica perspectiva quase mundana a uma ciência que muitos parecem
evitar - a política. Sim, A Fábrica do Nada é para além de mais, um
filme politizado que aposta numa duo-linguagem para a difusão da sua própria
mensagem.
É a docuficção, como Portugal sabe muito bem fazer, em
que cada caminho serve-nos como um atalho (a ficção) ou o prolongado e completo
(documentário). Em certas alturas, Pinho inspira-se em Miguel Gomes para
incutir a sua veia de crítica, não por vias da sátira, mas na objectividade das
suas imagens. De tal forma que A Fábrica do Nada espelha uma breve
história dos gestos políticos que assombram a nossa Nação, do outro lado ele
resume as tendências cinematográficas do nosso panorama recente, inclusive a
nossa persistência em reter as memórias em forma de imagens. É como se a
película (neste caso o digital) conservasse e servisse de uma extensa voz para
estes silenciados.
O final não é eterno, mas terno, é a declaração que
esperávamos imensamente no nosso Cinema, a vontade de falar politica,
politizar-se, sem se definir por uma esquerda, por uma direita, por um centro,
ou qualquer outro lado. Fala-nos de experiências, mas nunca de posições, nem de
oposições. Apesar dos eventuais discursos resultarem em impasses de uma
linguagem mais directa e menos cientificada (tal como acontecera no anterior A
Cidade e as Trocas, Pedro Pinho receia o desperdício na selecção de
imagens), A Fábrica do Nada é um filme obrigatório para qualquer
português, e não só … Uma obra dedicada e envolvente.
Hugo Gomes, c7nema.net/
Sem comentários:
Enviar um comentário