A FÁBRICA DE NADA | DIA 25 OUT | IPDJ | 21H30



FÁBRICA DE NADA
 Pedro Pinho
Portugal, 2017, 177’, M/14


NOTA DE INTENÇÕES
Os últimos anos que vivemos em Portugal e na Europa, trouxeram a impressão de vivermos um período de redefinição brutal da forma como nos acostumámos a olhar para o mundo. Em muitos momentos a ausência de perspectivas e de discursos válidos sobre o momento presente trouxeram-nos um sentimento de impotência.
A FÁBRICA DE NADA pretende partir daí. A falência de uma Fábrica de elevadores (como tantas outras que fecham todos os meses nas periferias industriais de Lisboa) serve de microcosmos e parábola para explorar dramaticamente as texturas e consequências desse sentimento de impotência que atravessou a grande maioria das pessoas durante este período das nossas vidas.
Sob o signo da falência, as personagens tentam manter-se de pé e procurar os caminhos da reconfiguração da sua vida. Conduzidos por uma urgência e uma pulsão de vida qualquer que ainda lhes resta, ao verem colapsar o seu trabalho e todas as instituições que julgavam sólidas vêm-se empurrados a embarcar – com relutância e medo – numa experiência inesperada, numa aventura colectiva.

FICHA TÉCNICA
Realização: Pedro Pinho 
Argumento: Pedro Pinho, Luísa Homem, Leonor Noivo, Tiago Hespanha, a partir de uma ideia original de Jorge Silva melo
Montagem: Cláudia Oliveira, Edgar Feldman, Luísa Homem 
Música: Pedro Rodrigues, José Smith Vargas 
Interpretação: José Smith Vargas, Carla Galvão, Njamy Sebastião, Joaquim Bichana Martins, Daniele Incalcaterra  
Origem: Portugal
Ano: 2017
Duração: 177’


FESTIVAIS E PRÉMIOS
Cannes 2017 - Prémio FIPRESCI na Quinzena dos Realizadores
Festival de Cinema de Munique - Melhor Filme 
Duhok International Film Festival (Iraque)   Melhor Realização 
CineFest Miskolc Internacional Film Festival (Hungria) - Grande Prémio do Júri
 


CRÍTICA

Um filme que recusa dogmas e acredita nas possibilidades

E se fosse este o grande filme sobre a crise nacional? Obra-prima, Fábrica de Nada? Estamos convencidos que sim.
E se – talvez por não se anunciar como tal e por nos estar a apanhar todos de surpresa – o grande filme sobre a crise nacional não tivesse sido o tríptico de Miguel Gomes As Mil e Uma Noites, mas antes esta Fábrica de Nada que o colectivo da Terratreme, sob a condução de Pedro Pinho, foi buscar a Jorge Silva Melo, à escritora holandesa Judith Herzberg e às vidas quotidianas dos empregados da Fatileva? Não se trata, atenção, de minimizar um por relação ao outro – até porque as estratégias de partida, alimentando a ficção a partir da realidade, e os resultados, que desafiam conceitos de formatação, não estão muito distantes. Mas existe uma mais-valia de brevidade e coerência na Fábrica de Nada, três horas com um único fio condutor que passa todo o tempo com aqueles cuja história conta, por oposição à estrutura episódica, digressiva, estilhaçada das nove horas das Mil e Uma Noites.
Sobretudo, o “realismo mágico” em que Pedro Pinho mergulha a sua história da resistência de um grupo de operários, em luta pela sua dignidade de pessoas numa sociedade onde o conforto e a alienação ganham aos pontos aos valores, desenha uma possibilidade de utopia colectiva muito mais pragmática: responder ao bottom-line puramente valorativo do capitalismo com a riqueza do humanismo que defende que todos temos uma palavra a dizer, que o trabalho não é apenas uma troca de tempo por dinheiro mas algo que pode enriquecer quem o faz e quem dele usufrui. E se isso implicar estatelarmo-nos ao comprido, paciência – já dizia Beckett para “tentarmos, falharmos, falharmos outra vez, falharmos melhor”.
 
 

A Fábrica de Nada é, então, um filme-ensaio, e um filme de ensaios. Não de ensaios teóricos - que também existem, nas discussões que se vão tendo entre os operários e entre os intelectuais, no questionamento constante sobre a validade do que se está a fazer. Mas ensaio no sentido de tentativa e erro, de ensaiar caminhos e saídas, na vida pessoal como na vida profissional, no cinema como na vida real. Uma fábrica abandonada pelos donos que já não têm como dela sugar mais dinheiro, ocupada pelos operários para quem ela é a única hipótese de sobreviver com um mínimo de dignidade, torna-se num espaço de possibilidades improvisadas. Pode ser um descampado para futeboladas ou um palco de musical industrial (não queríamos realmente falar do Dancer in the Dark de Von Trier, mas não se lhe pode mesmo fugir), passando por pano de fundo para o filme de denúncia social (e o Crime do Sr. Lange de Renoir está sempre ali à porta).
Essas possibilidades também se abrem e fecham para cada uma das suas personagens, indecisas entre partir ou ficar, continuar a acreditar numa utopia laboral ou ceder às pressões patronais, acreditar na possibilidade do colectivo ou recusar a inacção solidária. O filme explora-as a todas com eles, inventa-se e reinventa-se constantemente, um passo em frente dois para trás três para o lado, em constante metamorfose entre o político e o pessoal, o íntimo e o público, com uma sofreguidão de ficção e realidade, tradição e modernidade, que se intercalam, intervalam e alimentam até já não sabermos onde termina uma e começa a outra. Acima de tudo, Pinho assina um filme feito hoje, que fala de hoje, mas que não quer ficar preso ao tempo de hoje. Tem consciência das armadilhas e dos perigos do “cinema político” e recusa o dogmatismo doutrinário para defender que é preciso repensar, literalmente, tudo. A Fábrica de Nada seria, então, uma “fábrica de tudo ou nada”, 0 ou 1, gato de Schrödinger ao mesmo tempo vivo e morto consoante o momento em que se abra a caixa. Uma aventura constante e colectiva onde, no fim de tudo, logo se verá o que aí vem. Cinéma-vérité onde a verdade não está na reprodução do real mas na sua efabulação. Obra-prima? Estamos convencidos que sim. 
, Público 



As Máquinas não podem parar, e o Cinema deve acompanhar todo esse processo de auto-sustentabilidade. A Fábrica do Nada, a quarta longa-metragem de Pedro Pinho, é esse conceito simultâneo de fazer cinema e falar de política, um retrato de um ativismo em pleno passo de reflexão. Trata-se de um filme baseado na peça de Jorge Silva Melo, por sua vez inspirada na experimentação de auto-sustentabilidade da fábrica de elevadores Otis, durante 1974 - 2016, uma ideia de absoluta esquerda a invocar os fracassos de Torres Bela.
Quando a austeridade avança ameaçando postos de trabalho, os trabalhadores tomam conta da fábrica, expulsando os seus patrões e operando através de didactismo. O "Nada" do título, é essa espera que intervala entre o “golpe de estado” e o fim do sonho esquerdista, bem como a discussão política, um avante anti-capitalista que resulta na própria consolidação com o movimento globalizado. Pinho trabalha essas ideias dando-nos um cinema que, acima de tudo, é um próprio experimento, incutindo a ficção como uma anestésica perspectiva quase mundana a uma ciência que muitos parecem evitar - a política. Sim, A Fábrica do Nada é para além de mais, um filme politizado que aposta numa duo-linguagem para a difusão da sua própria mensagem.
É a docuficção, como Portugal sabe muito bem fazer, em que cada caminho serve-nos como um atalho (a ficção) ou o prolongado e completo (documentário). Em certas alturas, Pinho inspira-se em Miguel Gomes para incutir a sua veia de crítica, não por vias da sátira, mas na objectividade das suas imagens. De tal forma que A Fábrica do Nada espelha uma breve história dos gestos políticos que assombram a nossa Nação, do outro lado ele resume as tendências cinematográficas do nosso panorama recente, inclusive a nossa persistência em reter as memórias em forma de imagens. É como se a película (neste caso o digital) conservasse e servisse de uma extensa voz para estes silenciados.
O final não é eterno, mas terno, é a declaração que esperávamos imensamente no nosso Cinema, a vontade de falar politica, politizar-se, sem se definir por uma esquerda, por uma direita, por um centro, ou qualquer outro lado. Fala-nos de experiências, mas nunca de posições, nem de oposições. Apesar dos eventuais discursos resultarem em impasses de uma linguagem mais directa e menos cientificada (tal como acontecera no anterior A Cidade e as Trocas, Pedro Pinho receia o desperdício na selecção de imagens), A Fábrica do Nada é um filme obrigatório para qualquer português, e não só … Uma obra dedicada e envolvente.
Hugo Gomes, c7nema.net/


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