FÉLICITÉ
Alain Gomis
LB/FR/BE/SN/DE, 2017, 123’, M/14
FICHA
TÉCNICA
Realização e Argumento: Alain Gomis
Montagem: Alain Gomis e Fabrice Rouaud
Fotografia: Céline Bozon
Interpretação: Véro Tshanda Beya Mputu, Gaetan Claudia,
Papi Mpaka, Nadine Ndebo
Origem: LB/FR/BE/SN/DE
Ano: 2017
Duração: 123’
FESTIVAIS E PRÉMIOS
Festival de Cinema de Berlim – Grande Prémio do Júri
CRÍTICAS
Mãe
solteira, Félicité vive em Kinshasa, a capital da República Democrática do
Congo, e canta em bares para ganhar o pão de cada dia e dar de comer ao filho
adolescente. Um dia, o rapaz tem um acidente de moto e fere-se gravemente numa
perna. Uma operação no esquálido hospital onde ele está internado custa uma
fortuna e tem que ser paga em contado, e por isso Félicité vai varar a cidade
para arranjar a soma necessária o mais depressa possível. Nem que isso
signifique submeter-se a humilhações várias e até mesmo ser agredida.
Assinado
pelo senegalês Alain Gomis, “Félicité” ganhou o Grande Prémio do Júri do
Festival de Berlim, e o seu lado melhor é o documental, mostrando a miséria, a
corrupção, a violência e o subdesenvolvimento endémicos de um país cujo regime
e cuja situação política e social contradizem a menção à democracia que tem
inscrita no nome. [...] o filme, feito com meios limitados, tem uma linearidade
despretensiosa, uma lhaneza dramática e sobretudo um valor de documento de
actualidade ]...]
Aquilo de que mais gostamos
neste novo filme de Alain Gomis — ele que, desde "L' Afrance" e "Andalucia",
sempre tratou de procurar uma linha imaginária, polémica (e por isso política),
entre Norte e Sul, França e África, seguindo personagens desenraizadas e
excluídas — é o modo como a ficção se insinua nos planos sem quase nos darmos
conta dela. De facto, não é frequente (e é mesmo raro) que um filme comece por
um concerto, o seu palco (um bar dos basfonds
de Kinshasa), os seus bastidores (onde os Kasai Allstars afinam os
instrumentos), a sua plateia (habitués
entusiasmados pelo calor da noite e do álcool), a menos que esse filme seja um
documentário musical. Ora, 'documentário' e 'musical' são 'ganchos' que também
existem em "Félicité" desde o primeiro instante. Mas o que é estranho
nesta apropriação da realidade difícil de sondar é que nem o filme se
estabiliza estruturalmente numa só tendência ou género, nem a montagem parece
servir os propósitos da narrativa, pois justapõe momentos de realismo e de
onirismo, drama e sonho, acaso e fatalidade, sem transição aparente entre estas
dimensões que, no fundo, todas reunidas, nos dão um retrato completo de um
pedaço do mundo. O corpo da heroína do título, obrigada a encontrar dinheiro
depressa para tentar salvar o filho acidentado, pode palmilhar furiosamente
Kinshasa ao mesmo tempo que o seu espírito (ou a projeção do seu desejo)
vagueiam à noite na floresta, à beira de um rio. Tabu, aquele homem embriagado
que ama Félicité, pode contrapor ao desespero desta momentos de comédia no
conserto de um frigorífico, ou ser mais tarde porta de esperança para aquilo
que só na tragédia parecia poder ficar. A beleza deste filme, convenhamos,
irregular, vem precisamente deste aspecto aleatório de registos que Gomis põe em
prática, a dor e o prazer, a adversidade e a felicidade, a realidade
contaminada de lirismo, sempre no mesmo plano, pela música e no rosto de uma
mulher extraordinária. Distinguido em Berlim com o Grande Prémio do Júri,
"Félicité" é o primeiro filme desse concurso (e o primeiro de Gomis)
a chegar às salas portuguesas, pela distribuidora Lanterna de Pedra.
Saliente-se (e saúde-se) a celeridade da aposta: é uma das mais valiosas em
cartaz neste fim de primavera.
Francisco Ferreira, Expresso
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