CONTOS CRUÉIS DA JUVENTUDE
NAGISA ŌSHIMA, Japão, 1960, 96', M/16
FICHA TÉCNICA
Título Original: Seishun zankoku monogatari
Realização e Argumento: Nagisa Oshima
Montagem: Keiichi Uraoka
Fotografia: Takashi Kawamata
Música: Riichirô Manabe
Interpretação: Miyuki Kuwano, Yûsuke Kawazu, Yoshiko Kuga, Fumio Watanabe
Origem: Japão
Ano: 1960
Duração: 96´
FESTIVAIS E PRÉMIOS
Blue Ribbon Awards (1961) – Melhor Realizador
CRÍTICA
Rebeldes sem causa no Japão
Personagens
num vazio moral, à deriva, uma das imagens mais estranhas e poderosas do Japão
dos anos 60.
Contos Cruéis da Juventude foi a segunda longa de Nagisa Oshima,
estreada no Japão em 1960, quando o realizador tinha 28 anos. Como sucedeu com
outros casos, a sua descoberta por europeus e americanos foi tardia e
“retrospectiva”: Contos
Cruéis da Juventude só conheceu ampla divulgação no Ocidente a
partir do final dos anos 1970, na sequência do “sucesso de escândalo” de O Império dos Sentidos.
Descobriu-se então, com espanto, um filme que parecia um primo nipónico do
jovem cinema europeu do princípio dos anos 60, e da nouvelle vague – mas feito
numa altura em que ainda não houvera tempo para se falar numa “influência”.
Hoje
conhecemos mais desse contexto e daquilo que ficou conhecido como a noberu bagu, a nouvelle vague japonesa, mas
podemos imaginar o choque dos que o viram numa altura em que a percepção
dominante do cinema japonês de 60 ainda era o classicismo tardio dos filmes de
Yasujiro Ozu. Sobre essa diferença não valerá a pena insistir mais. Mas vale a
pena insistir em como o filme de Oshima continua a parecer “novo”, a sua
energia difusa, confusa, às vezes caótica, a viver ainda maravilhosamente,
porventura de forma mais genuína que noutros momentos futuros da obra de
Oshima. Aqui há uma fúria, uma voracidade, que faz coincidir os temas da
narrativa com a maneira como Oshima pratica o seu cinema: a exuberância
cromática (os neóns coloridos
das noites de Tóquio devem ser das coisas mais fotogénicas que já existiram), o
tratamento do ecrã largo, a ser ocupado pelos corpos e pelos rostos, a montagem
dinâmica, sincopada, às vezes ofegante. É um filme febril, e a febre não se
curou nos quase 60 anos que nos separam dele.
E, depois,
é um filme que podia ter a mesma epígrafe do filme de Nicholas Ray: “este rapaz
e esta rapariga não foram propriamente apresentados ao mundo em que vivemos”.
Os filmes de Ray – até pelas cores… – sobre uma juventude tão rebelde quanto
perdida parecem de facto presentes em Contos
Cruéis da Juventude, e aí talvez seja legítimo falar numa “influência”.
Nem Mako nem Kiyoshi, o par de hustlers (assaltam
homens de meia idade, “respeitáveis”, que ela seduz) sabe bem o lugar que ocupa
no mundo. Vivem do seu lust
for life, numa inconsciência – até histórica, como na cena em que
assistem, sem se envolverem nela, a uma manifestação contra um acordo militar
nipo-americano. São outsiders,
fora do mundo, da política, da história, existem apenas num wild side, como energia
destrutiva, sabotadora, os homens que eles assaltam representando a sociedade
“aceitável”, burguesa, conservadora. Mas daí que o olhar de Oshima seja sempre
de enorme ambiguidade, sem condenação (gosta das suas personagens) mas também
sem empatia. Filma-os como produto simbólico dum Japão em crise de identidade,
a erguer-se da derrota na II Guerra, titubeante entre o tradicionalismo e a
modernidade. Como se existissem num vazio, moral em primeiro lugar, e andassem
à deriva. Oshima não lhes oferece um porto seguro, e isso parece menos uma
condenação deles do que daquele Japão, de que este filme permanece uma das
imagens mais estranhas e poderosas.
, Público
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