a imensa riqueza da música popular portuguesa vai soar no cemitério antigo! 5ªf, Cacela Velha, 22h.

Entrada - 2€
Sócios do CCF e do INATEL - 1€

De forma pioneira em Portugal, a Fundação INATEL, Direcção de Cultura, decidiu encomendar a realização do documentário “Sinfonia Imaterial”, ao realizador Tiago Pereira com direcção de produção da QUIVIART e co-produção da Pédexumbo.

Tiago Pereira percorreu o país de uma ponta à outra, de Braga a Porto Santo, a convite da Fundação INATEL Cultura, e pelo caminho foi recolhendo fragmentos de um património imaterial riquíssimo que nos últimos anos tem tentado escudar e – em muitos casos – resgatar do esquecimento.

Sem voz-off ou entrevistas, “Sinfonia Imaterial” tenta, mais que ser um documentário convencional ou uma recolha estritamente etnográfica, representar um olhar abrangente sobre um lado frequentemente ignorado da cultura portuguesa: o património oral tradicional. O imenso material recolhido, condensado num filme de cerca de 60 minutos, percorre diversos artistas, locais e géneros musicais, numa prática que anualmente envolve mais de um milhão de pessoas em Portugal.

Um auto-intitulado “caçador de ritmos, de canções, e de loops”, Tiago Pereira, não é estranho a este tipo de trabalho de pesquisa intensiva e documentação com os olhos postos em gerações futuras. ”Sinfonia Imaterial” é um passo lógico na carreira de um realizador que se vê também como “um recolector e um coleccionador” que vai “atrás das memórias” e cuja carreira inclui “B Fachada – Tradição Oral Contemporânea” (2008), “Significado” (2010) ou a iniciativa “A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria”.

“A música portuguesa nunca teve auto-estima”, atira o realizador. É para tentar despertar consciências e abalar o espírito conformista instalado no pós-25 de Abril, através da descoberta e da reinvenção, ao mesmo tempo desmistificando a ideia do Portugal “moribundo e triste”, que o visualista lisboeta vem dando sequência a um trabalho de construção de uma base de dados orgânica e em permanente mutação.

O seu papel enquanto divulgador e promotor da música portuguesa valeu-lhe, em 2010, a vitória na primeira edição da categoria “Missão” do Prémio Megafone João Aguardela.

(daqui)


Entre Março e Abril deste ano, Tiago Pereira partiu pelo país com uma câmara e encontrou isto que vemos em "Sinfonia Imaterial", o seu novo filme. De Sul a Norte: do cante alentejano feminino à dança dos Pauliteiros de Miranda. Do centro para as ilhas: dos imponentes bombos de Paul, na Covilhã, à mulher de 91 anos que toca guitarra portuguesa no Faial e aos violinos e cavaquinhos parentes do cajun e do blues em Porto Santo. Novos e velhos, gente muito séria e gente de sorriso matreiro, amadores que desafinam e instrumentistas de excepção. Tudo filmado em plano fixo e enquadrado na paisagem natural, em tascas ou em salas de estar de casas anónimas - e sem outra informação para além das legendas que identificam temas, instrumentos e lugares. O filme, uma encomenda da Fundação Inatel coproduzida pela associação Pé de Xumbo.



"Sinfonia Imaterial" pretende mostrar que, aqui e agora, existe um país com uma vivíssima tradição musical feita de "milhares de influências", o que nos permite pressentir algo da "Galiza, de África, do Brasil, dos países nórdicos ou da Índia sem nunca sair de Portugal". Tal como o nome indica, não é exactamente um documentário. "Era importante mostrar que todos aqueles projectos musicais misturados podiam ter uma força sinfónica sem maestro, ou com um maestro virtual, que era eu", explica o realizador. Nessa ausência de qualquer outro discurso para além do cantado, "Sinfonia Imaterial" distingue-se de trabalhos anteriores de Tiago Pereira, como "B Fachada - Tradição Oral Contemporânea" ou "Significado". Aqui, leva esse anseio às últimas consequências, criando um mosaico musical em que os vozes e instrumentos se cruzam para criar combinações surpreendentes. O olhar é, portanto, de músico (está-lhe nos genes, ou não fosse ele filho de Júlio Pereira). "Há muito tempo que queria percorrer o país todo de repente, para manter a cabeça fresca e para conseguir mais facilmente estabelecer relações musicais entre todo o material." A preocupação principal era mostrar uma realidade em constante mutação. "O filme tem jovens e velhos, para mostrar que a tradição está viva, que quando acabarem estes responsos e estes instrumentos outros tomarão o seu lugar e serão tão ricos e tão estranhos como os de agora".

Mário Lopes


ENTREVISTA AO REALIZADOR


Café Portugal - Como nasceu a ideia de fazer este filme que mergulha nas nossas tradições orais?
Tiago Pereira - Não é a primeira vez que retrato estas questões. Desde há dois anos que, nos meus filmes, tento mostrar a memória e a sua alfabetização. Se é importante que as pessoas aprendam a ler é igualmente fundamental que não se esqueçam da tradição, do património imaterial e de todas as memórias relacionadas com a tradição oral portuguesa. Há muitos anos que faço recolhas com a câmara e microfone de lapela e havia uma grande necessidade de trabalhar este património pelo país, com recolhas mais profissionais, com câmara fixa, etc. Nessa medida, surgiu o convite do INATEL para se produzir um filme sobre o património imaterial musical português.

C.P. - Esse convite por parte da Fundação Inatel quando é que surge e como se desenvolveu?
T.P. - Em Setembro de 2010. A partir daí começamos a pensar na forma como iríamos produzir o filme. Entretanto surgiu a Quiviart, que fez a produção executiva, sendo que houve, depois, a necessidade de se pedir uma co-produção à Associação Pédexumbo, que há anos se dedica a estes temas e tinha listas de pessoas fundamentais para este trabalho. Uma das coisas que quis fazer, desde o início, era um filme do ponto de vista musical. Andava à procura dos registos musicalmente mais ricos porque o objectivo sempre foi o de fazer um filme sem voz off e só com entrevistas a mostrar apenas os protagonistas. São 56 minutos só de música. As únicas legendas que existem são apenas referentes aos instrumentos que estão a tocar, como ritmos e, muitas vezes, nem é música. A música tradicional portuguesa sempre foi muito rica e sempre teve outras formas de se exprimir musicalmente. Qualquer coisa basta para criar ritmos. Se racharmos uma cana conseguimos produzir sons.


C.P. - Quando é que foi para o terreno e como correu a recolha destes registos musicais?
T.P. - Comecei a trabalhar no filme a 7 de Março deste ano. Desde aí até ao dia 2 de Maio estivemos sempre a filmar, sendo que eu ia montando o filme ao mesmo tempo.

C.P. - Percorreu o país todo?
T.P. - Sim, à excepção da Estremadura que, por várias razões, não foi possível recolher registos, percorremos todo o território. Estivemos no Funchal e Porto Santo e nos Açores passámos em quatro ilhas: Pico, Faial, Terceira e São Jorge.

C.P. - No terreno o Portugal musical que encontrou foi uma surpresa pela positiva?
T.P. - Começo por dizer que, por exemplo, quando vamos ver o «Povo que Canta», de Michel Giacometti, filmado nos anos de 1970, vemos pessoas novas a cantar. O que encontramos no terreno foi novamente isso. De repente chegarmos a Miranda do Douro, por exemplo, e gravamos um grupo de 40 meninos, com idades entre os 8 e 11 anos, a cantar em mirandês e a tocar pandeiros. Ou chegar à Madeira e acontecer o mesmo com as violas de arame. Eu tinha noção que não eram só os velhos que ainda mantinham estas tradições, e a verdade é que comprovei que os jovens continuam a estar presentes.


«Portugueses desconhecem o país que têm»:

C.P. - Que diferenças encontrou em termos de registos orais entre as várias regiões?
T.P. - Há uma certa ilusão que vem do Estado Novo, muito pela divisão regionalista feita por António Ferro, de que há características que diferem de uma aldeia para a outra. Recordo que as pessoas sempre tiveram migrações de trabalho na época do Fascismo e levavam as músicas de um lado para o outro. Mas é verdade que há registos que, sabemos, são característicos de determinadas regiões: sabemos que temos gaitas galegas no Minho, gaitas mirandesas em Trás-os-Montes, os adufes na Beira Baixa, as violas de campaniças no Alentejo e amarantinas no Alto Douro, as braguesas no Minho, as violas da terra nos Açores ou as violas de arame na Madeira. Contudo, a riqueza é imensa porque o país também tem esta grande multiculturalidade e tão rico nestas tradições. O engraçado deste filme é as pessoas verem estes 56 minutos, do princípio ao fim, e questionarem-se como pode haver tanta coisa ainda que nos caracteriza como povo. Mas eu pergunto: como é que nós desconhecemos o país que temos? E eu não falo apenas em termos musicais. Os portugueses desconhecem o país que têm.

C.P. - Como avalia a forma como tem sido valorizado este património em Portugal?
T.P. - Muito mal. Se o património material está a cair, o imaterial está pior ainda, tem sido muito maltratado. Portugal não tem auto-estima e não é só na música. A música portuguesa não gosta dela própria, tal como a cultura não gosta dela própria. As pessoas não vêem as riquezas. Continuamos sem um programa de televisão, por exemplo, que fale sobre as nossas tradições e as memórias musicais. Isto, de certa forma, tem a ver com um certo preconceito rural que ainda existe em Portugal.


C.P. - Onde vai encontrar as explicações para esse preconceito que refere?
T.P. - Porque as pessoas acham que tudo o que vem do mundo rural é sinónimo de ultrapassado. E isso é triste. É fundamental mostrar estas riquezas porque um dia vão morrer e não as conheceremos. Já basta a crise económica, não podemos alimentar mais uma crise identitária que, como sabemos, não é de agora.

C.P. - Que efeito espera que o «Sinfonia Imaterial» produza?
T.P. - Não sei. Há muitos anos que tento fazer algo pela memória e sei que a coisa morre. A questão da música tradicional ainda tratada por poucos. O que espero é que as pessoas consigam fazer uma consciencialização pessoal e depois colectiva no sentido de perceberem o que está em causa e do que se pode perder se nada for feito.

C.P. – A estreia está marcada para o dia 17 de Maio no Teatro da Trindade, em Lisboa e será exibido no Cinema City Alvalade, de 26 de Maio a 1 de Junho. Irá passar por mais salas no país?
T.P . - O filme vai também passar dia 28 de Junho no Museu do Côa mas o objectivo é que percorra o país todo. Porque é isso que faz sentido. [nós estamos a cumprir a nossa parte :)]

(daqui)

SINFONIA IMATERIAL - Trailer from Tiago Pereira on Vimeo.


Portugal, 2011, 56'
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