DIA 28 "BARBARA", Christian Petzold, Alemanha, 2010, 105’
FICHA
TÉCNICA
Realização e Argumento:
Christian Petzold
Fotografia: Hans Fromm
BVK
Montagem: Bettina
Böhler
Música: Stefan Will
Interpretação: Nina
Hoss, Ronald Zehrfeld, Jasna Fritzi Bauer, Mark Waschke, Rainer Bock
Origem:
Alemanha
Ano:
2012
Duração:
105’
SINOPSE
1980. Alemanha
Oriental. Barbara é uma pediatra transferida de Berlim para o hospital de uma
cidade remota e isolada como represália por ter tentado emigrar para o lado
Ocidental do país, onde se encontra o namorado. O novo apartamento, os novos
vizinhos, o Verão e o campo não significam nada para Barbara. No trabalho é
atenciosa mas distante, seguindo as indicações do responsável do Hospital, André.
Mas o médico deixa-a confusa. Ele deposita confiança nas suas capacidades
profissionais, é carinhoso e o seu sorriso revela um homem apaixonado. Mas será
este médico apenas um espião contratado para seguir os seus passos e revelá-los
às autoridades?
NOTA DE INTENÇÕES
Nos
filmes recentes, a Alemanha do Leste tem surgido frequentemente de forma bastante
pálida. Sem cores, sem vento, apenas o cinzento das passagens fronteiriças e as
caras cansadas, muito parecidas com as dos passageiros de olhos turvos na zona
de descanso da estação ferroviária de Gera.
Não
queríamos filmar um retrato de uma nação oprimida e depois justapô-la com o amor
como sendo uma força pura, inocente e libertadora. Não queríamos nenhuns símbolos.
Acaba-se sempre por descodificar tudo e o que sobra é aquilo que já sabíamos
desde o início.
Vimos
muitos filmes durante o processo de preparação. Um dos filmes que mais nos impressionou
foi “Ter ou Não Ter”, de Howard Hawks. Bacall e Bogart, dois amantes de olho um
no outro (de forma suspeita), que enganam e mentem, rodeados pela polícia secreta
e constantemente forçados a falar nas entrelinhas. Por mais estranho que pareça,
eles conseguem lidar com a situação e até se divertem a observar como o outro o
faz: a elegância, a inteligência, as precisas escaramuças dos seus diálogos,
como se estivessem aparentemente inflamados pelo mundo controlado e censurado
que os cerca. Podemos ver claramente como as circunstâncias conseguem produzir
novos tipos de pessoas que beijam, falam e olham de forma diferente. Outro
filme que nos impressionou foi “O Mercador das Quatro Estações”, de Fassbinder.
A Alemanha do Leste dos anos 1950 está tão presente neste filme: na janela traseira
divida de uma VW Bully, no vazio ressoante de um quintal desprotegido, nos reduzidos
limites de uma cozinha em Formica. Nunca é apenas um cenário, mas sim uma
experiência espacial onde as pessoas amam, discutem e se tornam silenciosas. E esta
atmosfera carregada de afecto, discussões e silêncio cola-se a tudo e permanece
no ar e nas paredes. O passado nunca passa mas prolonga-se pelo presente.
Quisemos
captar esse espaço específico entre pessoas, com tudo aquilo que as formou, tudo
o que as tornou tão desconfiadas, tudo aquilo em que acreditam, que rejeitam e aceitam.
Durante
os ensaios, uma das actrizes, que também tentou deixar a Alemanha de Leste no
final dos anos 70, usando a desculpa de uma digressão de teatro na parte
ocidental, contou como aceitou convites para jantar mesmo sabendo que não iria
estar presente. Ela estaria longe, para sempre. É esta terrível solidão que perdura,
porque nunca regressaremos e a vida que tínhamos desaparecerá… Como na famosa
frase de Anna Segher: “Quando perdemos o passado, não teremos um futuro”. Ela
ainda acredita nisso até aos dias de hoje.
(Christian
Petzold)
TRAILER
CRÍTICA
É bem verdade que vão longe os tempos em
que nomes como Rainer Werner Fassbinder, Wim Wenders ou Volker Schlondorff
mantinham a cinematografia alemã na linha da
frente de muitos mercados, incluindo Portugal. Os filmes das gerações mais
novas de cineastas da Alemanha, nomeadamente depois da Queda do Muro de Berlim,
passaram a ter uma presença irregular entre nós, a ponto de podermos dizer que
o espectador comum sabe identificar a chanceler Angela Merkel mas terá, por
certo, muitas dificuldades em citar algum dos autores que, hoje em dia, definem
a produção cinematográfica alemã.
Barbara, de Christian
Petzold, é um exemplo recente dessa produção, distinguido no Festival de Berlim
de 2012 com o Urso de Prata de melhor realização (foi também o candidato alemão
ao Oscar de melhor filme estrangeiro, mas ficou fora das nomeações). Aliás, neste
contexto, Petzold constitui uma relativa excepção, já queBarbara é
o terceiro título da sua filmografia a conseguir estrear nas salas portuguesas:
o primeiro foi Yella (2007), retrato íntimo de uma mulher que
tentava superar o fim do seu casamento, mudando de emprego e também de cidade;
o segundo, Jerichow (2008), colocava em cena algumas tensões
sociais contemporâneas, através de uma adaptação muito livre do romance O
Carteiro Toca Sempre Duas Vezes, de James M. Cain.
Ponto comum a todos estes filmes é a
presença da actriz Nina Hoss. Em Barbara, uma vez
mais, ela assume uma figura algo perdida no cruzamento das opções individuais e
das forças colectivas. Trata-se de evocar o contexto muito preciso da República
Democrática da Alemanha, algures nos anos 80, com todos os mecanismos de
“suave” repressão a condicionar o dia a dia dos cidadãos: Barbara (Hoss) é uma
médica pediatra vigiada pelas autoridades policiais a partir do momento em que preencheu
um documento, “oficializando” a sua vontade de sair do país; compelida a
aceitar um lugar no hospital de uma pequena cidade do Báltico, a sua existência
passa a ser um bizarro jogo do gato e do rato com as autoridades...
O maior trunfo do trabalho de Petzold
continua a ser a metódica descrição das condições sociais de existência.
Resistindo a generalizações mais ou menos sociológicas, apoiando-se sempre numa
elaborada direcção de actores, ele constrói narrativas que não serão estranhas
a um certo impulso realista cujas marcas podemos detectar em diversas zonas do
mais recente cinema europeu (lembremos o caso deReality, do italiano Matteo
Garrone). O facto de Barbara ter como pano de fundo a Alemanha
de Leste, corresponde também a uma necessidade de releitura dos tempos da
Guerra Fria, presente não apenas no cinema, mas também nas mais diversas formas
de intervenção artística na Alemanha dos nossos dias. No plano estritamente
cinematográfico, Barbara reflecte a mesma exigência de um
olhar crítico sobre a história que marcava As Vidas dos Outros, de
Florian Henckel von Donnersmarck, este distinguido com o Oscar de melhor filme
estrangeiro referente a 2006.
João Lopes , http://sound--vision.blogspot.pt/search?q=barbara