Maio/Junho começa com: É O AMOR, João Canijo (2013) 21:30|IPDJ



DIA 7 DE MAIO, É O AMOR, João Canijo, Portugal, 2013, 135’


FICHA TÉCNICA
Realização: João Canijo
Argumento: Anabela Moreira, João Canijo
Montagem: João Braz
Interpretação: Anabela Moreira, Sónia Nunes, Cassilda Pontes, Paula Saraiva, Francisco Torrão, Francisquinho
Origem: Portugal
Ano: 2013
Duração: 135’


SINOPSE
Em Caxinas, freguesia de pescadores em Vila do Conde, cidade do Norte de Portugal, a relação entre a mulher e o pescador funda-se numa confiança vital, numa dependência recíproca e total para a sobrevivência da família. Porque a mulher confia e depende do pescador para ganhar a vida, e o pescador confia e depende da mulher para governar a vida. Neste filme acompanhamos um grupo de mulheres das Caxinas no seu dia-a-dia, no trabalho quotidiano e com a família. Com a ajuda de uma actriz que se torna mais uma entre as mulheres das Caxinas.

NOTA DE INTENÇÕES
«A mulher das Caxinas é um modelo da portuguesa moderna. Esta afirmação contradiz a imagem tradicional de uma peixeira enlutada do Norte de Portugal. Mas foi isso o que descobrimos durante a investigação para este filme. E foi isso que nos encantou. A força romântica e vital daquelas mulheres, capazes de amar e lutar pela vida - delas e dos maridos -, fez com que se lhes dedicasse um filme.
E este filme é sobre duas mulheres que têm duas maneiras muito diferentes de corresponder à confiança que lhes é dada e pedida. Porque, para além do retrato das mulheres das Caxinas, este é um filme sobre uma amizade que nasce entre duas mulheres muito diferentes: a mestra Sónia e a actriz Anabela.
Sónia é a mestra escolhida para protagonizar o filme, Anabela é a actriz que se infiltra no seu meio para descobrir uma personagem das Caxinas.»
João Canijo

TRAILER



CRÍTICA
Fazem do mar o sustento de uma vida passada em terra a governar a família. São as mulheres de Caxinas, filmadas pelo realizador João Canijo com a cumplicidade e entrega da atriz Anabela Moreira.
O filme “É o Amor” foi feito a partir do material que sobrou da curta-metragem “Obrigação”, encomendada a João Canijo pelo Festival de Vila Do Conde, filmada nas Caxinas, terra de pescadores e de mulheres que tomam conta do negócio e do coração deles.
O realizador admite que um dia nas Caxinas bastou para descobrir o sentido do filme, que seria sobre a confiança que aquelas mulheres depositam nos maridos e que eles devolvem deixando-as em terra a governar-lhes a vida.
 
Junto destas mulheres, João Canijo colocou a atriz Ana Moreira, num trabalho de pesquisa ao longo de dois meses, à procura de uma personagem que fizesse parte do mundo das caxineiras. Depois João Canijo filmou a rotina do grupo sob orientação da actriz e tentando não interferir.
Para Anabela Moreira foi a confirmação de que já só faz sentido trabalhar desta forma.
 
Depois de filmes como "Noite Escura", "Mal Nascida" ou "Sangue do Meu Sangue", todos assinados por João Canijo, e que passaram por processos de investigação semelhante, a atriz já se converteu a esta experiência de mergulhar na realidade para encontrar personagens.
João Canijo reforça a ideia, dizendo que cada vez mais considera que a direcção de actores não existe e que o cinema que faz pretende confundir o ator com a personagem.
O realizador rejeita também a ideia da necessidade de catalogar o filme, porque pertence a um território feito da realidade das mulheres de Caxinas, com uma actriz infiltrada que vem à procura de material para a ficção. O filme coloca Anabela Moreira entre aquelas mulheres, na rotina em torno do peixe, das idas para o mar e do amor a que se entregam.
É daí que vem o título "É o Amor”" sentimento vincado em cada uma das caxineiras e nos versos de uma canção romântica que ouvem repetidamente nas viagens de carrinha entre casa e o trabalho.

Anabela Moreira transforma-se numa destas mulheres, mas nunca deixa de ser a actriz que questiona como elas conseguem a confiança de saberem o que querem e como querem a vida. Uma atriz em processo de investigação, à descoberta da personagem que ainda não tem filme.
João Canijo quer voltar às Caxinas para filmar uma ficção. Mas para já, sabe apenas que o próximo filme poderá ser sobre um grupo de mulheres em peregrinação a Fátima, uma ideia amadurecida com as caxineiras.

Lara Marques Pereira, http://www.rtp.pt/cinemax/
 


ENTREVISTA A JOÃO CANIJO E A ANABELA MOREIRA.
As ventosas escorregam pelas caixas repletas de polvo, passeiam-se os aventais, fazem-se redes a cantar o fado. Tudo acontece nas Caxinas, em Vila do Conde, e as mulheres que vivem do mar são as musas inspiradoras. Conhecemos uma delas, Sónia, através de Anabela Moreira, a actriz que procura um personagem. Com João Canijo escreveu esta história, chamam-lhe “uma espécie de documentário”. “É o Amor” (sexta-feira às 21h30 na Culturgest) chega depois do premiado “Sangue do Meu Sangue”, também com Anabela. Os mais de dez anos de convivência trouxeram estes dois até aqui.
 É uma experiência, documentário, ficção. Como classificariam este filme?
Anabela Moreira - Estou a fazer de uma actriz que está a pesquisar um personagem para fazer um filme em que ela será uma mestra. Já por si é uma premissa ficcional porque não existe nenhum papel de mestra para eu fazer.
Mas também se chama Anabela.
A. M. - Sim, e nem poderia ser de outra forma. Também tem a ver com a confiança que estabeleci com elas. Não poderia estar a mentir-lhes numa coisa tão básica como o meu nome. É a Anabela que está ali, sendo que eu estou a meio processo da criação: aquela forma de andar, de vestir, de gesticular, é uma tentativa minha de criar aquela personagem. Já não sou eu, não é uma personagem, é um híbrido. Aquilo no fundo é um processo para que o João consiga filmar a Sónia. Manipulo mais ou menos as situações, introduzo os temas.
Tudo começou com uma curta.
J. C. - Começou com um convite, um desafio do Festival de Vila do Conde por causa dos 20 anos. Seria uma curta feita com uma equipa técnica de alunos de cinema e sugeriram-me que fosse em Caxinas. Claro que mal começámos a filmar, e mesmo antes quando vi o que a Anabela foi filmando, percebi logo que íamos ter material para uma longa. Mas fizemos a versão curta que tinha uma data para passar. E depois com o tempo normal de montagem e de finalização do som fizemos uma longa.
E o João convidou a Anabela.
J. C. - No primeiro dia em Caxinas, percebi que o filme seria sobre as caxineiras, as mulheres dos pescadores. E que seria um filme sobre a confiança e a confiança no amor. Porque se os homens ganham a vida, são as mulheres que a governam. E logo aí decidi que para conseguir penetrar na vida daquelas mulheres precisava de uma infiltrada. O que não sabia é que a infiltrada além do jeito e da predisposição para se infiltrar também sabia filmar. No filme há pelo menos uma sequência que é toda realizada pela Anabela.
A. M. - Quando iniciámos o projecto existia a ideia de fazer uma ficção. Acontece que os assuntos devem ser estudados até à exaustão e o João não tinha esse tempo. Decidimos procurar o que são as Caxinas e aí joga a ideia do estágio e de fazer o filme assim.
Como escolheram a personagem principal?
J. C. - Antes do estágio houve um casting, já com a Anabela, entrevistámos pelo menos umas 15 mestras. A Sónia, acho que foi a penúltima e uma escolha praticamente evidente.
Estas mulheres percebiam o que vocês estavam ali a fazer?
A. M. - Elas não deram assim tanta importância.
O que não deixa de ser bom.
A. M. - É óptimo, é maravilhoso. Por isso é que às vezes o actor, ao ser uma figura pública, pode destruir um bocadinho o processo. Às tantas já estava lá quando houve a nomeação do João e a minha para os Globos e foi como se de repente eles se tivessem apercebido: “Espera aí, ela é uma actriz mesmo a sério e ele é o João Canijo”. Mas a Anabela era a Anabela, não tinha qualquer importância. Portanto fui recebida como uma amiga. Obviamente que queria explorar alguns temas, não lhe podia contar coisas da minha vida, o quanto já fui amada ou as experiências que já tive no amor. Porque queria retirar dela determinadas coisas e para o conseguir tinha de ser um bocadinho o oposto. Obviamente que parti de mim própria, questões minhas, mas acho que são universais, todos nós sentimos.
Sabiam que representava um papel?
A. M. - Não me puseram em causa. Aliás, ninguém o faz. Todos nós temos papéis que representamos na nossa vida, sou uma coisa em casa ao pé do meu pai, sou outra com o meu namorado, se calhar outra quando estou sozinha. Tinha um papel e um objectivo, tinha de agir de acordo com isso. Não fui completamente falsa, fui criando um personagem através dela. Respondia a isso com igualdade, nunca censurando.
Quanto tempo passou lá?
A. M. - Mês e meio. Tentava passar o máximo de tempo com ela. E fazia a “obrigação”, como chamam ao trabalho. Ia todos os dias para a lota, era uma delas com a diferença que trazia uma câmara de filmar comigo. Expliquei-lhes que aquilo não servia para nada, que era só para registo. Quando o João ia ter comigo eu parecia uma criança dizia: “Olha, olha, hoje aconteceu isto, aquilo”. Só quando vi o filme montado é que percebi o que era, não me preocupei com o processo. É uma forma diferente de fazer um documentário. É utilizar uma actriz para aprofundar o conhecimento daquela pessoa. Ontem alguém disse que ela era uma mulher que intimidava.
Uma mulher do norte.
A. M. - Pois, talvez. É uma mulher cheia de garra. Aliás, ela gostava que o filme se tivesse chamado “Mulheres de Rasgo”.
E quando o João chegou com a equipa não se assustaram?
J. C. - Não porque a equipa tinha uma vantagem muito grande, que era tudo canalhada, como se diz no norte. Portanto elas não lhes deram importância absolutamente nenhuma.
A primeira vez que trabalharam juntos foi já há uma década no “Noite Escura”.
A. M. - Ele quis arriscar porque ficou sem uma das raparigas que ia fazer de alternadeira.
J. C. - Não, eu não fiquei sem nada. Foste mesmo convidada para puta.
A. M. - O João apostou em mim e sei que falhei tremendamente naquele filme.
Porquê?
A. M. - Não me consegui colocar na situação, nem esquecer que ele me estava a dar uma oportunidade ou que a Rita Blanco, maravilhosa, tinha de repetir uma cena 28 vezes porque eu não conseguia. Claro que ele também tinha problemas com as calhas e os movimentos, mas na minha cabeça só pensava que era por minha causa. Cada um tem a sua maneira de chegar às coisas, eu preciso de desvalorizar os processos. Foi acontecendo naturalmente, o João não desistiu logo de mim. Mais tarde estava a fazer o “Mal Nascida” para a Rita [Blanco] e decidiu convidar-me quando a Rita não o pôde fazer. Estávamos a três meses de ir filmar para Boticas. Voltei a sentir um peso enorme. É engraçado, porque dez anos depois desta colaboração fui permitindo-me a aceitar que o erro é natural e fui-me divertindo cada vez mais. Neste momento sinto-me completamente à vontade.
Que coisas descobriram do amor?
A. M. - No outro dia dei esta reposta e disseram-me que era uma frase feita, mas não é. O amor é um sentimento tão universal quanto particular. Há muitas ideias do que é suposto ser mas depois cada pessoa o vivência de uma forma diferente. E existem vários níveis de amor e várias formas de amar. E muitas vezes não é o que é suposto ser. É um sentimento egoísta e perturbado na sua essência. Narcísico. Eu sei que amo alguém quando me preocupo tanto com aquela pessoa quanto me preocupo comigo. Mas isto não define o que é o amor, é um sintoma.
J. C. - O título não é a definição do que “É o amor”. É: aquelas coisas acontecem por causa do amor. Como é o verso do Zezé di Camargo?
A. M. - [a cantarolar] “É o amor, que faz pensar em você e esquecer de mim”.
J. C. - Pronto, é esta a reposta.
O quotidiano continua a ser o maior poço de histórias?
J. C. - Sim. Cada vez mais estou convencido disso.
Podemos esperar mais incursões neste género?
J. C. - Foi uma razão pela qual aceitei este desafio, porque achei que podia ser uma boa preparação para o próximo filme.
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