DIA 18 DE MARÇO
CHINA – UM TOQUE DE PECADO, Zhangke Jia, China,
2013, 133’, M/16
FICHA TÉCNICA
Título Original: Tian Zhu Ding
Realização: Zhangke
Jia
Argumento: Zhangke Jia
Montagem:
Interpretação: Wu Jian, Lanshan Luo, Li Me
Origem: China
Duração: 133’
2013
SINOPSE
Um mineiro revoltado luta contra a
corrupção dos líderes da sua aldeia. Um homem regressa a casa na véspera de ano
novo e descobre as infinitas possibilidades de uma arma de fogo. Uma bela
rececionista numa sauna é levada ao limite quando é assediada por um cliente
rico. Um jovem trabalhador fabril salta de trabalho em trabalho à procura de
uma vida melhor. Quatro pessoas, quatro províncias da China. Uma reflexão sobre
a China contemporânea: um gigante económico que lentamente vai sendo minado
pela violência.
TRAILER
CRÍTICA
Jia nunca foi tão
desesperado e nunca escolheu tão decididamente dar o passo que vai da
melancolia à amargura
Bastam alguns minutos, até aos
assassínios a sangue frio no final da primeira cena, para o espectador sentir
que não está no território em que esperaria estar tratando-se de um filme de
Jia Zhang-Ke. Mas embora a violência não pare, e até ao fim haja ainda uma boa
porção de mais assassínios a sangue frio, mais tiroteios, facadas, cabeças
partidas à pázada, o percurso do espectador faz-se em crescente reconhecimento.
Não, afinal isto é mesmo o território de Jia Zhang-Ke: aquela China que vem
filmando há anos, semi-rural semi-urbana, apanhada no entroncamento entre o
comunismo autoritário e o capitalismo desregulado. E a violência cumpre um
papel, estilístico em primeiro lugar (porque há uma vénia, logo no título a
citar um “clássico” de King Hu, aos velhos filmes de acção de Taiwan e de Hong
Kong), mas fundamentalmente político: o “histrionismo” das cenas de pancadaria
e carnificina não é mais do que a expressão, “grandguignolesca” quanto baste,
de uma violência latente na China contemporânea, uma violência exercida pelo
poder mas uma violência que é também a única arma dos fracos e dos
injustiçados. Um Toque de Pecado é a versão Jia do aforismo de Brecht citado
por Straub/Huillet no título de Nicht Versohnt/Não Reconciliados: “onde a
violência reina, só a violência ajuda”. Não admira, pois, que também abundem a
tristeza e as lágrimas, e que seja em lágrimas que o filme se conclua.
Um Toque de Pecado organiza-se em
quatro histórias, que passam de uma a outra sem separador, e uma “coda” que
retoma a protagonista de uma das histórias e lembranças das outras. O “fundo” -
o cenário ou o território - conta tanto como as intrigas, é pelo diálogo entre
uma coisa e outra que ambas ganham sentido. Aldeias ou centros urbanos,
carripanas obsoletas ou Maseratis último modelo, estradas de terra ou modernos
comboios super-rápidos (que se estampam), camponeses, operários, pequenos
funcionários municipais, ladrõezecos, prostitutas. Na sua maneira de filmar a
“envolvência” não estamos longe do olhar semi-documental sobre a China mutante,
onde o “novo” engole o “velho” (que no entanto persiste), característico do
melhor Jia (o de Plataforma, o de Still Life, o de 24 City), e como
frequentemente sucede nesses casos, essa “envolvência” tende a tornar-se o
verdadeiro, e colectivo, protagonista do filme. Não por acaso, as personagens
são amiúde confrontadas com ecos de uma China tradicional, longínqua, sem data
- o teatro popular, as canções, os divertimentos circenses. Ou com o folclore
comunista transformado em atracção turística, como no quase burlesco “hotel” em
que se passa parte da quarta história, onde as “acompanhantes” se mascaram de
guardas maoístas.
Essa quarta história, que se conclui
com um suicídio filmado como se Jia tivesse na cabeça a morte do miúdo
protagonista do Alemanha Ano Zero de Rossellini, é a mais triste e desesperada
de todas, porque mostra uma juventude a quem foi removida a capacidade de
esperança em qualquer coisa que não seja uma espécie de escravidão (uma cena
numa fábrica, ainda nessa história, já dissera tudo o que Jia tem a dizer sobre
o modelo laboral chinês). Não há um lugar para ninguém, e talvez por isso todas
as personagens se fartem de vaguear, de andar de cidade em cidade. Jia nunca
foi tão desesperado, e nunca, nem mesmo em Plataforma, escolheu tão
decididamente dar o passo que vai da melancolia à amargura. É um retrato
devastador da China o que ele aqui nos propõe; mas, amargura nossa que depois
não nos larga, fica-se a pensar: esta devastação é só chinesa?...
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