DIA 11 DE MARÇO
CISNE, Teresa Villaverde, Portugal, 2011,
103’, M/12
FICHA TÉCNICA
Título Original: Cisne
Realização: Teresa Villaverde
Argumento: Teresa Villaverde
Som: Vasco Pimentel
Montagem: Andrée Davanture
Interpretação: Interpretação: Beatriz Batarda, Miguel Nunes, Israel Pimenta, Sérgio
Fernandes, Rita Loureiro
Origem: Portugal
Duração: 103’
2011
M/12
SINOPSE
Sexta longa-metragem da realizadora, estreada no Festival de
Veneza, Cisne é
dedicado por Teresa Villaverde “às crianças”. Mas a história gira em torno de
uma mulher adulta, uma cantora que deambula por Lisboa, onde se cruza com
outras personagens, que, como ela, vivem noites de insónia. A certa altura, uma
criança comete um ato irreparável e a mulher decide salvá-la. Um filme que
encara a hipótese da salvação, o que não é frequentemente o caso nos filmes de
Villaverde.
TRAILER
CRÍTICA
O novo filme de Teresa Villaverde é um
encontro magnífico entre uma realizadora e uma actriz em perfeita sintonia,
ancorando um filme que sugere uma inflexão no rumo do seu cinema
Um filme de Teresa Villaverde é sempre um desafio - ao longo da sua obra muito espaçada ("Cisne" é apenas a sexta longa em 20 anos), a realizadora tem desenvolvido um universo profundamente pessoal e intransmissível, uma espécie de cinema do inconsciente que se pode ver como exorcismo, catarse, libertação, busca, tentativa de compreender o mundo em que vivemos e o modo como as suas personagens sempre no fio da navalha enfrentam os obstáculos que ele lhes coloca.
Um filme de Teresa Villaverde é sempre um desafio - ao longo da sua obra muito espaçada ("Cisne" é apenas a sexta longa em 20 anos), a realizadora tem desenvolvido um universo profundamente pessoal e intransmissível, uma espécie de cinema do inconsciente que se pode ver como exorcismo, catarse, libertação, busca, tentativa de compreender o mundo em que vivemos e o modo como as suas personagens sempre no fio da navalha enfrentam os obstáculos que ele lhes coloca.
"Cisne", história de uma cantora
apaixonada por um músico que ela só consegue amar à distância e adorada por um
jovem abandonado pela sua mãe, meditação sobre o amor e a família marcada pela
intensidade oblíqua da sua narrativa poética, começa por trazer uma grande
novidade ao cinema de Teresa Villaverde: uma actriz. Uma actriz que, à imagem
de Ana Moreira, Maria de Medeiros ou Galatea Ranzi em filmes anteriores, se
entrega por inteiro ao seu papel com um abandono impressionante mas que, muito
mais do que qualquer delas, consegue uma osmose tão perfeita com o universo da
realizadora que quase se diria serem uma e a mesma pessoa. Não poderia haver
melhor escolha do que Beatriz Batarda para esta Vera, mulher que se diz sem
medo mas que se vê confrontada com um mundo que não se conforma nem se encaixa
na sua imagem e no seu desejo (não por acaso, ela é artista, cantora... e é difícil
não vermos Vera/Beatriz como um "duplo" de Teresa, uma personagem que
diz muito sobre quem a criou quase sem que nos demos conta disso).
Vera é uma solitária sem família que, pelo
fim do filme, encontrou nos outros um semblante de paz - e essa é também outra
novidade de "Cisne": o modo como Vera/Beatriz se dirige para um
futuro de esperança que o inferno dos filmes anteriores não garantia
forçosamente, como se houvesse ao virar da esquina um conforto e uma calmaria
longamente desejadas e longamente merecidas. Tudo isto contado no modo
não-linear a que Teresa Villaverde nos habituou, "maculado" por uma
trama secundária que envolve meninos de rua e sugestões de pedofilia,
trabalhando um tema recorrente no cinema da realizadora (a inocência perdida),
mas aqui insuficientemente desenvolvido e quase metido a ferros num filme que é
muito mais sobre uma mulher que se procura sem saber como se encontrar.
Sente-se que "Cisne" é um filme de "transição", um objecto
"entre", um passo aquém do grande filme de que o seu talento é capaz
- mas um grande passo em frente.
Jorge
Mourinha, Ípsilon
ENTREVISTA
COM A REALIZADORA
Há rótulos tão pegajosos como moscas
numa tarde de Verão. E que, mesmo depois de enxotadas, voltam, e pousam, e
insistem, teimam, repisam e irritam. Não é que a nova longa-metragem de Teresa
Villaverde, Cisne (estreia-se quinta, dia 8, depois de passar pelo Festival de
Veneza, dia 6) não detenha alguma atenção sobre elas, as moscas, a dada altura
do filme, mas neste caso, estes insectos inoportunos vêm mais a propósito das
ideias que depois de feitas dificilmente se desfazem. Por isso fica aqui, uma
espécie de post-it logo à cabeça desta entrevista, para fixar, de vez, a
advertência que a realizadora passa o tempo a fazer. Não, Vera (Beatriz
Batarda), a protagonista do filme, não é uma fadista. Canta descalça, com voz
de fadista (Ana Moura), às vezes fecha os olhos como as fadistas - mas, repete
Teresa, "Vera não é fadista". Pode ser noctívaga, insone, padecer de
saudades, nostalgias, amores emaranhados e chorar lágrimas de sangue mas
"não é fadista". Portanto, ficamos entendidos, albarde-se a
personagem à vontade do dono, e "Vera não é fadista". Nem há fado nem
cisne, um pássaro presente nas mitologias e cosmologias de todo o mundo,
carregado de simbologias, o grande pato branco, tão lunar quanto feminino - mas
mudo. Aliás, num filme povoado por animais, perdizes, galinhas, um pavão,
caranguejos, um coelho, uma cadelinha bebé, o único que não comparece é o dá
título ao filme.
VISÃO: O seu filme chama-se Cisne mas só fala de patinhos feios: personagens perdidas, errantes e solitárias, filhos rejeitados pelas mães, uma mulher com nanismo...
TERESA VILLAVERDE: É curioso, mas não vejo nada assim. Talvez possa concordar que todos são um pouco solitários, mas associo mais essa solidão à própria liberdade de que precisam. E pessoas errantes podem ser cisnes. Não sabemos como acaba a história do filho com a mãe. A mulher pequena é uma anã, é bonita e sente-se bem no seu corpo.
Já disse que Cisne é um filme "sobre amor, justiça e música" - só que o amor é inexequível ou uma perversidade, a justiça é sangrenta e praticada pelas próprias mãos e a música não redime nem salva... Parece que nada funciona, nem os conceitos que são, à partida, benignos...
VISÃO: O seu filme chama-se Cisne mas só fala de patinhos feios: personagens perdidas, errantes e solitárias, filhos rejeitados pelas mães, uma mulher com nanismo...
TERESA VILLAVERDE: É curioso, mas não vejo nada assim. Talvez possa concordar que todos são um pouco solitários, mas associo mais essa solidão à própria liberdade de que precisam. E pessoas errantes podem ser cisnes. Não sabemos como acaba a história do filho com a mãe. A mulher pequena é uma anã, é bonita e sente-se bem no seu corpo.
Já disse que Cisne é um filme "sobre amor, justiça e música" - só que o amor é inexequível ou uma perversidade, a justiça é sangrenta e praticada pelas próprias mãos e a música não redime nem salva... Parece que nada funciona, nem os conceitos que são, à partida, benignos...
Os amores neste filme são amores
difíceis, não são inexequíveis. São amores que ficam inteiros mesmo com imensas
dificuldades. Amor perverso, não sei o que é, presumo que se esteja a referir à
pedofilia, mas isso não tem nada que ver com amor, acho mais oposto ao amor do
que o ódio, o ódio é que pode, por momentos, ser uma espécie de amor, talvez. A
pedofilia está sempre ligada à destruição, e o amor (mesmo o inexequível),
vejo-o sempre ligado à construção. Há de facto um momento de justiça pelas
próprias mãos, embora não seja óbvio se a criança se está a vingar a si ou às
outras crianças. Não muda muito, mas muda alguma coisa. É um momento de
libertação assistido por um cisne mudo, como são mudos todos os cisnes.
Quanto à música, ouvi-la ou compô-la é muito diferente do que tocá-la ou, neste caso, cantá-la em público. A apresentação em público é muitas vezes uma fonte de angústia. Há artistas que sentem que criam enquanto se apresentam em público, normalmente os grandes intérpretes, mas um compositor, uma cantora que componha, pode não sentir nada disso, e sentir um enorme vazio. Mas isso não tem que ver com a música em si. Há até, claro, casos muito conhecidos de enormes intérpretes que não viam a utilidade da apresentação em público, ao ponto de se recusarem e só gravarem em estúdio. Eu penso que também existem momentos complexos na vida em que um criador possa pensar que é possível atingir uma espécie de paz que dê a ilusão de que não é preciso criar mais. Imagino que seja sempre uma ilusão. Imagino que um criador não saiba parar de criar.
Então, se Vera [a não fadista] não é o cisne deste filme, quem é?
Quanto à música, ouvi-la ou compô-la é muito diferente do que tocá-la ou, neste caso, cantá-la em público. A apresentação em público é muitas vezes uma fonte de angústia. Há artistas que sentem que criam enquanto se apresentam em público, normalmente os grandes intérpretes, mas um compositor, uma cantora que componha, pode não sentir nada disso, e sentir um enorme vazio. Mas isso não tem que ver com a música em si. Há até, claro, casos muito conhecidos de enormes intérpretes que não viam a utilidade da apresentação em público, ao ponto de se recusarem e só gravarem em estúdio. Eu penso que também existem momentos complexos na vida em que um criador possa pensar que é possível atingir uma espécie de paz que dê a ilusão de que não é preciso criar mais. Imagino que seja sempre uma ilusão. Imagino que um criador não saiba parar de criar.
Então, se Vera [a não fadista] não é o cisne deste filme, quem é?
Eu acho que nenhuma das personagens é o
cisne. O cisne é uma testemunha muda do que se passa com eles. É um campo
magnético impresso numa parede. É perto do cisne que a criança age e é também
perto do cisne que a Vera pausa e talvez decida sobre o que fazer com ela
própria e com a criança.
O filme abre com uma cena violentíssima: pássaros a serem largados por mãos infantis para serem abatidos logo a seguir. Isto causa um desconforto, como se qualquer daquelas personagens tão frágeis que vagueiam por ali também estivessem prestes a ser abatidas a qualquer momento. A ideia era cria-se um ambiente de violência latente?
Sim, é um pouco como se fosse o manto do mundo. Todos os terrenos que pisamos, foram já pisados por outros. Penso muito nessas coisas. Sabe, acho que é muito importante ter tempo, quando só corremos esquecemo-nos de imensas coisas. Achei importante começar o filme assim. Gosto que a primeira frase que se ouve seja "está viva", é um rapaz que diz referindo-se a uma perdiz que não morreu com o tiro que a apanhou. O rapaz também participa na morte dos pássaros, mas naquele momento esquece-se disso, e fica do lado do pássaro.
À primeira vista, Cisne parece ter uma temática mais adulta, depois de os Mutantes (sobre miúdos abandonados) e de Transe (sobre o tráfico de uma rapariga), mas continua muito presa ao imaginário das crianças e a ecos das suas anteriores obras. Além de dedicar o filme "às crianças", Cisne está povoado de um referencial infantil. Até os adultos parece que não cresceram, são imaturos, não aprenderam as coisas da vida, a amar-se, etc...
O filme abre com uma cena violentíssima: pássaros a serem largados por mãos infantis para serem abatidos logo a seguir. Isto causa um desconforto, como se qualquer daquelas personagens tão frágeis que vagueiam por ali também estivessem prestes a ser abatidas a qualquer momento. A ideia era cria-se um ambiente de violência latente?
Sim, é um pouco como se fosse o manto do mundo. Todos os terrenos que pisamos, foram já pisados por outros. Penso muito nessas coisas. Sabe, acho que é muito importante ter tempo, quando só corremos esquecemo-nos de imensas coisas. Achei importante começar o filme assim. Gosto que a primeira frase que se ouve seja "está viva", é um rapaz que diz referindo-se a uma perdiz que não morreu com o tiro que a apanhou. O rapaz também participa na morte dos pássaros, mas naquele momento esquece-se disso, e fica do lado do pássaro.
À primeira vista, Cisne parece ter uma temática mais adulta, depois de os Mutantes (sobre miúdos abandonados) e de Transe (sobre o tráfico de uma rapariga), mas continua muito presa ao imaginário das crianças e a ecos das suas anteriores obras. Além de dedicar o filme "às crianças", Cisne está povoado de um referencial infantil. Até os adultos parece que não cresceram, são imaturos, não aprenderam as coisas da vida, a amar-se, etc...
Não tenho ainda distância suficiente para analisar o conjunto dos filmes que já
fiz, e não sou muito (nada) de rever os filmes, mas claro que reparo que alguns
temas são recorrentes, sou eu. Acho que as coisas vão mudando naturalmente.
Estou já bastante embrenhada na escrita do próximo e sinto uma grande
diferença, por exemplo, no tratamento das crianças. Mas voltando a este filme e
aos personagens, não os vejo imaturos, escolheram caminhos não comuns, talvez.
Não estão encarreirados no sentido comum de projectar um trilho e ir por ele a
fora, e não me parece que sintam a necessidade de andar lado a lado com um
grupo definido de pessoas, mas é uma escolha, não é o acaso. Acho que hoje há
muito uma coisa que para mim é estranha que tem que ver com os amores úteis, as
paixões úteis que nos fazem bem e que nos resolvem coisas. Nesse aspecto sou
muito Camiliana, não vejo nada o mundo assim, e fascinam-me imenso as pessoas
que mergulham nos amores impossíveis, ou possíveis mas dificílimos de viver. A
piscina cheia do nosso futuro sangue e mergulhamos nas calmas. Adoro isso.
Mas o casal, a não fadista Vera e o violocelista Sam só se consegue amar à distância, o que já si é estranho, mas ainda mais estranho é comunicarem por escrito. Já ninguém escreve cartas, e usa o correio tradicional...
... pero que las hay, las hay. Uma carta em papel é uma coisa lindíssima. Acredito nessa necessidade de escrever todos os dias, escrever pode viciar. Ela fica desnorteada por não lhe estar a escrever. Ele foi para casa dela, e ela com isso perdeu o norte. E ele também porque não a lê. Nem toda a gente pode viver de uma forma simples ou clara.
Escuta-se música brasileira (Chico, Caetano, Caymi) ou a cabo-verdiana mas vêm-nos à cabeça o fado. Interessa-lhe este universo? O cliché da fadista descalça, noctívaga, cheia de amores emaranhados, nostalgias e saudade?
Mas o casal, a não fadista Vera e o violocelista Sam só se consegue amar à distância, o que já si é estranho, mas ainda mais estranho é comunicarem por escrito. Já ninguém escreve cartas, e usa o correio tradicional...
... pero que las hay, las hay. Uma carta em papel é uma coisa lindíssima. Acredito nessa necessidade de escrever todos os dias, escrever pode viciar. Ela fica desnorteada por não lhe estar a escrever. Ele foi para casa dela, e ela com isso perdeu o norte. E ele também porque não a lê. Nem toda a gente pode viver de uma forma simples ou clara.
Escuta-se música brasileira (Chico, Caetano, Caymi) ou a cabo-verdiana mas vêm-nos à cabeça o fado. Interessa-lhe este universo? O cliché da fadista descalça, noctívaga, cheia de amores emaranhados, nostalgias e saudade?
Também tem muito John Cage, e muitos
russos, Shostakovich e mais. Fado é que não tem. Gosto muito de fado, mas a
Vera não é fadista. Quem deu a voz à Vera, sim, porque a voz da Vera quando
canta é da Ana Moura. As canções são do Chico Buarque, mas não são nem fado nem
samba. A Nina que o Chico Buarque fez para o filme, fala de uma mulher russa
que escreve cartas a partir de Moscovo para alguém que está num país distante.
É a Vera a cantar como se fosse o Sam. Foi ideia do Chico fazer assim, primeiro
achei que não podia ser, mas depois vi que ele tinha razão e que era muito mais
bonito assim, ela a cantar como se fosse ele.
Chico Buarque é recorrente nos seus filmes...
Chico Buarque é recorrente nos seus filmes...
Eu ainda hoje fico muitas vezes
embasbacada com o que ele faz com as palavras, com o que consegue pôr numa
canção. Como brinca. Ele diz que nunca mudou uma nota nas canções em que só fez
a letra, às vezes não se acredita. Como é que pode ser possível, mas é. Ele é
incrível, temos imensa sorte por partilhar a mesma língua.
Para além da música, há contrastes visuais muito fortes, de fotografia e de decores... Muita noite e muito dia. Os ambientes sofisticados do hotel, dos bastidores e da casa da [não] fadista e o barracão surrealista da margem sul. Tanto Tejo e tanta aridez na lezíria...
Para além da música, há contrastes visuais muito fortes, de fotografia e de decores... Muita noite e muito dia. Os ambientes sofisticados do hotel, dos bastidores e da casa da [não] fadista e o barracão surrealista da margem sul. Tanto Tejo e tanta aridez na lezíria...
Acho esses contrastes muito
importantes. Gosto que uma pessoa possa estar de manhã num hotel de 5 estrelas
em Lisboa e à tarde num barracão no meio do nada. É que o barracão e o hotel
são perto, é triste ficar só de um dos lados quando se é livre de andar de um lado
para o outro. Ela, a Vera, tem mais mobilidade porque tem dinheiro, pode
escolher. O Pablo anda com o carro caro de um dos mundos até ao outro, vai de
um lado para o outro num instante. A casa dela, é uma casa enterrada na terra
pelo Eduardo Souto Moura, confunde-se com a paisagem.
Neste filme mistura uma actriz consagrada (Beatriz Batarda), com não actores ou pouco experientes como Miguel Nunes, de Morangos com Açúcar. É difícil conciliar registos?
Neste filme mistura uma actriz consagrada (Beatriz Batarda), com não actores ou pouco experientes como Miguel Nunes, de Morangos com Açúcar. É difícil conciliar registos?
Não é uma coisa nova para mim misturar
actores mais experientes com outros que o são menos ou até sem experiência
nenhuma. A Beatriz é uma actriz extraordinária, é muito fácil e um prazer,
trabalhar com ela. O Miguel Nunes é um actor que veio para ficar, tenho a
certeza. Foi tudo bom e fácil.
Porque agradece, nos créditos finais, "o empurrão solidário" de José Saramago Pilar del Rio?
Porque agradece, nos créditos finais, "o empurrão solidário" de José Saramago Pilar del Rio?
Ser cineasta em Portugal é uma
profissão de risco grande e às vezes não há o que pôr na mesa, e espera-se um
tempo infinito até se poder trabalhar. Foi por causa de uma conversa que tive
com o José Saramago e com a Pilar que decidi fazer os impossíveis e abrir a
minha própria produtora. Percebi quando saí de casa deles que era o momento de
fazer isso. Ainda pude escrever ao José Saramago a contar o que tinha feito e
que o empurrão tinha sido deles.
Uma vez Caetano Veloso revelou que a Teresa lhe teria dito que não era possível viver sem música, que se podia dispensar até a literatura, mas nunca a música... É uma afirmação surpreendente sendo a Teresa realizadora...
Uma vez Caetano Veloso revelou que a Teresa lhe teria dito que não era possível viver sem música, que se podia dispensar até a literatura, mas nunca a música... É uma afirmação surpreendente sendo a Teresa realizadora...
Penso que não foi bem isso que eu
disse. Por acaso também vi o programa em que o Caetano Veloso conta essa
conversa, mas claro que no fundo, no fundo não acho nada disso, nem ele, de
certeza. Mas de qualquer forma o que estávamos a dizer era que o que faria mais
falta era a música, caso se parasse com a produção de tudo, mas ficava-se com o
feito até agora. Não sei viver sem o cinema, não consigo imaginar.
O que contrapõe a estas novas correntes que falam em políticas culturais de apoio a monumentos e abandono das artes vivas?
O que contrapõe a estas novas correntes que falam em políticas culturais de apoio a monumentos e abandono das artes vivas?
Acho muito triste esse tipo de
raciocínio. O dia de Portugal é o dia de Camões, honra-se o Camões, poeta
maior, mas os poetas de hoje que morram de fome. É tão obviamente importante,
sobretudo até em tempos de crise, o trabalho dos artistas que é estranho esta
forma que as vezes o poder tem de nos olhar. Espero que os meus colegas no
cinema e também nas outras artes, não se deixem abater. Havemos de conseguir
sair disto. Temos que continuar a criar, a pensar em voz alta, a ajudar à
discussão e reflexão sobre tudo o que tem que ver com a vida de todos. Como
artista não sei parar, mas se calhar só não paro se me ajudarem de outros
países. Não seria a primeira vez. Mas para quem está a começar agora, é muito
difícil a ajuda do estrangeiro. É grave.
"Os ricos que paguem a crise" sempre foi um slogan da esquerda, agora são os próprios a defender essa ideia. A esquerda precisa de mudar de bandeiras nestes revirares de tabuleiros?
"Os ricos que paguem a crise" sempre foi um slogan da esquerda, agora são os próprios a defender essa ideia. A esquerda precisa de mudar de bandeiras nestes revirares de tabuleiros?
Nunca me revi nesse slogan, sempre me
pareceu, 'os ricos que paguem a crise que eu vou ali e já venho'. Não percebo
isso. Não me parece que os ricos queiram pagar a crise, penso que não querem
ser odiados, e que não lhes interessa um mundo só de pobres. Sabem que tem que
haver os que não são nem ricos nem pobres, para lhes comprar as coisas. Os
sacrifícios dos ricos não são sequer comparáveis com os do resto das pessoas.
Preocupo-me muito com os velhos, não sei o que lhes vai acontecer. Penso que os
novos vão emigrar. É estranho termos chegado aqui. Há toneladas de coisas para
a esquerda defender. Tenho muita pena que a esquerda portuguesa não se entenda
seriamente.
Pessoalmente assumiu sempre posições de esquerda, mas cinematograficamente mostra sempre uma visão pessimista sobre a humanidade, e sobre o que os homens são capazes de fazer uns aos outros... O que nos pode salvar?
Pessoalmente assumiu sempre posições de esquerda, mas cinematograficamente mostra sempre uma visão pessimista sobre a humanidade, e sobre o que os homens são capazes de fazer uns aos outros... O que nos pode salvar?
Não sei. Acho que o melhor é irmo-nos
salvando a par e passo. Vivemos tempos complexos. Há muita gente confusa sem
saber o que fazer e há muita gente aflita que não sabe o que vai ser o amanhã.
O mundo está a viver um abanão. A situação da Europa é muito má, a situação
africana é bem pior. E num instante se dá a volta ao mundo de avião. Enfim...
Este é um filme falsamente optimista. Ou seja, há uma imagem de redenção final, de um sono de tranquilidade com uma cadelinha num colo, mas pode ser aparente ou efémero porque depois há os olhos da criança a mostrar que o trauma ficou e ficará sempre lá...
Este é um filme falsamente optimista. Ou seja, há uma imagem de redenção final, de um sono de tranquilidade com uma cadelinha num colo, mas pode ser aparente ou efémero porque depois há os olhos da criança a mostrar que o trauma ficou e ficará sempre lá...
Não sabemos o que será o futuro daquela
gente, mas aquele momento é um momento de paz. Um machado ali é para cortar
lenha.
Mas essas pessoas parecem tão engaioladas ou condenadas como os tantos pássaros que enchem o filme...
Talvez, mas têm a chave da porta da gaiola e os pássaros não.
visao.sapot.pt
Mas essas pessoas parecem tão engaioladas ou condenadas como os tantos pássaros que enchem o filme...
Talvez, mas têm a chave da porta da gaiola e os pássaros não.
visao.sapot.pt
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