VIVA A LIBERDADE
Roberto
Andò, Itália/França/Alemanha, 2013, 94’, M/12
FICHA TÉCNICATítulo Original: Viva la libertà
Realização: Roberto Andò
Argumento: Roberto Andò e Angelo Pasquini
Montagem: Clelio Benevento
Fotografia: Maurizio Calvesi
Interpretação: Toni Servillo, Valerio Mastandrea,Valeria Bruni Tedeschi, Michela Cescon, Gianrico Tedeschi
Origem: Itália/França/Alemanha
Ano: 2013
Duração: 94’
CRÍTICAS
A verdade e as suas aparências
O cinema italiano continua a possuir uma importante dimensão política —
no caso de "Viva a Liberdade", Roberto Andò encena a história de um
líder que, para evitar especulações dos media, é substituído pelo seu irmão
gémeo...
Como falar de política, hoje em dia? Aliás, a
pergunta talvez seja, inevitavelmente: como falar da política dos nossos dias sem falar de televisão? No cinema italiano, em todo o caso,
temos encontrado respostas/filmes que vão no sentido de nos mostrar, através
dos mais diversos registos, que a política se faz cada vez mais através das
imagens (e sons) da televisão — de Ettore Scola a Nanni Moretti são muitos os
cineastas empenhados em tal visão.
"Viva
a Liberdade", de Roberto Andò, é
um filme que aposta na possibilidade de relançar tal temática, por assim dizer
redistribuindo os dados através de um registo de comédia dramática a que, em
última instância, talvez seja mais correcto chamar farsa. Porquê?
Porque, afinal, esta é a história de um dirigente político que, a certa altura,
é substituído no exercício das suas funções pelo seu irmão gémeo...
Imagem,
portanto. Quando Enrico Oliveri, num misto de desgaste físico e desencanto
moral, se afasta das suas funções de liderança, o seu mais fiel assistente
pressente uma "solução" francamente inesperada: Giovanni, irmão gémeo
de Enrico, poderá ocupar o lugar, mantendo a ilusão de continuidade — mesmo se
Giovanni, com os seus desequilíbrios psicológicos, poderá trazer problemas para
que ninguém estava preparado...
Tendo trabalhado a partir de um romance de sua
autoria ("Il
Trono Vuoto"), Roberto Andò
consegue sustentar a sua frágil ficção num clima de contida ironia, expondo um
mundo em que verdade e suas aparências parecem existir numa espécie de incesto
mediático. É a prova real de que continua a haver um cinema italiano
genuinamente político, sem esquecer, neste caso, o misto de
subtileza e elegância com que Toni Servillo ("A Grande Beleza")
consegue compor duas personagens tão iguais e tão diferentes.
João
Lopes,
rtp.pt/cinemax/
Há
uma data matricial na convergência entre duas das maiores tradições do cinema
italiano, da comédia e a do filme político. Foi quando, em “Abril” (1998),
Nanni Moretti interpelou D’Alema, - vociferando para o televisor: “Diz qualquer
coisa, diz qualquer coisa de esquerda!”. Essa interpelação, cómica mas
profundamente sentida pelos órfãos do PCI e pelo povo da esquerda em geral, tem
um eco nesta outra comédia que ora nos chega — “Viva a Liberdade”.
O protagonista líder de um partido da oposição de quem também se espera que diga
alguma coisa de esquerda, que acorde as gentes do marasmo e da desesperança
nestes tempos de neoliberalismo e de austeridade. Mas ele não consegue — e
foge. Vai rearrumar o passado, ou tão-só fazer uma vilegiatura de homem comum.
Desnorteado com a ausência do patrão, o secretário do partido resolve substituí-lo
por alguém que é não só fisionomicamente igual, mas também clinicamente louco.
E o substituto começa a dizer coisas de esquerda e a entusiasmar as massas. As
sondagens disparam. Uma mudança avizinha-se. Até o Quirinale está rendido. Pois
sim, mas o homem é louco, sabemo-lo de irrefutável fonte. “Viva a Liberdade” é
uma comédia que faz uma crítica mordaz ao sistema político italiano, mas é,
também, uma séria e cava reflexão sobre os estados de alma das massas e as
saídas do pântano em que nos sentimos atolados. E tem um fundo que só não é de
negra desesperança porque a leveza da interpretação de Toni Servillo não deixa
que o torvelinho no peito se forme. Paira por ali, em filigrana, o fantasma de
Beppe Grillo, mas o estado das coisas neste filme, bem nos pode servir também,
aqui, a nós.
J.L.R.
, Expresso, 29/11/14
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