FADO CAMANÉ
Bruno de Almeida, Portugal, 2014, 72’, M/6
FICHA
TÉCNICA
Realização: Bruno de Almeida
Montagem: Bruno de Almeida
Fotografia: Paulo Abreu
Música: Raul Ferrão, Alfredo Marceneiro,
José Mário Branco, Sérgio Godinho, Frutuoso França, Alain Oulman
Com:
Camané, Carlos Bica, Carlos
Manuel Proença, José Manuel Neto, José Mário
Origem: Portugal
Ano: 2014
Duração: 72'
CRÍTICAS
É um documentário
sobre a gravação de um disco, o álbum de 2008 Sempre
de Mim? Sim, vê-se e ouve-se nele um artista a falar do seu trabalho –
conteúdo que hoje os “extras” de edições especiais despacham como máquina de
enchidos, sendo verdade que tudo começou há vários anos atrás como material
filmado para uma edição especial do disco de Camané, como making of.
Mas, e para começar, a
pedagogia e a sensualidade aqui vistas em trabalho não se deixam conter no
estúdio.
Depois, é um subtil
registo das cumplicidades entre um cantor e os seus colaboradores: José Mário
Branco, director artístico, e Manuela de Freitas, cúmplice. É uma teia de
afectos e ficções, eles como figuras paternais, moldando o performer,
tal como um cineasta dirige um actor, ajudando-o a encontrar a medida certa das
emoções. Para que se mantenha pudica a solidão.
Este não é um filme
sobre música, por isso. É um filme que conta uma educação sentimental, a de
Carlos Manuel Moutinho Paiva dos Santos. Há um efeito de mise-en-abyme,
como se o filme reproduzisse em miniatura um retrato maior: José Mário Branco
seria um duplo de Bruno de Almeida a dirigir o “seu” actor.
Para isso, é
necessário uma figura que exorbite fronteiras, e é isso o que faz o cantor no
seu canto. Bruno olha-o (veja-se também o videoclip de Sei
de um Rio) como um cineasta se ocupa dos valores de uma personagem.
Há aquele momento, quase eufórico, quase feliz, de encontro como uma hipotética
linhagem, quando Camané, citando José Mário Branco, filia a introspecção do seu
canto, de um verso, no “grito abafado” de Al Pacino quando lhe mataram a filha
no Padrinho III.
Não há coincidências.
Estava tudo nas imagens de solidão urbana de Sei de um Rio, uma forma
de confrontar uma certa tristeza masculina com movimentos de câmara obsessivos,
obsessão essa que aqui é doce e melancólica, claro, não trepidante, porque a
velha Lisboa não é a Nova Iorque dos 70s de Al e de Robert deNiro e desses
anti-heróis que, com toda a sua violência, se viram aflitos para nomear o que
sentiam.
Foi numa sobreposição de espaços e tempos
(disparidades que a referência a Pacino aqui explicita) que se deu o “encontro”
entre Camané e Bruno de Almeida, no início dos anos 2000, quando o realizador
regressou de Nova Iorque, onde viveu 20 anos: o punk, a new wave e o jazz
experimental da cena novaiorquina reconciliavam-se com o fado. Foi também com
essa possibilidade de imaginar outros cenários em background que Bruno de Almeida filmou um boxeur
a contar a sua
história em Bobby Cassidy, de 2009 - o
boxe, mundo codificado tal como o do fado; uma história sobre o que passa de
pais a filhos; Bobby tão parecido com Gene Hackman... é talvez o seu mais belo
filme. Sob a forma de uma
entrevista, era um documentário sobre o cinema americano dos 70s que se passava
todo ele na memória do realizador e no imaginário do espectador. É o que se
confirma em Fado Camané: Bruno tem a capacidade de, num formato já
ocupado, “projectar” nele “outros” filmes: fantasmas do imaginário e da memória
pelos quais essas imagens se deixam possuir.
Vasco Câmara, publico.pt/
Sem comentários:
Enviar um comentário