O QUE ARDE CURA
João
Rui Guerra da Mata, Portugal, 2012, 26’
A JANELA INDISCRETA
Alfred Hitchcock, EUA,
1954, 112’, M/12
FICHA TÉCNICA
Título original: Rear Window
Realização: Alfred Hitchcock
Argumento: John Michael Hayes (segundo o conto
It Had to be Murder, de Cornell Woolrich)
Montagem: George
Tomasini
Fotografia:
Robert Burks
Música: Franz Waxman
Interpretação: James Stewart, Grace Kelly,
Thelma Ritter, Wendell Corey, Raymond Burr, Irene Winston
Origem: EUA
Origem: EUA
Ano: 1954
Duração: 112’
Pode chamar-se-lhe um “filme de câmara”, de tal forma
tudo se circunscreve à visão a partir da sala onde o herói, um fotógrafo com a
perna em gesso devido a um acidente (James Stewart), passa o tempo
bisbilhotando a vida dos vizinhos até ao momento em que se depara com um crime.
A notável articulação entre os espaços do interior do apartamento de Stewart e
o pátio e as traseiras dos vizinhos é o resultado de um dos mais fabulosos
trabalhos de set designing da história do cinema.
O olho mágico de um voyeur profissional
L.B. Jeffries é um fotógrafo reconhecido, mas
num acidente de trabalho partiu uma perna e agora está imobilizado. A sua única
distracção resume-se a espreitar, pela janela, a vida dos vizinhos. Mas eis que
a suspeita de um assassínio no prédio em frente dá início a uma investigação
empolgante, onde se questiona o voyeurismo – de Jeffries, do espectador e do
próprio Hitchcock
Se espreitar a vida e a intimidade dos outros
é algo frequente nos filmes de Alfred Hitchcock, não é menos verdade que o
cineasta o faz questionando sempre as intenções e as consequências dessa
prática. Até que ponto, afinal, o voyeurismo pode ser um acto inocente,
eventualmente solidário, ou um exercício egocêntrico, sem respeito pelo outro?
Em Janela Indiscreta/Rear Window (1954), o mestre do suspense põe o dedo na
ferida. Hitchcock filma a vida que existe “do outro lado do pátio”, a partir da
janela – e também do olhar – do fotógrafo L.B. Jeffries (James Stewart),
imobilizado no seu apartamento, com uma perna engessada, por causa de um
acidente de trabalho.
“O que se vê na parede do pátio é uma
quantidade de pequenas histórias, é o espelho de um pequeno mundo”, disse o
realizador para justificar o interesse de Janela Indiscreta, nomeado para o
Oscar de melhor realizador, argumento, fotografia e som.
Estamos, portanto, no complexo universo de
Hitchcock [...] abre-se então a “janela” que esconde os segredos de um dos
filmes preferidos do cineasta, atraído pela ideia do espectador ter o mesmo
ângulo de visão do protagonista e, como este, poder adivinhar a ocorrência de
um crime.
Explica-se no livro que um dos objectivos de
Hitchcock em Janela Indiscreta era fazer uma “rodagem subjectiva”, situando o
público no “espírito da personagem”. O escritor e biógrafo do cineasta, Bruno
Villien, vai mais longe e afirma: “O voyeurismo do público faz eco ao do
criador. É, em princípio, o cineasta que espia as suas criações, faz com que
estas sofram, filma-as para deleite dos espectadores.”
Inicialmente, Hitchcock tinha a intenção de filmar edifícios reais, mas a má iluminação dos exteriores obrigou-o a rodar o filme num plateau, que incluía os 30 apartamentos que L.B. Jeffries avista da sua janela. Este foi um dos maiores cenários construídos pela Paramount até então e, como realça o realizador francês François Truffaut, serviu para Hitchcock filmar “uma visão desencantada da conciliação entre os sexos”. Enquanto o casal Jeffries e Lisa (interpretada pela actriz fetiche de Hitchcock, a bela Grace Kelly) se debate com diferenças sociais e de carácter, do outro lado do pátio o desentendimento entre um vendedor de amostras e a sua mulher acamada pode ser o motivo para um assassínio...
Janela Indiscreta baseou-se no conto policial It Had to be Murder, do americano Cornell Woolrich. Adaptada para cinema pelo argumentista John Michael Hayes, a história original tinha apenas 40 páginas. Hitchcock resume-a assim: “(...) o assassino, ao sentir-se descoberto, queria matar o herói desde o outro lado do pátio com um revólver. Mas o herói conseguia erguer com o braço um busto de Beethoven, colocando-o de perfil na janela. Era Beethoven quem recebia finalmente o tiro.”
Embora diferente, o final de Janela Indiscreta é igualmente surpreendente. Além do mais, como afirma Truffaut, o que torna este filme especial “não são os horrores que James Stewart avista da sua janela, mas o espectáculo das fraquezas humanas.”
Inicialmente, Hitchcock tinha a intenção de filmar edifícios reais, mas a má iluminação dos exteriores obrigou-o a rodar o filme num plateau, que incluía os 30 apartamentos que L.B. Jeffries avista da sua janela. Este foi um dos maiores cenários construídos pela Paramount até então e, como realça o realizador francês François Truffaut, serviu para Hitchcock filmar “uma visão desencantada da conciliação entre os sexos”. Enquanto o casal Jeffries e Lisa (interpretada pela actriz fetiche de Hitchcock, a bela Grace Kelly) se debate com diferenças sociais e de carácter, do outro lado do pátio o desentendimento entre um vendedor de amostras e a sua mulher acamada pode ser o motivo para um assassínio...
Janela Indiscreta baseou-se no conto policial It Had to be Murder, do americano Cornell Woolrich. Adaptada para cinema pelo argumentista John Michael Hayes, a história original tinha apenas 40 páginas. Hitchcock resume-a assim: “(...) o assassino, ao sentir-se descoberto, queria matar o herói desde o outro lado do pátio com um revólver. Mas o herói conseguia erguer com o braço um busto de Beethoven, colocando-o de perfil na janela. Era Beethoven quem recebia finalmente o tiro.”
Embora diferente, o final de Janela Indiscreta é igualmente surpreendente. Além do mais, como afirma Truffaut, o que torna este filme especial “não são os horrores que James Stewart avista da sua janela, mas o espectáculo das fraquezas humanas.”
Conversas de Hitchcock e Truffaut
Numa entrevista feita pelo realizador e argumentista
francês François Truffaut a Alfred Hitchcock, este explica porque Janela
Indiscreta é uma experiência totalmente “cinematográfica” e se tornou um dos
seus filmes preferidos.
ALFRED HITCHCOCK - Temos o homem imóvel que olha cá
para fora. É a primeira parte do filme. A
segunda parte faz surgir o que ele vê. A terceira
mostra as suas reacções. Isto representa o que conhecemos como a mais pura
expressão da ideia cinematográfica.
Conhecem o que Pudovkine escreveu acerca disso. Num
dos seus livros sobre a arte de montagem, conta a experiência feita pelo seu
mestre Liev Kulechov. Consistia em mostrar um grande plano de Ivan Mosjukine e
depois mostrar a seguir o plano de um bebé morto. No rosto de Mosjukine vê-se a
tristeza. Tira-se o plano do bebé morto e mostra-se um prato com comida. No
mesmo grande plano de Mosjukine lê-se a fome.
Funcionei do mesmo modo com os grandes planos de James
Stewart. Olha pela janela e vê, por exemplo, o cãozinho a descer num cesto para
o pátio. Volta-se a Stewart que sorri. Depois, em vez do cãozinho a descer no
cesto, mostra-se uma rapariga quase nua a bambolear-se diante da janela aberta:
segue-se o mesmo grande plano de James Stewart a sorrir, só que agora é um
sorriso malandro (....).
Temos de admiti-lo... James Stewart é um voyeur. Lembro-me de uma crítica por causa disso. A senhora Lejeune escreveu no London Observer que Janela Indiscreta era um filme horrível porque havia um tipo que passava todo o filme a espreitar pela janela. Sim, o homem é um voyeur, mas não seremos todos voyeurs? (...) Aposto que nove em cada dez pessoas se vissem do outro lado do pátio uma mulher a despir-se antes de ir para a cama ou simplesmente um homem a arrumar o quarto, não conseguiam deixar de olhar.
Temos de admiti-lo... James Stewart é um voyeur. Lembro-me de uma crítica por causa disso. A senhora Lejeune escreveu no London Observer que Janela Indiscreta era um filme horrível porque havia um tipo que passava todo o filme a espreitar pela janela. Sim, o homem é um voyeur, mas não seremos todos voyeurs? (...) Aposto que nove em cada dez pessoas se vissem do outro lado do pátio uma mulher a despir-se antes de ir para a cama ou simplesmente um homem a arrumar o quarto, não conseguiam deixar de olhar.
(HITCHCOCK, de François Truffaut, Granada Publishing,
1978)
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