A JANELA INDISCRETA | 27 AGOSTO | Q - ESPAÇO CULTURAL | 21H30

O QUE ARDE CURA
João Rui Guerra da Mata, Portugal, 2012, 26’


A JANELA INDISCRETA
Alfred Hitchcock, EUA, 1954, 112’, M/12 

FICHA TÉCNICA
Título original: Rear Window 
Realização: Alfred Hitchcock
Argumento: John Michael Hayes (segundo o conto It Had to be Murder, de Cornell Woolrich) 
Montagem: George Tomasini
Fotografia: Robert Burks
Música: Franz Waxman
Interpretação: James Stewart, Grace Kelly, Thelma Ritter, Wendell Corey, Raymond Burr, Irene Winston 
Origem: EUA
Ano: 1954
Duração: 112’


Pode chamar-se-lhe um “filme de câmara”, de tal forma tudo se circunscreve à visão a partir da sala onde o herói, um fotógrafo com a perna em gesso devido a um acidente (James Stewart), passa o tempo bisbilhotando a vida dos vizinhos até ao momento em que se depara com um crime. A notável articulação entre os espaços do interior do apartamento de Stewart e o pátio e as traseiras dos vizinhos é o resultado de um dos mais fabulosos trabalhos de set designing da história do cinema.


O olho mágico de um voyeur profissional
L.B. Jeffries é um fotógrafo reconhecido, mas num acidente de trabalho partiu uma perna e agora está imobilizado. A sua única distracção resume-se a espreitar, pela janela, a vida dos vizinhos. Mas eis que a suspeita de um assassínio no prédio em frente dá início a uma investigação empolgante, onde se questiona o voyeurismo – de Jeffries, do espectador e do próprio Hitchcock
Se espreitar a vida e a intimidade dos outros é algo frequente nos filmes de Alfred Hitchcock, não é menos verdade que o cineasta o faz questionando sempre as intenções e as consequências dessa prática. Até que ponto, afinal, o voyeurismo pode ser um acto inocente, eventualmente solidário, ou um exercício egocêntrico, sem respeito pelo outro? Em Janela Indiscreta/Rear Window (1954), o mestre do suspense põe o dedo na ferida. Hitchcock filma a vida que existe “do outro lado do pátio”, a partir da janela – e também do olhar – do fotógrafo L.B. Jeffries (James Stewart), imobilizado no seu apartamento, com uma perna engessada, por causa de um acidente de trabalho.
“O que se vê na parede do pátio é uma quantidade de pequenas histórias, é o espelho de um pequeno mundo”, disse o realizador para justificar o interesse de Janela Indiscreta, nomeado para o Oscar de melhor realizador, argumento, fotografia e som. 
Estamos, portanto, no complexo universo de Hitchcock [...] abre-se então a “janela” que esconde os segredos de um dos filmes preferidos do cineasta, atraído pela ideia do espectador ter o mesmo ângulo de visão do protagonista e, como este, poder adivinhar a ocorrência de um crime. 
Explica-se no livro que um dos objectivos de Hitchcock em Janela Indiscreta era fazer uma “rodagem subjectiva”, situando o público no “espírito da personagem”. O escritor e biógrafo do cineasta, Bruno Villien, vai mais longe e afirma: “O voyeurismo do público faz eco ao do criador. É, em princípio, o cineasta que espia as suas criações, faz com que estas sofram, filma-as para deleite dos espectadores.”
Inicialmente, Hitchcock tinha a intenção de filmar edifícios reais, mas a má iluminação dos exteriores obrigou-o a rodar o filme num plateau, que incluía os 30 apartamentos que L.B. Jeffries avista da sua janela. Este foi um dos maiores cenários construídos pela Paramount até então e, como realça o realizador francês François Truffaut, serviu para Hitchcock filmar “uma visão desencantada da conciliação entre os sexos”. Enquanto o casal Jeffries e Lisa (interpretada pela actriz fetiche de Hitchcock, a bela Grace Kelly) se debate com diferenças sociais e de carácter, do outro lado do pátio o desentendimento entre um vendedor de amostras e a sua mulher acamada pode ser o motivo para um assassínio...
Janela Indiscreta baseou-se no conto policial It Had to be Murder, do americano Cornell Woolrich. Adaptada para cinema pelo argumentista John Michael Hayes, a história original tinha apenas 40 páginas. Hitchcock resume-a assim: “(...) o assassino, ao sentir-se descoberto, queria matar o herói desde o outro lado do pátio com um revólver. Mas o herói conseguia erguer com o braço um busto de Beethoven, colocando-o de perfil na janela. Era Beethoven quem recebia finalmente o tiro.”
Embora diferente, o final de Janela Indiscreta é igualmente surpreendente. Além do mais, como afirma Truffaut, o que torna este filme especial “não são os horrores que James Stewart avista da sua janela, mas o espectáculo das fraquezas humanas.”

Conversas de Hitchcock e Truffaut 
Numa entrevista feita pelo realizador e argumentista francês François Truffaut a Alfred Hitchcock, este explica porque Janela Indiscreta é uma experiência totalmente “cinematográfica” e se tornou um dos seus filmes preferidos.
ALFRED HITCHCOCK - Temos o homem imóvel que olha cá para fora. É a primeira parte do filme. A
segunda parte faz surgir o que ele vê. A terceira mostra as suas reacções. Isto representa o que conhecemos como a mais pura expressão da ideia cinematográfica.
Conhecem o que Pudovkine escreveu acerca disso. Num dos seus livros sobre a arte de montagem, conta a experiência feita pelo seu mestre Liev Kulechov. Consistia em mostrar um grande plano de Ivan Mosjukine e depois mostrar a seguir o plano de um bebé morto. No rosto de Mosjukine vê-se a tristeza. Tira-se o plano do bebé morto e mostra-se um prato com comida. No mesmo grande plano de Mosjukine lê-se a fome.
Funcionei do mesmo modo com os grandes planos de James Stewart. Olha pela janela e vê, por exemplo, o cãozinho a descer num cesto para o pátio. Volta-se a Stewart que sorri. Depois, em vez do cãozinho a descer no cesto, mostra-se uma rapariga quase nua a bambolear-se diante da janela aberta: segue-se o mesmo grande plano de James Stewart a sorrir, só que agora é um sorriso malandro (....).
Temos de admiti-lo... James Stewart é um voyeur. Lembro-me de uma crítica por causa disso. A senhora Lejeune escreveu no London Observer que Janela Indiscreta era um filme horrível porque havia um tipo que passava todo o filme a espreitar pela janela. Sim, o homem é um voyeur, mas não seremos todos voyeurs? (...) Aposto que nove em cada dez pessoas se vissem do outro lado do pátio uma mulher a despir-se antes de ir para a cama ou simplesmente um homem a arrumar o quarto, não conseguiam deixar de olhar.
(HITCHCOCK, de François Truffaut, Granada Publishing, 1978)

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