PHOENIX de Christian Petzold | 16 AGOSTO | Q - ESPAÇO CULTURAL | 21H30


O HOMEM DA CABEÇA DE PAPELÃO
Luis da Matta Almeida, Pedro Lino, Portugal/RU, 2010, 9’


Antenor tinha um defeito terrível: só dizia a verdade, a verdade verdadeira. a família tudo tentou para o curar, em vão. Já adulto, consulta um relojoeiro que lhe oferece uma cabeça de papelão para substituir a sua, enquanto esta estiver a ser arranjada. Com a nova cabeça nada voltará a ser como antes.

PHOENIX
Christian Petzold, Alemanha, 2014, 98’, M/12

FICHA TÉCNICA
Título Original: Phoenix
Realização: Christian Petzold
Argumento: Christian Petzold e Harun Farocki, baseado na obra "Le Retour des cendres” de Hubert Monteilhet
Montagem: Bettina Böhler
Fotografia: Hans Fromm
Música: Stefan Will
Interpretação: Nina Hoss, Ronald Zehrfeld, Nina Kunzendorf 
Ano: 2014
Origem: Alemanha
Duração : 98´


FESTIVAIS E PRÉMIOS

Festival de San Sebastián – Prémio da Crítica Internacional

Lisbon & Estoril MEO Film Festival – Prémio Especial do Júri - João Bénard da Costa


CRÍTICAS

Depois de Barbara, um novo retrato de mulher que confirma Nina Hoss como uma senhora actriz e Christian Petzold como um dos grandes cineastas dos nossos dias.
O espantoso Barbara (2012) já nos dizia que o alemão Christian Petzold estava a afinar e a refinar o seu cinema, uma obra trespassada pela própria história da Alemanha enquanto país simultaneamente “dividido” e “recomposto” a partir das cinzas da II Guerra Mundial.
Talvez essa dimensão histórica do seu cinema nunca tenha estado mais visível do que em Phoenix, que nos transporta para a Berlim do imediato pós-guerra e, pelo meio de uma série de invocações cinematográficas/cinéfilas, se foca (de novo) num retrato de mulher, também ela “dividida” e “recomposta” depois do trauma da guerra.
O título do filme é já evocativo da multiplicidade de “camadas” que Petzold pacientemente sobrepõe: Nelly (Nina Hoss, a “musa” do realizador) é uma “fénix” renascida, uma mulher que, dada como morta nos campos de concentração, regressa à vida, mas Phoenix é também o nome do cabaré berlinense onde ela procura traços da vida anterior que quer recuperar. E todo o filme se centra à volta dessa noção de “recuperar o passado”, de “renascer para a vida”. Com uma diferença essencial: o trauma da guerra impede que essa vida passada possa ser recuperada.
Primeiro obstáculo: o rosto de Nelly, judia desfigurada nos campos, teve de ser reconstruído por um cirurgião plástico, ao ponto de ela já não se reconhecer a si própria. Segundo obstáculo: o coração de Nelly continua a querer Johnny, o marido (não judeu) que perdeu de vista quando foi presa, mas que pode ter tido um papel na sua denúncia e prisão. Phoenix, então, segue Nelly num percurso entre o coração e a razão, entre a sua busca de um Johnny que não a reconhece e Lene, a amiga que a ajuda a voltar a erguer-se e que a quer levar para longe da Alemanha que rejeitou tão violentamente a sua comunidade judia. E fá-lo a um nível que evoca abertamente oVertigo de Hitchcock, tanto como o Terceiro Homem de Carol Reed ou o Alemanha, Ano Zero de Rossellini, os escritos de Berlim de Christopher Isherwood ou a arte da República de Weimar, ofilm noir americano do pós-guerra. É uma sobreposição de constantes performances onde Nelly, actriz em busca de um realizador, cantora em busca de um pianista, mulher em busca de um homem, se vai metamorfoseando a tentar regressar ao que já foi, para benefício de um único espectador: o homem que ela continua a amar perdidamente apesar de todos os sinais de alerta. 
À superfície um “amor louco”, uma tentativa de tornar o impossível em possível, essa entrega total é também o único caminho possível de Nelly de regresso à vida - como um percurso da escuridão em direcção à luz, magnificamente encenado por Petzold do seu modo seco, sóbrio, profundamente empático, com o seu habitual director de fotografia, Hans Fromm, e interpretado por Hoss com a atenção aos pormenores mais ínfimos e a emoção sempre à flor da pele que faz dela uma das grandes actrizes dos nossos dias. E que acaba com a única conclusão possível, como os modelos que evoca e invoca de modo simultaneamente reverente e distante. Phoenix é soberbo. 
Jorge Mourinha, publico.pt





A tragédia de um rosto
Confirma-se a vitalidade de uma tendência para reavaliar as heranças da Segunda Guerra Mundial: "Phoenix", com essa extraordinária actriz que é Nina Hoss, centra-se no drama de uma sobrevivente de um campo de concentração.
Reencontramos em "Phoenix" uma aliança — entre o realizador Christian Petzold e a actriz Nina Hoss — que já tinha sido decisiva em "Barbara" (2012). Neste caso, encenavam um drama situado na Alemanha de leste, na década de 80, num ambiente de perversa repressão dos seres humanos. Agora, são ainda os fantasmas da história alemã que regressam, mas no contexto do fim da Segunda Guerra Mundial. 
A tragédia íntima da personagem central, Nelly Lenz (Hoss), está literalmente inscrita no seu rosto: Nelly sobreviveu num campo de concentração, tendo ficado com o rosto desfigurado; a operação que faz dá-lhe novas feições, não sendo reconhecida pelos seus mais próximos, incluindo o marido Johannes (Ronald Zehrfeld). Mais do que isso: no clima de perseguição aos judeus, Johannes poderá ter sido aquele que a denunciou aos nazis... 
Sustentado por uma exemplar direcção de actores, o trabalho de realização de Petzold envolve dois vectores complementares: por um lado, a odisseia de Nelly expõe-na à terrível tarefa de reencontrar um lugar (físico e emocional) para viver; por outro lado, o pano de fundo para tudo isso está longe de ser meramente decorativo, uma vez que surge marcado por uma teia de negações e traições inerente à reconstrução do próprio país. 
Sem hesitar na afirmação de um realismo social e psicológico extremamente elaborado, "Phoenix" é, afinal, mais um título que ilustra a energia da vaga de obras sobre a Segunda Guerra Mundial (alemães e não só) que temos vindo a observar desde o lançamento de "Lore" (2013), de Cate Shortland. Muito para além das regras tradicionais do "filme-de-guerra", trata-se, agora, de observar os labirintos dos mais inusitados destinos individuais. 
João Lopes, rtp.pt/cinemax/

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