AS MIL E UMA NOITES - VOL III, O ENCANTADO
Miguel Gomes
PT/FR/DE/CH, 2015, 125’, M/14
FICHA TÉCNICA
Realização: Miguel Gomes
Argumento: Miguel Gomes, Mariana Ricardo, Telmo Churro
Fotografia: Sayombhu Mukdeeprom
Som: Vasco Pimentel
Montagem: Telmo Churro, Pedro Filipe Marques, Miguel Gomes
Interpretação: Crista Alfaiat, Américo Silva, Carloto Cotta, Jing Jing Guo, Chico Chapas, Quitério, Bernardo Alves
Origem: Portugal / França / Alemanha / Suíça
Ano: 2015
Duração: 125’
CRÍTICA
Depois de dois volumes (“Volume 1, O Inquieto” e “Volume 2, O Desolado”) intensos e comoventes, retratos de um país socialmente devastado através do olhar incisivo de Miguel Gomes e o seu humor mordaz, confirma-se com o “Volume 3, O Encantado” que “As Mil e Uma Noites” é uma das obras mais promissoras do cinema português atual e a obra mais audaz de Miguel Gomes até à data.
Ao contrário dos volumes anteriores, este terceiro apresenta uma estrutura ligeiramente diferente, focando-se em dois mundos, o de Xerazade e o de “passarinheiros” e dos seus tentilhões. Comparando com os anteriores volumes, esta terceira parte é a mais fraca, ou a menos bem conseguida, o que é normal acontecer numa trilogia, com este a ser o mais desequilibrado dos três volumes.
O filme começa com a história da rainha Xerazade que com medo de não conseguir contar mais histórias que agradem ao Rei e para que este não a mate, foge do palácio e percorre o reino à procura de prazer e encantamento.
A segunda parte do filme foca-se no conto “O Inebriante Canto dos Tentilhões”, onde o realizador retrata uma certa classe social, de bairros sociais de Lisboa, um conjunto de homens que tem como ocupação ensinar pássaros (os tentilhões) a cantar. Uma atividade praticamente desconhecida a que o realizador dedica quase todo o filme, cruzando pelo meio imagens de manifestações ocorridas em Lisboa, com o relato de uma imigrante chinesa que se apaixonou por um polícia.
A história dos “passariheiros” ganha aqui uma dimensão poética, com os pássaros que cantam para lutar, para sobreviver. Cantam como se não houvesse amanhã. Se não cantarem morrem e alguns até morrem de tanto cantar.
A mensagem que passa é a de um povo que canta. é esta a forma de luta que o realizador aparenta encontrar. Só nos resta voar (o sonho) e cantar (a arma) para combatermos esta austeridade que nos é imposta, quer pelo governo, quer pelo sistema financeiro internacional, pois “a cantiga é uma arma”. Com um país destruído, o povo encanta-se com um país diferente, com cantigas de luta e com sonhos. A trilogia termina com a ideia de que ainda se luta pelo seu país, que apesar de todo o mal, da solidão e desilusão, ainda se canta.
Ao fim de três volumes, este é um povo que fica, primeiro inquieto, depois desolado e no final encantado. O Volume 3 é o mais pobre de ideias, isento do seu humor fantasioso característico dos anteriores volumes, ainda assim é nobre e funciona como obra solta, tal como os outros, mantendo a crítica social.
“As Mil e Uma Noites”, um retrato único de Portugal, é a derradeira obra de Miguel Gomes e uma das maravilhas mais cativantes e ousadas do cinema português.
Tiago Resende, cinema7arte
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