PROVAS, EXORCISMOS, Susana Nobre, Portugal, 2015, 25’
FICHA TÉCNICA
Realização: Susana Nobre
Montagem: Francisco Moreira
Fotografia: Paulo Menezes
Som: António Pedro Figueiredo e João Gazua
Com Óscar Santos, Bruno Pereira, Joana Ferreira, Joaquim Calçada, João Amaro, Susana Gonçalves, António Paula Mário, Rui Henrique, Bonacho Silvino, José Marques, Victor Lopes, José Nunes
Origem: Portugal
Ano: 2015
Duração: 25’
PRÉMIOS E FESTIVAIS
Prémio Especial - Festival International du Film D'amiens
Menção Honrosa do Juri - Caminhos do Cinema Português'15
Melhor Curta-Metragem Internacional - 34.º Festival Cinematográfico Internacional do Uruguay
Melhor Argumento - 8ª Festafilm Festival du Cinéma Lusophone et Francophone'16
CRÍTICA
Provas, Exorcismos, de
Susana Nobre, é uma belíssima curta-metragem na Quinzena dos Realizadores de
Cannes. Por que é que trabalhamos?
Do mundo do trabalho, aquilo que não vemos...Kafka, a
servir de epígrafe na curta-metragem Provas, Exorcismos, de Susana
Nobre: fala de um vento que sopra, da obediência a estranhas ordens longínquas
que estão ocultas do nosso olhar... Porque é que trabalhamos? O filme talvez
não responda, a pergunta, metafísica, é que sopra.
Depois de Vida Activa (2014), Susana Nobre
aventura-se para o “desconhecido”. A palavra é dela, mas aproveitamos já os
seus sentidos. Porque depois de Vida Activa, documentário que resultou
do trabalho da realizadora – cinco anos – no programa educativo Novas
Oportunidades, no Centro de Formação Profissional de Alverca, onde foi
profissional de reconhecimento e validação de competências de adultos que
haviam deixado a escola cedo, ficou um património humano em suspenso: o
programa encerrou. As imagens finais deixavam a longa-metragem nessa suspensão.
O que fazer com o arquivo daquelas histórias e daquelas vidas? Provas,
Exorcismos, que vai estar na secção Quinzena dos Realizadores do Festival
de Cannes, é uma hipótese de resposta: a ficção. E é belíssimo.
“Quando acabei o meu trabalho ali”, diz Susana,
“fiquei com uma enorme vontade de fazer uma série de filmes ao mesmo tempo, e com
uma série de perguntas, e com as narrativas das pessoas que conheci... Estou
ainda nessa zona, de fazer decisões. Este filme ainda foi escrito na altura em
que estava a trabalhar no programa” – onde conheceu Oscar, que se transformou
em personagem em Provas, Exorcismos, o filme com que a realizadora
regressa ao local do crime. “Este é o primeiro filme a ser feito a partir da
constelação de afinidades que resultou daquela experiência de cinco anos e a
partir do próprio Vida Activa”.
O documentário deu-lhe vontade de ficção, uma forma
“mais elíptica” e que afasta o fantasma que Susana Nobre não quer ver
materializado, o de cineasta “do social”. “É claro que o cinema dá conta do seu
tempo, do tempo em que é feito. Mas a experiência de Provas, Exorcismos
é a do desconhecido. É mais importante o que nos escapa, juntar coisas muito
improváveis”. Por exemplo, a vida de Oscar, 48 anos, há 25 a trabalhar na mesma
fábrica e continuando a repetir os gestos no momento em que a produção e os
salários estão suspensos; trabalha todos os dias, enquanto o tribunal não
decide sobre a insolvência da empresa – Oscar neste filme “brinca” a si
próprio, joga o jogo da ficção, tem até uma filha que na realidade é a filha da
realizadora.
Há isso e há a história de um quadro na capela
da Igreja Matriz de Alhandra, uma forma serena de Calvário, harmoniosa, com os
rostos a aceitarem serenamente o sofrimento porque confiantes na ressurreição
de Cristo. Esta aceitação, figurada e explicitada nesta explicação de um quadro
que acontece a meio do filme, eleva a história de Oscar, suspende-a da
abordagem social, deixa-a ser penetrada por uma surpreendente religiosidade - e
uma enorme ambiguidade – Oscar, como todas as outras personagens, são figuras
serenas e que aceitam; no chamamento de que Kafka falava n’O Castelo, as pessoas
obedecem a estranhas ordens, longínquas e ocultas.
“Acho que sim, que o filme pode ter um sentido
religioso, isso do amor à vida independentemente dos obstáculos. Mas a ideia de
que o equilíbrio das coisas é reencontrado [pela personagem de Oscar] com a ida
para outra fábrica também me assusta um pouco”, confessa Susana. Que se
confessa, igualmente, sem vontade de fixar certezas na sua ficção, de fazer
tese. “Este filme talvez tenha a ver com a ideia de que o trabalho é algo que
se vai vestindo de sítio para sítio, sem que isso seja um alicerce produtivo. É
qualquer coisa que nos domina – afinal são oito horas por dia. Mas não sei se é
no trabalho que encontramos a realização da nossa vida.”
Vasco
Câmara, Público
VIDA ACTIVA, Susana Nobre, Portugal, 2013, 92’, M/12
FICHA TÉCNICA
Realização, Produção e Imagem: Susana Nobre
Montagem: João Rosas
Imagem adicional: Sara Morais, Luís Miguel Correia
Som: Susana Nobre, João Matos
Origem: Portugal
Ano: 2013
Duração: 92’
CRÍTICAS
Susana Nobre passou vários anos a trabalhar no
programa de “reabilitação” profissional Novas Oportunidades na zona de Vila
Franca de Xira; durante todo esse tempo, foi filmando as histórias pessoais
daqueles com quem lidava, montando-as neste documentário seco e enxuto que
chega, merecidamente, à estreia comercial. As múltiplas histórias que a
realizadora vai agrupando desenham, com atenção e sem demagogia, um retrato
resignado e triste, um olhar sobre vidas suspensas que reflecte ao mesmo tempo
a realidade do desemprego e a atitude economicista dos empregadores, que
desvaloriza a experiência pessoal e o próprio orgulho pessoal, que não hesita
em descartar aqueles que ainda têm muito a dar em nome de um qualquer resultado
(político ou financeiro) que nada diz a ninguém - e que, nos seus momentos
finais, revela como mesmo a “reabilitação” pode estar condenada. Vida Activa
não se vê com prazer, mas deve ser visto.
Jorge Mourinha, Público
Poder-se-ia fazer uma leitura cínica do programa Novas
Oportunidades implementado no governo de Sócrates, mas Susana Nobre, que
trabalhou nesse programa e decidiu filmá-lo, recusa uma leitura fácil de
números e estatísticas de escolaridade. Vida Activa consegue, ao mesmo
tempo que descreve e acompanha a implementação e a extinção do projeto,
retratar uma parte da sociedade que sofre com o processo de desindustrialização
que afeta Portugal ou cujas necessidades familiares impediram de ter uma
educação mais prolongada. A discussão de qual a educação que deve ser dada ou
quais as habilitações que devem ser trabalhadas não aparece aqui, o que está em
causa é a tentativa de valorização e desenvolvimento pessoal pela construção de
narrativas biográficas e o fornecimento de ferramentas básicas de expressão e
cálculo.
É um filme que tem um equilíbrio muito precário entre
a positividade do processo e a negatividade da desilusão e da economia que
vemos encolher diariamente, mas que não procura mais do que documentar a
riqueza das vidas que são constantemente afectadas por interesses e políticas
económicos. Se há uma forma de pensar que sobrepõe a economia ao Estado Social
e à vida das pessoas, Vida Activa é um ato de resistência, para lá das
críticas que possam ser apresentadas ao programa das Novas Oportunidades,
contra as políticas de austeridade que nos são impostas e que nos roubam o
futuro pelos cortes na educação, saúde, segurança social e pela quantidade de
jovens qualificados que diariamente saem do país.
Sem fazer qualquer julgamento a nível político e
económico, Susana Nobre consegue fazer uma afirmação forte contra a Austeridade
e a pequenez de muitos que a defendem.
João Miranda, c7nema.net
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