CRUZEIRO SEIXAS - AS CARTAS DO REI ARTUR | 30 MAIO | IPDJ | 21H30
CRUZEIRO
SEIXAS - AS CARTAS DO REI ARTUR
Cláudia Rita Oliveira
Portugal, 2017, 85’, M/12
PRESENÇA DA REALIZADORA
FICHA TÉCNICA
Realização e Fotografia: Cláudia Rita Oliveira
Criação Gráfica: FIM (com participação de Tânia Pires)
Vozes: André Albuquerque | Joana Manuel
Música: Mighty Sands | Ricardo
Freitas | Sara Vicente
Montagem: Cláudia Rita Oliveira
Origem: Portugal
Ano: 2017
Duração: 85’
CRÍTICA
Poderia ser um filme sobre a vida e obra do Mestre,
mas é sobretudo um filme sobre o vínculo, fusional e determinante, entre
Cruzeiro Seixas e Mário Cesariny, dois nomes maiores do movimento surrealista
em Portugal. A realizadora conta que o objectivo inicial seria fazer um
documentário sobre a obra de Cruzeiro Seixas, mas ao longo de quatro anos de
uma rodagem complicada (por falta de tempo e de financiamento), o nome de
Cesariny surgia recorrente nas entrevistas, independentemente do episódio em
discussão. Em todos os momentos, Cruzeiro fala de si através de Cesariny – por
oposição, por comparação, por referência – como se a ligação a Cesariny fosse a
lente através da qual relembra o seu passado.
Cruzeiro Seixas – As Cartas do Rei Artur rouba o nome
a um excerto de uma de muitas cartas enviadas por Cesariny a Cruzeiro entre
1941 e 1974, compiladas no livro Cartas de Mário Cesariny para Cruzeiro
Seixas (2014). É através delas e dos seus 57 diários (de apontamentos,
fotografias, citações, colagens e desaforismos) que Cruzeiro Seixas
revisita, com um misto e saudade e ironia, 95 anos de pintura e poesia vividos
à sombra de Cesariny. As recordações de que dá conta são ambíguas e sem
cronologia (como os seus diários), mas possuem uma lucidez que incomoda.
Neste
filme, conhecemos Artur Manuel Rodrigues do Cruzeiro Seixas, o homem que não
gosta de se afirmar como um artista (mas apenas como um homem que pinta), e
acedemos a uma narrativa feita de solidão, arrependimento e desencontros.
Ficamos também a conhecer, na mesma medida, o Mário Cesariny – amigo, colega,
talvez amante – que Cruzeiro conhece na juventude quando ambos frequentavam a
Escola António Arroio, que exibia a sua homossexualidade de forma provocatória
enquanto Cruzeiro a resguardava, que ostentava a sua rebeldia e independência
enquanto Cruzeiro se conformava, que o assombrava na arte e na vida. Conhecemos
a história de amor que nunca o chegou a ser, sendo essa ausência de
plenitude que conservou viva uma paixão que sobreviveu ao tempo, à distância e
à morte. Na casa de Cruzeiro em Vila Nova de Famalicão (para onde se mudou a
contragosto depois de doar o seu espólio ao Centro de Estudos do Surrealismo da
Fundação Cupertino de Miranda), existe um quadro escrito a fósforos que formam
a frase: A Palavra Amor é Incendiária.
Transparece no documentário um sentimento profundo de afecto e admiração, mas
também de sujeição perante um homem que, depois de morto, é ainda o seu elo de
ligação à vida.
A
primeira longa-metragem da Cláudia Rita Oliveira – estreada no DocLisboa’16 – conseguindo atravessar
o universo pessoal de uma personalidade tão singular, oferece um retrato
directo e sem artifícios da sua intimidade. É um filme-confissão, que se
constrói a partir da sua personagem e aos poucos se desloca para outra, que
mora nas memórias da primeira. Mas seria redutor considerar que As
Cartas do Rei Artur é
apenas sobre a história de amor e desamor entre estes dois homens. Cuidadoso na
montagem das conversas, registos, objectos e imagens de arquivo e aceitando a
figura de Cesariny como fio condutor inevitável, é também um documento
necessário sobre um certo tempo, um movimento artístico, uma sociedade e uma
elite, e uma homenagem maravilhosa que faz finalmente justiça a um sobrevivente
esquecido de uma geração desaparecida: Um homem sofrido, deixado às suas
lembranças – que nos diz que não viveu, mas nos deixará os documentos
desse não viver.
Edite Queiroz, arte-factos
Máscara de Aço Contra Abismo Azul | 23 Maio | IPDJ | 21h30
MÁSCARA
DE AÇO CONTRA ABISMO AZUL
Paulo Rocha,
Portugal, 1989, 64’, M/12
FICHA TÉCNICA
Realização
e Argumento: Paulo Rocha
Montagem:
Manuel Mozos
Fotografia:
Daniel Del-Negro
Música: Paulo Brandão
Com: Fernando Heitor, Inês de Medeiros, Vítor
Norte, Miguel Guilherme, José Viana, e Henrique Viana
Origem: Portugal
Ano: 1989
Duração: 64’
Quase
vinte anos depois de "Pousada das Chagas", Paulo Rocha regressou a
uma surpreendente "colagem" sobre o modernismo português, centrado em
Amadeo de Sousa Cardoso. Se "Máscara de Aço" e "Abismo
Azul" são títulos de quadros de Amadeo, o que o filme propõe é uma
oposição entre a afirmação e o apagamento, entre os princípios masculino e
feminino. Entre a reconstituição dos anos do Orfeu e do manifesto futurista, a
montagem de uma exposição na Gulbenkian e um onirismo jugulado, Paulo Rocha
propôs uma das mais singulares e fascinantes visões desse mundo de cores e
metais, tão saudosista quanto anarquizante, tão altaneiro quanto inseguro.
Cinemateca Portuguesa
"Tentei filmar esse período da sua pintura
com um estilo diferente, como se a câmara fosse um pincel na mão do próprio
Amadeo, com a suas cores e as suas formas", escreveu o cineasta Paulo
Rocha, sobre o documentário, num texto citado pela Midas.
O filme - criado por ocasião do centenário do
nascimento de Amadeo de Souza-Cardoso, em 1988, e da exposição na Fundação
Calouste Gulbenkian dedicada ao artista - estreou-se no Festival de Pesaro, em
Itália, em 1989, após apresentação na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, no ano
anterior.
"Máscara de Aço" e "Abismo
Azul" surgem no filme como símbolos do casal primordial que o realizador
abordou em filmes como "A Ilha dos Amores", mas também personagens de
banda desenhada criadas pelo próprio Amadeo, após o regresso a Portugal quando
a Grande Guerra de 1914-1918 o afastava de Paris, recorda a Cinemateca
Portuguesa.
Surgem no filme datas e factos concretos da
vida pessoal de Amadeo, a família numerosa, a importância de Manhufe, a sua
terra natal, a passagem por Lisboa, a partida para Paris, em 1906, as
exposições na Europa e em Nova Iorque, os contactos e a amizade com o casal de
artistas Robert e Sonia Delaunay, os contactos com o artista Santa-Rita e as correspondências
com o escritor Teixeira de Pascoaes.
[,...]
Lusa
[...] Máscara de Aço Contra
Abismo Azul [...] são nomes de quadros de Amadeo e também entidades que o filme
liberta e transfigura, a partir da sua materialização em corpos de actores.
São, sobretudo, duas presenças, dois princípios, duas vibrações que contaminam
todo o espaço da memória (e o território do próprio filme).
O confronto de
Amadeo-personagem-do-filme com as personagens saídas dos seus quadros acaba por
adquirir uma dimensão que está muito longe de se esgotar na relação tradicional
de causa e efeito entre “modelo” e “obra”. No fundo, o que Máscara de Aço
Contra Abismo Azul propõe é uma igualização delirante do pintor e das suas
matérias dos seus quadros, num jogo a um tempo metódico e perverso em que tudo
se insere num mesmo plano, plano esse que já não é ilustrativo ou psicológico,
mas contraditório e teatral.
[...] Em Máscara de Aço Contra
Abismo Azul o que mais surpreende é a vitalidade (renovada pelo labor do próprIo
filme) da atitude criativa de Amadeo. Não estamos perante um pintor à procura
de um lugar mais ou menos nítido, ou eventualmente consagrado, na evolução da
pintura e das artes deste século. Bem pelo contrário. Amadeo sacrifica a
estabilidade de qualquer código conhecido à irrissão (que é uma forma de
espectáculo) de um novo código que se quer sempre disponível para o seu
contrário – um verdadeiro princípio de comédia, se não esquecermos que o riso
se apresenta aqui como o rosto simétrico da angústia.
João
Lopes,
Expresso, 24/9/1988
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