MÁSCARA
DE AÇO CONTRA ABISMO AZUL
Paulo Rocha,
Portugal, 1989, 64’, M/12
FICHA TÉCNICA
Realização
e Argumento: Paulo Rocha
Montagem:
Manuel Mozos
Fotografia:
Daniel Del-Negro
Música: Paulo Brandão
Com: Fernando Heitor, Inês de Medeiros, Vítor
Norte, Miguel Guilherme, José Viana, e Henrique Viana
Origem: Portugal
Ano: 1989
Duração: 64’
Quase
vinte anos depois de "Pousada das Chagas", Paulo Rocha regressou a
uma surpreendente "colagem" sobre o modernismo português, centrado em
Amadeo de Sousa Cardoso. Se "Máscara de Aço" e "Abismo
Azul" são títulos de quadros de Amadeo, o que o filme propõe é uma
oposição entre a afirmação e o apagamento, entre os princípios masculino e
feminino. Entre a reconstituição dos anos do Orfeu e do manifesto futurista, a
montagem de uma exposição na Gulbenkian e um onirismo jugulado, Paulo Rocha
propôs uma das mais singulares e fascinantes visões desse mundo de cores e
metais, tão saudosista quanto anarquizante, tão altaneiro quanto inseguro.
Cinemateca Portuguesa
"Tentei filmar esse período da sua pintura
com um estilo diferente, como se a câmara fosse um pincel na mão do próprio
Amadeo, com a suas cores e as suas formas", escreveu o cineasta Paulo
Rocha, sobre o documentário, num texto citado pela Midas.
O filme - criado por ocasião do centenário do
nascimento de Amadeo de Souza-Cardoso, em 1988, e da exposição na Fundação
Calouste Gulbenkian dedicada ao artista - estreou-se no Festival de Pesaro, em
Itália, em 1989, após apresentação na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, no ano
anterior.
"Máscara de Aço" e "Abismo
Azul" surgem no filme como símbolos do casal primordial que o realizador
abordou em filmes como "A Ilha dos Amores", mas também personagens de
banda desenhada criadas pelo próprio Amadeo, após o regresso a Portugal quando
a Grande Guerra de 1914-1918 o afastava de Paris, recorda a Cinemateca
Portuguesa.
Surgem no filme datas e factos concretos da
vida pessoal de Amadeo, a família numerosa, a importância de Manhufe, a sua
terra natal, a passagem por Lisboa, a partida para Paris, em 1906, as
exposições na Europa e em Nova Iorque, os contactos e a amizade com o casal de
artistas Robert e Sonia Delaunay, os contactos com o artista Santa-Rita e as correspondências
com o escritor Teixeira de Pascoaes.
[,...]
Lusa
[...] Máscara de Aço Contra
Abismo Azul [...] são nomes de quadros de Amadeo e também entidades que o filme
liberta e transfigura, a partir da sua materialização em corpos de actores.
São, sobretudo, duas presenças, dois princípios, duas vibrações que contaminam
todo o espaço da memória (e o território do próprio filme).
O confronto de
Amadeo-personagem-do-filme com as personagens saídas dos seus quadros acaba por
adquirir uma dimensão que está muito longe de se esgotar na relação tradicional
de causa e efeito entre “modelo” e “obra”. No fundo, o que Máscara de Aço
Contra Abismo Azul propõe é uma igualização delirante do pintor e das suas
matérias dos seus quadros, num jogo a um tempo metódico e perverso em que tudo
se insere num mesmo plano, plano esse que já não é ilustrativo ou psicológico,
mas contraditório e teatral.
[...] Em Máscara de Aço Contra
Abismo Azul o que mais surpreende é a vitalidade (renovada pelo labor do próprIo
filme) da atitude criativa de Amadeo. Não estamos perante um pintor à procura
de um lugar mais ou menos nítido, ou eventualmente consagrado, na evolução da
pintura e das artes deste século. Bem pelo contrário. Amadeo sacrifica a
estabilidade de qualquer código conhecido à irrissão (que é uma forma de
espectáculo) de um novo código que se quer sempre disponível para o seu
contrário – um verdadeiro princípio de comédia, se não esquecermos que o riso
se apresenta aqui como o rosto simétrico da angústia.
João
Lopes,
Expresso, 24/9/1988
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