Declinámos o tema dos irmãos, desde a fábula animada (Azur e Asmar), à contaminação entre o real e os contos fantásticos (Os Irmãos Grimm), à representação teatral no cinema (a influência dos raios gama no comportamento das margaridas), à recriação de um tempo e de uma invenção que mudou o mundo (Lumière! A aventura começa).
Filmes para todas as idades, filmes de todos os géneros. FILMES - a aventura de uma arte que sobrevive e permanece no tempo.
clipping :
11:30
AZUR E ASMAR
Michel Ocelot, FR: 2006. (M/4)
-falado em português-
FICHA TÉCNICA
realização: Michel Ocelot
argumento: Michel Ocelot
música: Gabriel Yared
montagem: Michèle Péju
origem: França
ano: 2006
duração: 99'
classificação etária: M/4
FESTIVAIS E PRÉMIOS
2007 | Munich Film Festival - Prémio do público infantil
NOMEAÇÕES
2007 | Festival Internacional de Cinema de Animação Annency - melhor longa metragem
2007 | Prémios Cesar - melhor música para filme
2008 | Prémios Goya - melhor filme de animação
SINOPSE
Azur e Asmar foram criado pela mesma mulher, Jenane, uma ama-de-leite. Azur é louro, de olhos azuis e filho de um nobre, enquanto Asmar é filho de Jenane e tem olhos e cabelos pretos. Os dois rapazes cresceram juntos como se fossem irmãos, até ao dia em que Jenane partiu com o filho. Já adulto, Azur, ainda fascinado com as histórias sobre a lendária Fada dos Djins que a ama lhe contava, decide partir à sua procura acompanhado pelo andarilho Crapoux. Na viagem por terras onde viveu em criança, Azur acaba por reencontra Asmar, que também está em busca da fada. Agora como rivais, os dois irão viver aventuras cheias de perigos e feitiços por terras mágicas onde apenas um alcançará o tão desejado objectivo...
realização: Michel Ocelot
argumento: Michel Ocelot
música: Gabriel Yared
montagem: Michèle Péju
origem: França
ano: 2006
duração: 99'
classificação etária: M/4
FESTIVAIS E PRÉMIOS
2007 | Munich Film Festival - Prémio do público infantil
NOMEAÇÕES
2007 | Festival Internacional de Cinema de Animação Annency - melhor longa metragem
2007 | Prémios Cesar - melhor música para filme
2008 | Prémios Goya - melhor filme de animação
SINOPSE
Azur e Asmar foram criado pela mesma mulher, Jenane, uma ama-de-leite. Azur é louro, de olhos azuis e filho de um nobre, enquanto Asmar é filho de Jenane e tem olhos e cabelos pretos. Os dois rapazes cresceram juntos como se fossem irmãos, até ao dia em que Jenane partiu com o filho. Já adulto, Azur, ainda fascinado com as histórias sobre a lendária Fada dos Djins que a ama lhe contava, decide partir à sua procura acompanhado pelo andarilho Crapoux. Na viagem por terras onde viveu em criança, Azur acaba por reencontra Asmar, que também está em busca da fada. Agora como rivais, os dois irão viver aventuras cheias de perigos e feitiços por terras mágicas onde apenas um alcançará o tão desejado objectivo...
IMDb // TRAILER ORIGINAL // FACEBOOK
14:30
OS IRMÃOS GRIMM
Terry Gilliam. US/CZ/UK: 2005. 120' (M/12)
FICHA TÉCNICA
realização: Terry Gilliam
argumento: Ehren Kruger
música: Dario Marianelli
fotografia: Newton Thomas Sigel
montagem: Lesley Walker
origem: US/CZ/UK
ano: 2006
duração: 120'
elenco: Matt Damon, Heath Ledger, Monica Bellucci, Charles Roven, Jonathan Pryce, Lena Headey, Peter Stormare
SINOPSE
É a história das aventuras dos lendários escritores de contos de fadas, os irmãos Will e Jake Grimm. Os dois irmãos, no início do século XIX, nas suas viagens, fingem que livram os habitantes de monstros e demónios para ganhar dinheiro fácil. Mas, quando são chamados pelas autoridades francesas para ajudarem a desvendar o misterioso desaparecimento de umas jovens, vêem-se forçados a enfrentar forças malignas reais.
Cinderela, O Capuchinho Vermelho e Hansel e Gretel são algumas das personagens que são metidas ao barulho no filme realizado por Terry "Monty Python" Gilliam. PÚBLICO
Fábulas e efeitos especiais do
século XIX`
Há todo um estilo de jornalismo irresponsável, por vezes disfarçado de crítica de cinema, que fala de efeitos especiais como algo que tem a ver apenas com extraterrestres e naves espaciais… Mais ainda: como um conjunto de técnicas que o cinema teria descoberto nos últimos anos, para não dizer nos últimos meses. Poderemos sempre contrapor que o conceito (e a prática) de efeito especial já existe em muitos filmes de George Méliès, fabricados nos primeiros anos do século XX. Em todo o caso, ao filmar «Os Irmãos Grimm», Terry Gilliam parece querer introduzir uma bizarra derivação na vasta história da fabricação visual (e sonora) da ilusão e do fantástico. Isto porque, no seu filme, Jakob (Heath Ledger) e Wilhelm Grimm (Matt Damon) são, de facto, verdadeiros artesãos de efeitos especiais, com isso levando uma existência que não prima pela honestidade social.
O curioso argumento de Ehren Kruger (que escreveu, entre outros títulos, «The Ring» e «The Ring 2») apresenta os Grimm como exploradores das crenças sobrenaturais das populações da região de Praga, durante a primeira metade do século XIX. Surgindo sempre onde há «maldições» e «assombramentos», eles encenam espectaculares exorcismos que, ingenuamente, os camponeses recebem (e pagam) como verdadeiros rituais de purificação.
Até que um dia, os Grimm se vêem forçados a experimentar os poderes sobrenaturais das fábulas («Cinderela», «Hansel e Gretel», «O Capuchinho Vermelho», etc., etc. ) que, mais tarde, os viriam a celebrizar. O seu confronto com a «Rainha do Espelho» (Monica Bellucci) transforma-se numa lição prática sobre o mais velho sobressalto narrativo do género fantástico: o feitiço vira-se contra o feiticeiro, ou seja, os Grimm acabam por enfrentar a verdade «concreta» dos artifícios que apenas encenavam.
Sustentado por um notável trabalho de cenografia e guarda-roupa, coordenado pelo designer inglês Guy Hendrix Dyas, «Os Irmãos Grimm» consegue aquilo que, em tempos recentes, tanto tem faltado ao cinema de Terry Gilliam, nomeadamente em «Delírio em Las Vegas» (1998). A saber: um sentido dramático e poético do espectáculo que não transija com «experimentações» que acabam por se revelar formalmente supérfluas e inconsequentes no plano emocional.
Nesta perspectiva, não deixa de ser curioso que um filme como «Os Irmãos Grimm» tenda a ser catalogado como uma emanação directa de Hollywood quando, de facto, se trata de um produto genuinamente europeu: a chancela internacional de um dos grandes estúdios de Hollywood (MGM) não anula o facto essencial de estarmos perante um objecto fabricado deste lado do Atlântico (veja-se, no genérico final, a sua identificação como uma produção de Grã-Bretanha e República Checa). Será essa a ironia final: a de, em tempos de muitos efeitos especiais made in USA, «Os Irmãos Grimm» saber devolver os seus protagonistas às raízes germânicas das suas fábulas.
Há todo um estilo de jornalismo irresponsável, por vezes disfarçado de crítica de cinema, que fala de efeitos especiais como algo que tem a ver apenas com extraterrestres e naves espaciais… Mais ainda: como um conjunto de técnicas que o cinema teria descoberto nos últimos anos, para não dizer nos últimos meses. Poderemos sempre contrapor que o conceito (e a prática) de efeito especial já existe em muitos filmes de George Méliès, fabricados nos primeiros anos do século XX. Em todo o caso, ao filmar «Os Irmãos Grimm», Terry Gilliam parece querer introduzir uma bizarra derivação na vasta história da fabricação visual (e sonora) da ilusão e do fantástico. Isto porque, no seu filme, Jakob (Heath Ledger) e Wilhelm Grimm (Matt Damon) são, de facto, verdadeiros artesãos de efeitos especiais, com isso levando uma existência que não prima pela honestidade social.
O curioso argumento de Ehren Kruger (que escreveu, entre outros títulos, «The Ring» e «The Ring 2») apresenta os Grimm como exploradores das crenças sobrenaturais das populações da região de Praga, durante a primeira metade do século XIX. Surgindo sempre onde há «maldições» e «assombramentos», eles encenam espectaculares exorcismos que, ingenuamente, os camponeses recebem (e pagam) como verdadeiros rituais de purificação.
Até que um dia, os Grimm se vêem forçados a experimentar os poderes sobrenaturais das fábulas («Cinderela», «Hansel e Gretel», «O Capuchinho Vermelho», etc., etc. ) que, mais tarde, os viriam a celebrizar. O seu confronto com a «Rainha do Espelho» (Monica Bellucci) transforma-se numa lição prática sobre o mais velho sobressalto narrativo do género fantástico: o feitiço vira-se contra o feiticeiro, ou seja, os Grimm acabam por enfrentar a verdade «concreta» dos artifícios que apenas encenavam.
Sustentado por um notável trabalho de cenografia e guarda-roupa, coordenado pelo designer inglês Guy Hendrix Dyas, «Os Irmãos Grimm» consegue aquilo que, em tempos recentes, tanto tem faltado ao cinema de Terry Gilliam, nomeadamente em «Delírio em Las Vegas» (1998). A saber: um sentido dramático e poético do espectáculo que não transija com «experimentações» que acabam por se revelar formalmente supérfluas e inconsequentes no plano emocional.
Nesta perspectiva, não deixa de ser curioso que um filme como «Os Irmãos Grimm» tenda a ser catalogado como uma emanação directa de Hollywood quando, de facto, se trata de um produto genuinamente europeu: a chancela internacional de um dos grandes estúdios de Hollywood (MGM) não anula o facto essencial de estarmos perante um objecto fabricado deste lado do Atlântico (veja-se, no genérico final, a sua identificação como uma produção de Grã-Bretanha e República Checa). Será essa a ironia final: a de, em tempos de muitos efeitos especiais made in USA, «Os Irmãos Grimm» saber devolver os seus protagonistas às raízes germânicas das suas fábulas.
João Lopes. Diário de Notícias (29-9-2005)
17:30
A
INFLUÊNCIA DOS RAIOS GAMA NO COMPORTAMENTO DAS MARGARIDAS
Paul Newman. US: 1972. 101’ (M/16)
FICHA TÉCNICA
realização:
Paul Newman
argumento:
Alvin Sargent
a
partir da peça de teatro de Paul Zindel
música:
Maurice Jarre
som:
Dennis Maitland e Roben Fine
fotografia:
Adam Holender
montagem: Evan A. Lottman
cenários:
Richard Merrell
guarda-roupa:
Anna Hill Johnstone
país: US
ano:
1972
duração:
101'
elenco:
Joanne
Woodward, Nell Potts, Roberta Wallach
FESTIVAIS E PRÉMIOS
Festival de Cannes - Prémio
Melhor Actriz
SINOPSE
Baseado na peça de Paul Zindel
vencedora de um Prémio Pulitzer, o filme conta a história de uma viúva
ressentida que cria as suas duas filhas num ambiente deprimente e disfuncional.
Enquanto a mãe sucumbe ao seu alcoolismo e a irmã se refugia no tédio, a filha
mais nova tenta sair-se bem na escola e manter uma atitude positiva perante a
vida. ALAMBIQUE FILMES
21:30
LUMIÈRE! A AVENTURA COMEÇA
Thierry Frémaux. FR: 2016. 90’ (M/12)
Bertrand Tavernier e L’Institut Lumière
apresentam
com Sorties D’usine Productions
um filme composto e comentado por Thierry Fremaux
a partir de uma série de vistas cinematográficas rodadas por Louis Lumière
e os seus operadores entre 1895 e 1905
um filme apresentado por Bertrand Tavernier
comentários escritos e ditos por Thierry Frémaux
uma produção Institut Lumière - Sorties D’usine Productions
produção executiva Maelle Arnaud
produção Cécile Bourgeat
conselheiro Lumière Fabrice Calzettoni
montagem Thomas Valette, Thierry Frémaux
música Camille Saint-Saëns (Edições Naïve E Universal Music Vision)
pós- produção Silverway Media
distribuição Midas Filmes
vendas Internacionais Wild Bunch
restauro dos filmes Lumière financiado por CNC
no âmbito de Aide Sélective à la Numérisation des Oeuvres Cinématographiques du Patrimoine
com o apoio de Fondation D’Entreprise Total
no âmbito da parceria com Fondation Du Patrimoine
restauro Eclair Group
scan 4k Immagine Ritrovata L’Institut Lumière
e apoiado por CNC- Ministère De La Culture Et De La Communication – Cidade De Lyon e Métropole de Lyon e a Région Auvergne-Rhône-Alpes
com Sorties D’usine Productions
um filme composto e comentado por Thierry Fremaux
a partir de uma série de vistas cinematográficas rodadas por Louis Lumière
e os seus operadores entre 1895 e 1905
um filme apresentado por Bertrand Tavernier
comentários escritos e ditos por Thierry Frémaux
uma produção Institut Lumière - Sorties D’usine Productions
produção executiva Maelle Arnaud
produção Cécile Bourgeat
conselheiro Lumière Fabrice Calzettoni
montagem Thomas Valette, Thierry Frémaux
música Camille Saint-Saëns (Edições Naïve E Universal Music Vision)
pós- produção Silverway Media
distribuição Midas Filmes
vendas Internacionais Wild Bunch
restauro dos filmes Lumière financiado por CNC
no âmbito de Aide Sélective à la Numérisation des Oeuvres Cinématographiques du Patrimoine
com o apoio de Fondation D’Entreprise Total
no âmbito da parceria com Fondation Du Patrimoine
restauro Eclair Group
scan 4k Immagine Ritrovata L’Institut Lumière
e apoiado por CNC- Ministère De La Culture Et De La Communication – Cidade De Lyon e Métropole de Lyon e a Région Auvergne-Rhône-Alpes
SINOPSE
Em 1895, Louis e August Lumière inventam o
cinematógrafo e filmam alguns dos primeiros filmes na história do cinema. Com a
descoberta da mise-en-scène, dos travellings e ainda dos efeitos especiais e
remakes, também inventaram o cinema enquanto arte. Dos seus mais de 1400
filmes, Thierry Frémaux, director do Festival de Cinema de Cannes e do
Instituto Lumière, seleccionou 114: obras de arte mundialmente conhecidas ou
descobertas de filmes antes desconhecidos, recuperados em 4K e reunidos para
celebrar o legado dos Lumière. MIDAS FILMES
FESTIVAIS E PRÉMIOS
Festival
de Cannes
Festival Internacional de Cinema de Toronto
Festival Internacional de Cinema de Toronto
Lumière: os homens que
inventaram o cinema três vezes
Para
Louis e Auguste era preciso estarmos todos juntos para olharmos para uma
imagem. Os últimos inventores foram os primeiros cineastas. Técnica, arte,
colectivo. A pedagogia e doçura de Lumière! A Aventura Começa, de Thierry
Frémaux, lava o olhar.
O
primeiro cinema disse logo quem somos. “A primeira personagem é a multidão, o
povo. O primeiro cinema disse logo que o cinema era para dizer quem somos.” As
palavras são de Thierry Frémaux e libertam a palavra do Cinematógrafo Lumière.
Esses filmes, os primeiros, realizados entre 1895 e 1905, estão desde hoje a
falar connosco numa sala e a contar-nos a nossa história de espectadores.
Talvez seja esse o risco de melancolia — ou talvez não, talvez seja libertador
— de Lumière! A Aventura Começa: levar o espectador, intensificado pela
revelação tão intensa, tão pura, tão presente, destas imagens que vêm ainda do
século XIX, a perguntar-se onde é que está hoje. E a libertar o olhar.
“Melancolia?
Não, sou um cinéfilo que conhece bem a sua história, a melancolia foi já
ocupada por Wim Wenders, por Serge Daney [1944-1992, crítico nos Cahiers du
Cinéma, Libération, revista Trafic], por muita gente. É por isso que tento
encontrar o que me pertence na história do cinema. A sala de cinema para mim
não é melancolia, é convívio” — é por isso que de Frémaux, 57 anos,
delegado-geral do Festival de Cannes, director-geral do Instituto Lumière,
cinturão negro em judo, fanático de Bruce Springsteen, se diz que olha sempre
para um copo meio cheio em vez de contemplar um copo meio vazio.
Esta
espécie de documentário histórico que é, afinal, um filme a perguntar pelo
presente, Lumière! A Aventura Começa, vem de Lyon, do Instituto Lumière, do
local onde funcionaram as instalações em que os irmãos Auguste e Louis captaram
a primeira personagem de cinema, o povo (La Sortie de L’usine Lumière a Lyon,
1895). Faz uma montagem de 114 dos 1422 filmes que constituem o legado de Louis
e Auguste. Foi de Lyon, do mesmo instituto Lumière, que este ano nos chegou
também Viagem pelo Cinema Francês com Bertrand Tavernier, que, sendo um
percurso pessoal por cineastas e épocas, perguntava pelo pacto forjado (há 122
anos com a invenção do Cinematógrafo) entre o ecrã e o espectador. Frémaux é
director-geral do Instituto Lumière. Tavernier é o presidente. Nada disto pode
ser pura coincidência.
“É
coincidência e não é. De alguma maneira estou na origem do filme de Bertrand,
fui eu que lhe disse: ‘É preciso que gravemos a tua palavra, a tua memória, a
tua forma de falar do cinema, é preciso que gravemos os actores, realizadores,
compositores de que estás sempre a falar’” — fundamentalmente, o realismo
francês dos anos 30. “E tem razão, Lumière! A Aventura Começa é um filme
feito no presente. Há 20 anos que eu mostrava os filmes Lumière por todo o
lado, com comentário live, dizendo: ‘O filme é isto, é isto, é isto...’ São
filmes que foram esquecidos e que foram redescobertos. Tenho uma forma pessoal
de os mostrar, mas isto não é um filme ‘de’ Thierry Frémaux. Com os filmes
Lumière eu quis fazer um filme Lumière, para que eles pudessem ter os seus
filmes de regresso a uma sala de cinema.”
O
primeiro dos cineastas
A
história de Thierry com Auguste e Louis começou em Lyon, em 1982, quando
“ninguém falava dos Lumière”. Os locais, a casa da família Lumière, eram
territórios devastados, a memória vaga. Frémaux era jornalista da rádio,
amador, interessava-se por cinema, era estudante. Houve uma conferência de
Tavernier, “que queria construir uma cinemateca no lugar onde o cinema tinha
nascido”. Frémaux foi cobrir a conferência. Tavernier “falou, falou, falou”. “E
o primeiro director do Instituto Lumière, Bernard Chardère, propôs: ‘Já que
estamos aqui, vamos ver La Sortie de L’usine Lumière...’ em 35mm. Eu tinha a
ideia de ter visto L’Arroseur arrosé” — pedaço de burlesco, uma mangueira, uma
partida, água — “e olho para La Sortie de L’usine Lumière ... emocionado...
lembro-me como se fosse ontem. Mais tarde tornei-me historiador. E nunca mais
saí de Lyon. Ao trabalhar no Instituto Lumière pensei que era preciso dar esse
legado a conhecer a toda a gente. Conhecia um, dois ou três filmes Lumière, e
comecei a conhecer mais e a perceber a importância. Foi como se tivesse
começado de novo. Ao prepararmos o centenário do cinema, em 1995, tinha o
hábito de fazer comentário live [sobre as imagens dos filmes].” Vimo-lo,
ouvimo-lo, numa sessão ao vivo: Frémaux live é joyeux... “Agora, fazemos um
filme Lumière.” Com música de Camille Saint-Saëns, contemporâneo de Auguste e
Louis, e um texto que fixa o essencial dos comentários das sessões ao vivo, mas
que, desta vez admite, é “mais melancólico”.
“Como
qualquer cineasta, Lumière regressa ao cinema.” Repare-se: como um cineasta;
não como inventor. A voz de Frémaux liberta o cinema que está nas imagens
Lumière, os últimos dos inventores e os primeiros dos cineastas: são os
travellings, a ficção e o documentário — o documentário ficcionado —, é o
suspense, a comédia (L’Arroseur arrosé) e o filme de família (Le Repas du
bébé), é a invenção do remake (as várias versões, cada vez mais encenadas, de
La Sortie de L’ Usine Lumière... ), a composição dos planos, as linhas
diagonais, a intuição do cinemascope, é o diálogo moderno entre o ecrã e a sala
(“personagens” que, sabotando as tomadas de vista documentais, incentivam os
espectadores a reagir — o cinema como espectáculo colectivo).
“Devo
contar uma história com uma câmara, como e qual a posição dela? Essa é a
questão de sempre, é a questão dos cineastas de hoje.” Era já a questão do
cinema Lumière: 17 metros de película para cada tomada de vista, 50 segundos,
era preciso encontrar o lugar justo para a câmara.
“Fizeram
experiências, descobertas, surpresas, Eram técnicos e artistas. Hoje, com o
tempo, esse grande crítico, podemos medir a importância desses filmes, a sua
inocência e verdade. Hoje um cineasta também quer encontrar a sua verdade. Um
filme continua a viver, se fica nele alguma verdade do instante em que foi
feito. Mesmo nos filmes falhados dos Lumière, há algo de verdade.”
Frémaux encontra neles
Spielberg, Ford, Raoul Walsh, Eisenstein, Ozu, Truffaut, Hitchcock, Richard
Fleischer ou James Cameron. Como se essas tomadas de vista
contivessem já a disponibilidade para a história do cinema, como se a
anunciassem.
“A
minha voz é a voz do professor, do guia, do pedagogo. É a voz do acompanhante,
do admirador. E a voz da transmissão. Eu sei melhor do que todos porque é o meu
trabalho. E aquilo que sei dou. Havia outras maneiras de o fazer, esta é a
minha. Sou cinéfilo, leio os filmes com a história do cinema. Pode-se fazer um
comentário unicamente sociológico ou unicamente histórico. Eu faço isso, mas
faço sobretudo cinematográfico.
Numa
sessão live, perante o transbordante travelling de Le Village de Namo (1900),
filmado numa aldeia vietnamita pelo operador Gabriel Veyre, Frémaux encontra já
a antecipação do corpo, queimado pelo napalm, de Kim Phuc a correr naquela
fotografia da Associated Press de 1972. Um cineasta é alguém com intenções. Os
Lumière, entre 1895 e início de 1896, filmaram as suas cenas domésticas.
Depois, correram o mundo, viajaram de balão, subiram à Torre Eiffel e aos
glaciares, recrutando operadores que enviaram para os cinco continentes com
indicações precisas. Como uma escola. Como o fizeram? Sabe-se pouco.
A
democracia da imagem
“É
de facto como uma escola de cinema. Louis Lumière, dos irmãos era ele que
filmava, tinha uma autoridade que lhe permitia dizer: ‘O cinema é para fazer
assim, assim, assim.’ Os operadores tinham ordens, o que estava em Moscovo e o
que estava em Tóquio faziam o mesmo filme. É espantoso não só que o inventor do
cinema seja também um cineasta, mas que um cineasta seja também um produtor. É
alguém que recruta operadores, que lhes dá lições rápidas, e eles partem para o
mundo para fazer filmes.”
Não
há arquivos que documentem essa relação — não há muitos arquivos sobre os
Lumière, que fizeram cinema durante dez anos e depois... “A família não se
interessou; Louis morreu em 1948, Auguste em 1954. Durante muito tempo não
houve o valor do tempo. Quer em França, quer em Lyon. As pessoas não se
interessavam.”
Não
há muitos documentos, “mas há algumas cartas, há recordações de operadores, há
o diário de Gabriel Veyre, que foi ao México, ao Vietname, ao Japão”. “Pode
fazer-se a história Lumière como uma história de hipóteses, de ideias, que nos
obriga a reflectir. Da mesma maneira que ver os filmes Lumière nos lava os
olhos, nos limpa o cérebro, nos obriga a compreender o que é um plano, o que é
o tempo. Reflectir.”
Por
exemplo, sobre “a democracia da imagem” no cinema Lumière. “Veja-se a forma
como se filmam as crianças.” A infância é determinante, salienta Frémaux, é
nela que está o começo.
“E
nos filmes internacionais, há o respeito pela identidade: o filme russo não é
como o filme japonês ou o filme americano. Havia um político em França, Jean
Marie le Pen, que dizia: ‘Prefiro a minha filha à minha prima, a minha prima à
minha vizinha, a minha vizinha a uma estrangeira.’ O cinema Lumière é o
contrário disso.”
Jean
Renoir dizia que se compreendia o mundo no cinema dos Lumière mais do que em
qualquer enciclopédia. Num arregaçar de mangas pedagógico — coisa a três,
Renoir, Henri Langlois e Eric Rohmer, que os filma em Aller au Cinéma: Louis
Lumière, 1968) —, o realizador de A Regra do Jogo notava que os “documentários”
Lumière não faziam apenas a fixação de algo para transmissão futura, havia a
intromissão da recriação. “O que é aquilo a que chamamos hoje obra de arte.”
Não se mostrava apenas a realidade, abriam-se as portas à incontinência
fantasista — dessa forma Louis, ou um dos seus operadores, metia-se no plano.
No sabor a falso que algumas “tomadas de vista” cómicas exibem Renoir via a
ironia, a personalidade do realizador, a manifestação de um artista — e
de um espírito francês, a tradição do “fazer de conta”.
Langlois
sublinhava — continuamos nas conversas de Aller au Cinéma: Louis Lumière — que
um plano de um filme Lumière, e sem mexer a câmara, continha no seu movimento
interior todas as variações, do plano de conjunto ao grande plano. E em
estocadas definitivas, o fundador da Cinemateca Francesa atira sobre o
Cinematógrafo Lumière: “Ce n’est pas l’histoire qu’il a montré, c’est la vie.”
Isto é, a arte, a filosofia, os sentimentos, a atmosfera de uma época, a vida
como imponderável, e a arte, o impressionismo, que a captou dessa forma. Está
tudo no renoiriano, de Jean e Pierre-Auguste, La Petite fille et son chat. Ou
ainda: “O que é serôdio nos filmes dos Lumière: a burguesia. O que é moderno?
As pessoas do povo.” Continuamos próximos das pessoas desses filmes.
Tradição
francesa
E,
no entanto, apesar de “lumièristas” convictos — Renoir, Langlois, Rohmer ou
ainda Maurice Pialat, Godard —, “em França a tradição do ódio de si mesmo
levou sempre os franceses a atacar os Lumière quando se posicionavam na
polémica sobre a invenção do cinema”. “Muitas vezes os historiadores de cinema
não sabem do que falam. Um dia alguém disse: ‘Lumière inventa uma máquina,
George Méliès [1861-1938] inventa o cinema.’ Lumière é contestado como inventor
— porque depois diz-se que não foi ele, foi Thomas Edison — e como cineasta:
porque não teria sido ele, teria sido Méliès. Não. Lumière é também Edison,
Lumière é também Méliès. Lumière é melhor do que Edison, Lumière é diferente de
Méliès — que, aliás, acho passadista. Há inventores antes, mas não há nenhum
depois. Quando os Lumière fazem o primeiro filme, está feito. Ponto final.
Griffith acontece depois, e como artista é como Lumière. Vai experimentar, vai
reflectir. Quis fazer este filme para ir contra clichés — que os Lumière
fizeram cinema sem saber que estavam a fazer, que não eram artistas, que nem
eram inventores, porque isso era o Edison. Também se disse que Lumière era o
documentário e que Méliès era a ficção. Nada disso. A diferença entre Lumière e
Méliès não é entre documentário e ficção, é entre Rossellini e Fellini. Lumière
é: ‘Pego no mundo tal como ele é e registo-o e projecto-o.’ É Rossellini, é
Renoir, é Pialat, é Kechiche. Méliès é Fellini, é Hollywood, é Jacques Demy:
‘Pego no mundo e reinvento-o.’ Não é uma oposição, é uma complementaridade.”
“Desde
que cheguei ao Instituto Lumière”, continua Frémaux, que em Lumière! continua
com doçura a pedagogia austera de Langlois/Renoir, “disse a mim próprio que era
preciso convidar os cineastas para lhes mostrar a sua existência, que não se
tratava só de uma coisa técnica, era também a sua origem artística. Ver estes
filmes em Lyon é como assistir ao seu nascimento outra vez.” Recorda, no
passado, Kazan e Mankiewicz (“foi como se encontrassem a sua família”);
posteriormente convidou Cimino, Almodóvar, Sorrentino ou Scorsese a filmarem a
sua tomada de vista no local onde, em 1895, Auguste e Louis registaram a saída
da fábrica Lumière.
“A
TV não se substituiu ao cinema, nem as séries de TV. O cinema mantém algo de
protótipo, de singular. E, quando é assim, o desejo de mundo existe, quer seja
em Nuri Bylge Ceylan, quer seja em Kathryn Bigelow. Mas é preciso que o cinema
esteja à altura. Esse é o desafio. Desde o início do cinematógrafo que o cinema
me disse quem eu era e quem eram os outros. É essa a sua missão.”
Não
se deve menosprezar o facto de Lumière! A Aventura Começa e Viagem pelo Cinema
Francês com Bertrand Tavernier , na sua aparência de documentários históricos
de montagem, terem vindo dizer coisas essenciais sobre o que de mais subterrâneo
se passa numa sala face a um ecrã, sobre o que projectamos, sobre uma
construção utópica, um pacto, sobre o grupo – sobre o que hoje resta. Não é por
acaso que, num ciclo que a Cinemateca programa para 2018 sobre O Medo, haja uma
sessão, a primeira, que juntará a Psico de Hitchcock, L’Arrivée d’un train en
gare de La Ciotat, o filme Lumière que assustou os primeiros dias do cinema. E
quando vemos as escolhas de Tavernier, no seu documentário, o impulso por
Renoir, Duvivier ou Jacques Becker, percebe-se que o realismo como essência do
cinema francês foi fundado por Louis e Auguste.
“Completamente”,
concorda Frémaux. “Os Lumière inventam três vezes o cinema: a técnica, a arte e
a sala. Em 1895 havia Edison contra os Lumière, o cinetoscópio, consumo individual
das imagens, contra o cinematógrafo. Para os Lumière era preciso estarmos todos
juntos para olharmos para uma imagem. Lumière triunfa, porque era isso que as
pessoas queriam: que o cinema fosse um espectáculo. Hoje, 120 anos depois,
quando o numérico triunfa, com a TV, a Internet, a Netfix, o cinema continua a
ser singular. Permanece uma arte colectiva, mesmo se vemos DVD em casa —
ir ao cinema mantém o seu prestígio.” Frémaux sempre a ver os copos meio
cheios? “Hoje os filmes são a manipulação a todo o tempo. Quando se via
Apocalypse Now, havia 5 helicópteros, não 50. O cinema dos Lumière é parecido.
Se hoje algo no cinema mudou, com os Lumière podemos ainda ter confiança”. A
isto não se chamará... melancolia?
Vasco
Câmara, Público (13 de outubro de 2017)
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