UMA MULHER NÃO CHORA | 27 FEV | 21H30 | IPDJ
UMA MULHER NÃO CHORA
Fatih Akin
Alemanha/França, 2017, 106', M/16
FICHA TÉCNICA
Título Original: Aus dem Nichts
Realização e Argumento: Fatih Akin
Montagem: Andrew Bird
Fotografia: Rainer Klausmann
Música: Joshua Homme
Interpretação: Diane Kruger, Denis Moschitto, Johannes Krisch, Samia Chancrin, Numan Acar, com a participação especial de Ulrich Tukur
Origem: Alemanha/França
Ano: 2017
Duração: 106'
FESTIVAIS E PRÉMIOS
Festival de Cannes - Melhor Actriz (Diane Kruger)
Globos de Ouro - Globo de Ouro para melhor filme estrangeiro
TRAILER
CRÍTICA
A
história é simples — e ecoa por todo o lado, nesta velha Europa onde o espectro
da xenofobia, do racismo, da extrema-direita, volta a aparecer e a
disseminar-se, lentamente, como uma antiga peste que os ratos fossem
transportando de porto em porto. Katja/Diane Kruger, a protagonista, alemã
loiríssima, conheceu Nuri/ Numan Acar, turco de origem curda, por demais
moreno, na universidade. Ela ia às aulas, ele vendia-lhe droga. Ela deixou de
ir às aulas, ele foi preso — casaram-se na prisão, como se vê na peculiar cena
de abertura do filme que parece filmada com um telemóvel. A vera história que
interessa começa, todavia, uns anos depois. Katja deixa o filho com o pai,
durante umas horas, na pequena agência de viagens que ele abriu no coração do
bairro turco de Hamburgo. Quando volta, as sirenes e as barreiras da polícia
não a deixam passar: uma bomba fez estoirar o edifício, os corpos nem sequer
estão reconhecíveis, pedaços que só por testes de ADN se saberá a quem
pertencem.
Katja
não é a alemã que o espectador médio queira reconhecer como sua igual. Há as
tatuagens, a desocupação, os costumes livres, o álcool de que abusa, as drogas
a que há de voltar — e há a casa onde habita que não bate nada com isso, larga,
de grandes janelas, luxuosamente sóbria, de onde terá vindo o inheiro que a
comprou? Essa é a primeira e melhor astúcia de Fatih Akin, cineasta germânico
de origem turca, autor deste filme. É uma velha receita, sempre boa de usar:
criar distância para melhor dar a ver. Criar hipóteses de respostas irracionais
para que o andar da carruagem também nos ponha em causa. A polícia, a
princípio, até nos confirma: será que Nuri continuara com o seu comércio
ilegal, ao contrário do que Katja afincadamente afirma? Será que a bomba é uma
questão de conflito entre traficantes? Não parece mesmo delírio a ideia de
Katja de que se tratou de um atentado dos neonazis? E, depois, o preconceito
racial aparece (magníficas as cenas com os pais de Katja e de Nuri), os dias
passam — e Katja afunda-se no desespero. Os plúmbeos céus e a chuva que não
para criam o perfeito casulo para tal (e, já agora, com o eficaz impulso da
música de Josh Homme). É desse afundamento, desse caminho para o oblívio e da
hipótese de dele se sair que 'Uma Mulher Não Chora" fala (e, até por isso,
o título português é falhado). Porque tudo o que se passa a partir daí, mesmo
os eventos no ribunal (exemplares!), mesmo a perpetração de uma vingança que aqui
se não pormenorizará para não estragar o prazer da descoberta, é a rota para a
perdição. Uma rota para a perdição que nos encandeia, que nos faz querer
partilhar de uma mesma vontade malsã? Exatamente — e esse é outro sábio ardil
de Akin para, de novo, nos interpelar. Este filme não seria uma eficaz denúncia
da xenofobia violenta sem implicar o espectador no tecido social onde o horror
medra.
'Uma
Mulher Não Chora" assenta muito nos ombros de Diane Kruger — e assenta
bem. Prémio de melhor atriz em Cannes 2017, a sua Katja tem um vigor
contagiante, é uma soberana nossa senhora das dores e da vingança. Esta obra
que acabou de ganhar o Globo de Ouro para o Melhor Filme de Língua Estrangeira,
parece ser um sério contendor para o Óscar dessa categoria para a qual concorre
sob estandarte alemão.
Jorge Leitão Ramos, Expresso
Tínhamo-lo perdido de vista
desde Soul Kitchen, amável comédia gastronómica estreada em 2009. Depois, os
filmes do turco-germânico Fatih Akin deixaram de ser tão internacionais e não
mais cá chegaram. Agora, tudo muda com o thriller de vingança Uma Mulher não
Chora, vencedor do prémio de melhor atriz para Diane Kruger no Festival de
Cannes e melhor filme estrangeiro nos recentes Globos de Ouro. Uma história
sobre a perda. Kruger é uma mulher que perde o marido de ascendência turca e o
seu filho depois de um atentado executado por uma fação radical de neonazis. O
que fica depois do luto? Como gerir o apelo da vingança? São estas as questões
que o cineasta coloca num filme de carga-choque radical.
Numa praia de Cannes, a horas
de se saber o palmarés do júri presidido por Pedro Almodóvar, conta ao DN que a
história do filme é sobre a necessidade de irmos à procura de justiça quando o
Estado não o consegue: "mas essa não é a mensagem. Nem tudo o que vemos no
filme tem de ser mensagem... Sou uma pessoa pacifista e o filme é apenas um
filme. Contudo, é um filme pessoal, um dos meus filmes mais pessoais. Na
situação desta mulher que perde a família, sinceramente não sei o que faria.
Tenho filhos e a única coisa que posso fazer é ensinar-lhes o que é errado e o
que é certo." Na base do projeto, esteve o caso do grupo terrorista alemão
NSU que, em nome do nazismo, matou dez pessoas (um polícia e nove emigrantes)
na Alemanha de 2000 a 2007. Akin quis fazer uma reflexão sobre os perigos do
aparecimento de grupos neonazis.
"Por ser de origem turca
é claro que eu poderia ser um alvo para os terroristas do movimento NSU... Isso
deixou-me muito zangado! Se garanto que o filme me é muito pessoal passa também
pelo facto de eu ser pai. Sou um tipo com pesadelos e com os seus medos... Este
filme foi uma oportunidade para enfrentar os meus medos. O nível emocional que
esta mãe passa tem muito que ver comigo. Seja como for, não dou muito espaço
aos neonazis e nem quero ser político nessa questão do terrorismo", explica.
As más-línguas não se cansam de acusar Uma Mulher não Chora de ser muito
pró-justiça pelas próprias mãos, coisa que o cineasta refuta veementemente.
Nesta temporada dos prémios, a
máquina promocional do filme nos EUA conseguiu o charme junto aos votantes dos
Globos de Ouro mas não foi suficientemente forte para levar Diane Kruger à
lista das cinco nomeadas para os Óscares. Fatih Akin sempre foi um grande
diretor de atores. Perguntamos-lhe se tem perceção do seu código de estilo.
Fica algo encavacado: "digamos apenas que não acordo com aquela obrigação
de filmar à Fatih Akin. Este é um filme de um cineasta, mas também já fiz
filmes de realizador. Gosto igualmente quando me dão um argumento e eu só o
tenho de filmar para contar uma história. Se apenas fizesse os filmes de
cineasta ficava à espera dez anos... Tenho de ganhar a vidinha e alimentar os
meus filhos! Dito isto, aprendo muito nesses filmes que faço por
encomenda..." Talvez tenha razão, o anterior Tschick era um horror e este
Uma Mulher não Chora um regresso aos seus melhores dias...
"Quero que este filme se
posicione como uma escolha para o espectador. Se alguém vir este filme e ficar
fã da opção de vingança olho por olho, não vou estar contra", confessa o
realizador. Para terminar, perguntamos se um dia vai ser capaz de ir para a
Turquia e fazer uma ficção inteiramente em turco? "Tenho projetos nesse
sentido." Rezemos para que não seja cinema de encomenda...
Rui
Pedro Tendinha, dn.pt
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