AS GUARDIÃS
Xavier Beauvois
França, 2017, 138’, M/12
FICHA TÉCNICA
Titulo Original: Les gardiennes
Realização: Xavier Beauvois
Argumento: Xavier Beauvois, Marie-Julie Maille, Fédérique Moreau, segundo a obra de Ernest Pérochon
Fotografia: Caroline Champetier
Música: Michel Legrand
Interpretação: Nathalie Baye, Laura Smet, Iris Bry, Cyril Descour, Olivier Rabourdin, Nicolas Giraud
Origem: França
Ano: 2017
Duração: 138’
NOTA CRÍTICA
Xavier Beauvois, o realizador de “Dos Homens e dos Deuses”, foi desenterrar um livro de um autor esquecido, Ernest Pérochon, para rodar este belíssimo filme sobre as mulheres que, na Primeira Guerra Mundial, se encarregaram de tratar das culturas e das quintas, enquanto os homens estavam nas trincheiras. Interpretado por Nathalie Baye, Laura Smet (filha desta, e que também faz de sua filha na fita) e pela excelente estreante Iris Bry, “As Guardiãs” apresenta-se como uma crónica romanesca da vida quotidiana numa propriedade de uma França onde só ficaram as mulheres, os velhos e as crianças, e que Beauvois recria com um rigor de documentarista, desde as alfaias agrícolas ao ritual de se lerem os nomes dos mortos em combate na missa de domingo, passando pelo modo como se fazia o pão em casa. “As Guardiãs” emula o melhor do cinema clássico francês, é um elogio da força, do espírito de sacrifício e do estoicismo das mulheres, sem nunca se tornar vulgarmente panfletário, e o seu ritmo é o da vida campestre naquele sangrento e soturno início do século XX.
Eurico de Barros, Observador
Xavier Beauvois, o realizador de “Dos Homens e dos Deuses”, foi desenterrar um livro de um autor esquecido, Ernest Pérochon, para rodar este belíssimo filme sobre as mulheres que, na Primeira Guerra Mundial, se encarregaram de tratar das culturas e das quintas, enquanto os homens estavam nas trincheiras. Interpretado por Nathalie Baye, Laura Smet (filha desta, e que também faz de sua filha na fita) e pela excelente estreante Iris Bry, “As Guardiãs” apresenta-se como uma crónica romanesca da vida quotidiana numa propriedade de uma França onde só ficaram as mulheres, os velhos e as crianças, e que Beauvois recria com um rigor de documentarista, desde as alfaias agrícolas ao ritual de se lerem os nomes dos mortos em combate na missa de domingo, passando pelo modo como se fazia o pão em casa. “As Guardiãs” emula o melhor do cinema clássico francês, é um elogio da força, do espírito de sacrifício e do estoicismo das mulheres, sem nunca se tornar vulgarmente panfletário, e o seu ritmo é o da vida campestre naquele sangrento e soturno início do século XX.
Eurico de Barros, Observador
ENTREVISTA COM NATHALIE BAYE
[...] As Guardiãs, de Xavier Beauvois. Épico sobre o papel das mulheres rurais na França da Grande Guerra. A protagonista, Nathalie Bay, falou ao DN sobre este filme.
Conhecemo-la de filmes marcantes como O Homem Que Gostava das Mulheres (1977), de Truffaut, ou de Salve-se Quem Puder (1980), de Godard, mas também de aventuras mais contemporâneas como Apanha-me se Puderes (2002), de Spielberg, ou de Laurence para sempre (2012), de Xavier Dolan. Nathalie Baye é uma das grandes damas do cinema francês, uma atriz trabalhadora que exala face a face todo o charme que passa no grande ecrã. Aos 70 anos tem uma luz radiosa no olhar. Num quarto algo escuro do Grand Hotel de la Ópera, em Paris, não disfarça estar orgulhosa com As Guardiãs, de Xavier Beauvois, onde compõe uma matriarca, símbolo de uma França "pura" dos tempos da I Guerra Mundial. Um dos grandes papéis da sua carreira, o retrato de uma das muitas mulheres que durante a guerra esperou pelos filhos e foi para o campo cultivar e lutar pela sobrevivência das suas terras.
Enquanto saboreia um requintado chá, faz questão de começar por dizer que não foi um desafio este "papelão": "Não, a palavra é desejo. Antes de mais nada, queria estar de novo com o Xavier Beauvois, um realizador de quem gosto muito. O desejo passou também pelo facto de nunca ter tido uma personagem assim, uma mulher do campo. Voilá! Não vejo os papéis em cinema como desafios. O que conta para mim é o desejo - tem-se ou não."
E sempre foi o desejo que a colocou na rota de grandes cineastas como Truffaut, Spielberg ou Claude Sautet. A atriz insiste: "O desejo e a vontade são o que mais importa. É o desejo que nos move, espicaça a curiosidade e tantas outras coisas."
Em As Guardiãs, sente-se também uma tentativa de Beauvois em mostrar de forma literal uma ideia de poder feminino. Um poder físico... Não é por acaso que as sequências nos campos agrícolas são demoradas e com um afinco explícito nas funções agrícolas. Vemos claramente que não há truques: são as atrizes a lavrar a terra. "Tinha de ser assim. Aquelas mulheres que foram para os campos agrícolas durante a guerra tinham um grande poder físico. Nós, as atrizes, tivemos de nos preparar muito nesse capítulo. É alucinante pensar na quantidade de cultivo que elas conseguiam fazer... Manejar aquelas máquinas rudimentares que vemos no filme é realmente muito duro. Tínhamos de dar credibilidade e o que vemos no filme somos mesmo nós a conduzir os animais com aqueles meios! A cena em que caio no campo de pasto é a sério! Foi muito, muito duro. Tivemos consciência da exigência física que aquelas mulheres se sujeitaram, tanto no plano físico como no plano psicológico. Eram mulheres que acordavam e adormeciam com o medo no corpo. Medo de que os filhos e os maridos não voltassem da guerra. No final de um dia de rodagem, estávamos todas de rastos! Creio que se não tivéssemos essa fadiga não iríamos compreender o que elas sofreram. Claro que vimos fotos dos rostos cansados, mas não chega...", esclarece, reforçando a ideia de que era fundamental que as atrizes soubessem praticar o trabalho rural das personagens. Além de Baye, as estreantes Idris Bris e Laura Smet dão tudo o que têm...
Numa atriz com décadas de experiência e com "património" irrepreensível como Nathalie Baye, há uma pergunta que fica no ar: quando sabe que "conquistou" a personagem? "Só naquele momento em que sentimos que as nossas expectativas estão a ser superadas, que o realizador e os atores estão a ir na mesma direção. Só aí. Mas o que me deixa mesmo fartinha é aquela ideia de poder confiar na minha experiência. No cinema, a experiência a solo do ator não me interessa. Cinema é mesmo arte coletiva."
As Guardiãs fala também de um conceito de orgulho francês, mesmo com todas as clivagens sociais. A personagem de Baye nunca vai aceitar por completo a camponesa livre de Bris que, mesmo perante todas as adversidades, sai cantando e com um sorriso nos lábios. Talvez por isso, haja quem veja um grito de esperança neste olhar de Beauvois. Baye concorda, mas afirma que o povo português simboliza melhor esse conceito de perseverança: "Os portugueses reagem de uma outra maneira. No fundo, os franceses têm sempre um lado de queixume... Aqui em Paris vamos à rua e as pessoas estão sempre de mau humor."
Se muitos salientam um certo feminismo temático no filme, a atriz prefere uma outra descrição: "É um filme que monta um ensaio sobre a dignidade. A dignidade em tempos de crise. Estas mulheres construíram um orgulho de modo a poderem sobreviver. A dignidade é que as fez avançar." A sua personagem tem essa dignidade, mas também comporta todo o preconceito francês.
Quando a agente faz o sinal de fim de conversa, metemos Spielberg ao barulho. "Spielberg? Meu deus, a minha memória mais forte da rodagem foi a simplicidade dele, do Christopher Walken e do Tom Hanks. Acolheram-me com tremenda gentileza. O Steven é um homem de imenso calor humano."
Rui Pedro Tendinha, dn.pt/artes/
[...] As Guardiãs, de Xavier Beauvois. Épico sobre o papel das mulheres rurais na França da Grande Guerra. A protagonista, Nathalie Bay, falou ao DN sobre este filme.
Conhecemo-la de filmes marcantes como O Homem Que Gostava das Mulheres (1977), de Truffaut, ou de Salve-se Quem Puder (1980), de Godard, mas também de aventuras mais contemporâneas como Apanha-me se Puderes (2002), de Spielberg, ou de Laurence para sempre (2012), de Xavier Dolan. Nathalie Baye é uma das grandes damas do cinema francês, uma atriz trabalhadora que exala face a face todo o charme que passa no grande ecrã. Aos 70 anos tem uma luz radiosa no olhar. Num quarto algo escuro do Grand Hotel de la Ópera, em Paris, não disfarça estar orgulhosa com As Guardiãs, de Xavier Beauvois, onde compõe uma matriarca, símbolo de uma França "pura" dos tempos da I Guerra Mundial. Um dos grandes papéis da sua carreira, o retrato de uma das muitas mulheres que durante a guerra esperou pelos filhos e foi para o campo cultivar e lutar pela sobrevivência das suas terras.
Enquanto saboreia um requintado chá, faz questão de começar por dizer que não foi um desafio este "papelão": "Não, a palavra é desejo. Antes de mais nada, queria estar de novo com o Xavier Beauvois, um realizador de quem gosto muito. O desejo passou também pelo facto de nunca ter tido uma personagem assim, uma mulher do campo. Voilá! Não vejo os papéis em cinema como desafios. O que conta para mim é o desejo - tem-se ou não."
E sempre foi o desejo que a colocou na rota de grandes cineastas como Truffaut, Spielberg ou Claude Sautet. A atriz insiste: "O desejo e a vontade são o que mais importa. É o desejo que nos move, espicaça a curiosidade e tantas outras coisas."
Em As Guardiãs, sente-se também uma tentativa de Beauvois em mostrar de forma literal uma ideia de poder feminino. Um poder físico... Não é por acaso que as sequências nos campos agrícolas são demoradas e com um afinco explícito nas funções agrícolas. Vemos claramente que não há truques: são as atrizes a lavrar a terra. "Tinha de ser assim. Aquelas mulheres que foram para os campos agrícolas durante a guerra tinham um grande poder físico. Nós, as atrizes, tivemos de nos preparar muito nesse capítulo. É alucinante pensar na quantidade de cultivo que elas conseguiam fazer... Manejar aquelas máquinas rudimentares que vemos no filme é realmente muito duro. Tínhamos de dar credibilidade e o que vemos no filme somos mesmo nós a conduzir os animais com aqueles meios! A cena em que caio no campo de pasto é a sério! Foi muito, muito duro. Tivemos consciência da exigência física que aquelas mulheres se sujeitaram, tanto no plano físico como no plano psicológico. Eram mulheres que acordavam e adormeciam com o medo no corpo. Medo de que os filhos e os maridos não voltassem da guerra. No final de um dia de rodagem, estávamos todas de rastos! Creio que se não tivéssemos essa fadiga não iríamos compreender o que elas sofreram. Claro que vimos fotos dos rostos cansados, mas não chega...", esclarece, reforçando a ideia de que era fundamental que as atrizes soubessem praticar o trabalho rural das personagens. Além de Baye, as estreantes Idris Bris e Laura Smet dão tudo o que têm...
Numa atriz com décadas de experiência e com "património" irrepreensível como Nathalie Baye, há uma pergunta que fica no ar: quando sabe que "conquistou" a personagem? "Só naquele momento em que sentimos que as nossas expectativas estão a ser superadas, que o realizador e os atores estão a ir na mesma direção. Só aí. Mas o que me deixa mesmo fartinha é aquela ideia de poder confiar na minha experiência. No cinema, a experiência a solo do ator não me interessa. Cinema é mesmo arte coletiva."
As Guardiãs fala também de um conceito de orgulho francês, mesmo com todas as clivagens sociais. A personagem de Baye nunca vai aceitar por completo a camponesa livre de Bris que, mesmo perante todas as adversidades, sai cantando e com um sorriso nos lábios. Talvez por isso, haja quem veja um grito de esperança neste olhar de Beauvois. Baye concorda, mas afirma que o povo português simboliza melhor esse conceito de perseverança: "Os portugueses reagem de uma outra maneira. No fundo, os franceses têm sempre um lado de queixume... Aqui em Paris vamos à rua e as pessoas estão sempre de mau humor."
Se muitos salientam um certo feminismo temático no filme, a atriz prefere uma outra descrição: "É um filme que monta um ensaio sobre a dignidade. A dignidade em tempos de crise. Estas mulheres construíram um orgulho de modo a poderem sobreviver. A dignidade é que as fez avançar." A sua personagem tem essa dignidade, mas também comporta todo o preconceito francês.
Quando a agente faz o sinal de fim de conversa, metemos Spielberg ao barulho. "Spielberg? Meu deus, a minha memória mais forte da rodagem foi a simplicidade dele, do Christopher Walken e do Tom Hanks. Acolheram-me com tremenda gentileza. O Steven é um homem de imenso calor humano."
Rui Pedro Tendinha, dn.pt/artes/
CURTA METRAGEM DE ABERTURA DA SESSÃO
A
SONOLENTA, Marta Monteiro, PT, 2017, 10'
Numa
casa de aldeia, Maria, uma jovem menina criada de um casal, quer dormir. Está
cansada, muito cansada, mas é constantemente importunada pelo choro da criança
que tem a cargo e pelos pedidos dos senhores.
Técnica de Animação: animação
2D
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