DIA 07
DE JANEIRO
A VIDA
DE ADÈLE, Abdellatif Kechiche, França| Espanha| Bélgica, 2013, 179', M/16
FICHA
TÉCNICA
Título Original: La Vie d’Adèle:
Chapitres 1 et 2
Realização: Abdellatif Kechiche
Argumento: Abdellatif
Kechiche e Ghalya Lacroix -livremente inspirado no livro “Le bleu est une
couleur chaude” de Julie Maroh
Fotografia: Sofia El Fani
Montagem: Camille Toubkis, Albertine Lastera, Jean-Marie Lengelle, Ghaly
Lacroix
Som: Jean-Paul Hurier, Jerôme Chenevoy
Interpretação: Léa Seydoux, Adèle Exarchopoulos, Salim
Kechiouche, Aurélien Recoing, Catherine Salée
Origem: França, Espanha, Bélgica
Ano: 2013
Duração: 179’
M/16
Montagem: Camille Toubkis, Albertine Lastera, Jean-Marie Lengelle, Ghaly Lacroix
Som: Jean-Paul Hurier, Jerôme Chenevoy
SINOPSE
Adèle
tem 15 anos e, tal como todas as raparigas que conhece, namora com rapazes.
Tudo aquilo em que acredita se altera quando o seu olhar se cruza com o de
Emma, uma rapariga de cabelo azul, cuja visão da vida e do mundo é muito
diferente da sua. Entre elas nasce um amor e desejo profundo que, apesar das
dificuldades, as fará crescer e afirmar-se enquanto mulheres.
PRÉMIOS
Vencedor da Palma de Ouro da 66.ª edição do Festival de Cannes, cujo júri quis, com este prémio, homenagear não apenas o trabalho do realizador, mas também o de Léa Seydoux e Adèle Exarchopoulos, as duas actrizes protagonistas
Vencedor da Palma de Ouro da 66.ª edição do Festival de Cannes, cujo júri quis, com este prémio, homenagear não apenas o trabalho do realizador, mas também o de Léa Seydoux e Adèle Exarchopoulos, as duas actrizes protagonistas
Talvez se deva começar
pelo que há de paradoxal em A Vida de Adèle: capítulos 1 e 2, filme sobre a
educação sentimental de uma jovem suburbana (Adèle) a partir do momento em
que se cruza com Emma (Léa Seydoux). E é isto: o que tem sido posto em marcha
pelo cinema de Kechiche, a expressão sensual de um tecido social e afectivo,
parece imobilizar-se aqui, ou congelar-se.
Isto apesar de os “capítulos
1 e 2” do título, ao piscarem o olho à incompletude de La Vie de Marianne,
de Marivaux, piscarem o olho ao movimento. Se tivermos em conta a boutade
(talvez nem tenha sido isso) do crítico francês Serge Kaganski, no pós-Cannes,
dizendo sobre Kechiche: “le plus grand cinéaste français actuel est d''origine
tunisienne, qu''on se le dise et redise”, talvez se possa acrescentar, como
uma extrapolação, que se detecta aqui um movimento, consciente ou inconsciente,
em direcção a algo de mais reconhecível e figé - o filme de iniciação tal
como cultivado pelos framceses (Pialat, Doillon, Téchiné, Eustache...).
Kaganski, aliás, continuava, falando numa “obra-prima tão francesa dedicada
aos sentidos e à liberdade dos indivíduos, banhada pelas grandes referências
culturais nacionais (Marivaux, Picasso, Sartre, vinho branco...).” Que nos
seja permitido continuar a extrapolação: é este o dilema, entre movimento e
fixação, de A Vida de Adèle: a monumentalidade coral de O Segredo de um Cuscuz
(2007), por exemplo, a forma como nesse filme o corpo de Hafsia Herzi era
submetido a um mecanismo que o ultrapassava (algo de sacrificial que noutro
filme do realizador, Vénus Negra, tomava a forma de ensaio paroxístico), está
ausente ou domada. Restam vinhetas de exclusão social e de luta de classes.
Tudo o que tem a ver com os pais das protagonistas ou com o grupo que rodeia
Adèle é substancialmente episódico ou entra em perda quando Adèle e Emma, o par
amoroso, o desafio deste filme, não estão no ecrã - quando o espectador não é
o intruso na ménage a trois elaborada pelo cineasta e pelas intérpretes, Léa
Seydoux e Adèle Exarchopoulos, o filme entra em ressaca. Eis então o que
aqui está, nesta primeira adaptação de Kechiche, a partir da novela gráfica de
Julie Maroh, Le bleu est une couleur chaude: a experiência de um Grande Íntimo.~
Como uma lupa sobre a
intimidade, sobre o sexo, com lágrimas e outros fluidos, encerrando o espectador
numa bolha contraditória de assombro, de medo, que o faz estremer como numa primeira
vez - por isso Julie Maroh veio dizer, mais do que sugerir, que o facto de ter
sido um heterossexual a filmar uma história de amor lésbica deixou marcas que a
incomodaram; por isso alguma crítica (americana, por exemplo) se armou com o
feminismo para denunciar o suposto sexismo; por isso as intérpretes se
assustaram com o que Kechiche as levou a fazer (disso resultando, no embate
pós-filme que aconteceu entre Léa Seydoux/Kechiche, um episódio de utopia e
decepção, social e afectiva, que podia rimar com os melhores momentos do
cinema do realizador.)
Vasco Câmara
ENTREVISTA AO REALIZADOR
São raros os momentos em
que o cinema consegue transportar consigo o turbilhão de emoções e o longo
caminho que percorremos na vida até ao momento em que olhamos para trás e
percebemos, de facto, a maneira como tudo o que vivemos ter-nos-á mudado
intelectualmente, emocionalmente, e na nossa intimidade física, para fazer
aquilo que somos hoje e o lugar que ocupamos no mundo em relação aos outros e a
nós próprios. Raros não pela distância que possa existir entre vida e cinema –
nada existirá de tão próximo e, ao mesmo tempo, de tão distante -, mas porque
para filmes tão grandes como La
vie d’Adèle (A Vida de Adèle, 2013), o caminho a fazer é
longo, desde o momento em que o filme se imagina até à sua montagem final,
passando por uma direcção de actores e uma rodagem intensa, experimental, mas
pensada, e que exige o máximo de cada um dos intervenientes. A vida é uma
viagem e um filme também o é, condensada nesse “curto” período de seis meses de
filmagens onde se vivem anos de vida. Assim se fez La vie d’Adèle,
e assim se fez, na nossa perspectiva, um dos filmes mais bonitos, intensos e
verdadeiros dos últimos anos. Abdellatif Kechiche, o seu realizador, esteve
presente no Lisbon & Estoril Film Festival para apresentar a sua quinta
longa-metragem (com estreia comercial a 28 de Novembro), a sua história de uma
“heroína da vida quotidiana” que descobre que o amor não tem nome nem sexo,
apenas uma cor e as suas emoções – emoções que saem de um corpo mas que se
estendem e ficam até ao resto da eternidade.
Devido às cenas explícitas de La
vie d’Adèle, à sua longa fabricação, à sua rodagem intensa,
surgiram casos na imprensa e em sites internacionais por meias-palavras mal
interpretadas entre realizador e actrizes, e que serviram para uma exploração
mediática que em nada corresponde à natureza do filme e aos seus objectivos
artísticos – uma exploração que não foi estranha, também, a publicações
especializadas em cinema (que não hesitaram em colocar um interrogatório quase
nunca visto a um autor, buscando, na sua essência, uma justificação
perversa do seu olhar e da sua posição enquanto artista) (…).
Noutros filmes, de uma forma
mais clássica, costumamos ver actores a dar interpretações técnicas, ou seja,
uma versão da leitura que fazem de uma personagem. Mas em La vie d’Adèle, como
noutros filmes seus, estamos muito próximos deles e dos seus rostos, e sentimos
que há uma máscara que cai – já não vemos reacções que vêm de um código, mas
gestos verdadeiros que pertencem ao instinto. O que é que se faz para fazer com
que essa máscara caia e encontremos um pedaço de verdade, e não apenas uma
interpretação?
Trata-se de um longo processo. Primeiro, há esse desejo, essa vontade de
fazer cair a máscara e com que o actor se entregue, que entre dentro de si
mesmo e exprima aquilo que ele tem dentro de si. Não tenho um processo preciso
nem geral, nem sequer um método para fazer com que isso aconteça. Interrogo-me,
a cada encontro com cada actor, sobre a melhor maneira de fazer isso, ou em
todo o caso, sobre como tentar fazê-lo. Com alguns actores, acontece de maneira
muito rápida, tal como numa relação de cumplicidade afectiva, quase telepática.
Com outros, passa por uma busca, e recorro a algo de menos instintivo e mais
psicológico, se assim poderei dizer. Há actores que são muito abertos a esse
tipo de experiência, outros não tanto, ou que acreditam sê-lo e não o são
verdadeiramente, ou que pensam ainda terem feito bem o seu trabalho, que pensam
não ter nenhuma máscara, ou, por vezes, que não compreendem aquilo de que estou
à espera. É algo que acontece por uma espécie de atordoamento. Algumas pessoas
poderão chamar isso de manipulação, mas sei que é algo da ordem da obsessão.
Nesse preciso momento, estamos de tal forma mergulhados nessa busca e no
trabalho que, quando acontece, é por vezes incompreensível a forma como lá
chegámos. Às vezes, percebemos que se tratava, afinal, de algo muito simples,
como encontrar o bom sítio, o bom lugar. Outras vezes, trata-se de criar uma
atmosfera no plateau.
Não tenho nenhuma receita. Sei apenas que, para mim, é algo de obsessivo.
Em vez de manipulação, trata-se
talvez de um caminho que percorrem juntos.
De um caminho, mas não me incomoda que se fale de manipulação, caso isso
simplifique as coisas. Para alguns, é da ordem da manipulação. A manipulação é
algo que pertence às relações humanas. Por vezes, somos também manipulados ou
encontramos resistências.
Tudo isso faz parte dos
encontros: quando encontramos alguém e algo acontece entre duas pessoas. Nesta
história de amor, existem talvez resistências. Acabamos por ter uma personagem
que descobre coisas, que se descobre a si mesma, e que muda. Numa relação entre
um realizador e um actor, temos também um encontro, e talvez existam também
resistências, mas ao mesmo tempo existe um desejo de querer chegar a alguma
coisa.
Na relação entre as duas personagens, não creio que a personagem de Adèle
se transforme mais do que se revele, que seja já essa mulher com as suas
qualidades, o seu ideal, as suas emoções, que se liberte. Talvez até em
oposição à personagem de Emma, que acredita já ser livre e que se encontra numa
teorização da liberdade e da aspiração artística. Podemos também entrar numa
teorização da relação actor-realizador, ou mais precisamente, entre dois
indivíduos a quem é dado um papel para se fazer um filme. A parceria possível
entre um actor e um realizador passa por algo da ordem da emoção, da percepção,
do inconsciente.
A liberdade é algo de
importante nos seus filmes. Ou seja, são personagens que procuram ser livres –
primeiro, por aquilo que sentem, pelos seus corpos ou pela maneira como se vão
posicionar no mundo, mas sobretudo livres para além das convenções sociais. O
amor e a emoção têm um papel muito importante.
É sempre difícil libertarmo-nos das convenções sociais, do nosso meio
social, do meio de amigos ou do meio afectivo, assim como libertarmo-nos da
relação amorosa, de podermos florescer livremente na relação e guardarmos a
nossa capacidade de reflexão, de pensamento, de ouvir os nossos desejos e
aspirações. Mas é verdade que é um tema, em todo o caso, sobre o qual penso – o
que significa ser livre no mundo social no qual evoluímos?
Podemos ser livres para além
dessas convenções? Amar é algo que nos leva a ser livres?
Tudo depende daquilo que entendermos por liberdade. No caso do filme –
sim, amar leva a libertarmo-nos das convenções sociais. Mas julgo que a
verdadeira liberdade passa pela reflexão – uma liberdade de reflexão, portanto
-, porque é perfeitamente possível sermos livres dentro dessas convenções. É
algo de muito interior.
No filme, Adèle é uma mulher
que descobre o amor, a vida e tudo o que vem com isso, naturalmente, mas também
a vocação. Algumas pessoas poderão ver uma certa convenção no desejo de Adèle
de se tornar uma professora de escola primária, mas na verdade, talvez isso
seja exactamente o contrário. A vocação, a curiosidade e a educação pertencem a
toda uma outra ordem, algo que nos leva a reflectir, a uma forma de liberdade.
É por aí que descobrimos a nossa vocação? A vocação era uma coisa importante a
mostrar no filme?
A vocação de Adèle já existe, antes mesmo do encontro com Emma. Adèle quer
tornar-se uma professora de escola primária porque é uma profissão – uma bela
profissão – e isso está para além da vocação. É algo que pertence ao seu
carácter, algo no qual ela imagina florescer. Tudo depende daquilo a que
chamamos vocação. A vocação artística, religiosa, profissional, um ideal de
vida. Isso deixa de ser uma vocação se se tornar dependente de um encontro. Ou
então, esse encontro revela-nos uma outra vocação e a outra pessoa torna-se um
instrumento dessa revelação. Penso que a vocação de Adèle é viver. Amar e viver
plenamente.
Trata-se também de um filme
sobre o desejo e o apetite, não apenas o apetite por comer, mas o apetite por
viver. A emoção e o desejo estão muito presentes. São coisas imateriais, mas ao
mesmo tempo fazemos um caminho até à emoção através do que é físico, do apetite
pelo outro. Para a personagem de Adèle, fazer com que a sua máscara caia passa
também por fazer com que o seu corpo se manifeste e reaja. Está sempre muito
próximo das suas peles. Também aí, passamos por algo de muito físico até
chegarmos, finalmente, à alma das personagens.
Gostaria que me falasse desse
desejo de ver e filmar esses corpos como uma maneira justa de os ver e
conhecê-los para a sua história.
É algo de muito instintivo. Precisamente, é difícil descrever o desejo que
temos por filmar um corpo, uma pele ou uma parte de um corpo e de uma pele,
algo que nos toca num rosto. Por que razão gosto de olhar para certas bocas?
Geralmente, trata-se do movimento da boca, da mastigação, algo que fazemos
todos e com o qual se faz um trabalho completamente fisiológico. Esse momento
diz-me qualquer coisa, emociona-me, toca-me e faz-me vibrar, da mesma maneira
que duas bocas que se beijam ou dois corpos que se tocam. Causa-me uma emoção e
é essa emoção que procuro transcrever.
Inspira-se no cinema mudo? Como
não há som, obviamente, trata-se de algo de muito sensual, muito erótico, muito
físico. Na cena da festa de Emma, há um filme de Pabst que é projectado.
Vi muitos filmes mudos durante o meu período cinéfilo, a minha
adolescência. Agora, já não vejo filmes, infelizmente. Sem dúvida que o cinema
mudo e talvez o de Pabst em particular me tenha tocado por muitas razões. A
realização, a forma de filmar os rostos e o rostos de uma actriz, Louise
Brooks. Os filmes dele aspiravam também a essa liberdade social. Há tantos
realizadores e filmes que são referências inconscientes… Talvez o cinema mudo
consiga captar algo da linguagem dos corpos, dos rostos e o consiga exprimir mais
directamente. As palavras ajudam a exprimir essa linguagem. Mas a expressão, o
rosto e as emoções que temos em nós imprimem-se, de qualquer modo, antes das
palavras e através dos rostos.
Fala-se muito de um “método
Kechiche”, mas mais do que um método, trata-se de uma busca e de um caminho.
Uma ideia que acredito ser falsa em relação ao seu trabalho – um trabalho único
porque procura uma verdade e, quando procuramos uma verdade, temos de ser
verdadeiros, em primeiro lugar, em relação a nós próprios – é a de que o
“método Kechiche” passa muito pela montagem. Mas parece-me que se trata, em vez
disso, de uma busca que faz durante a rodagem com pessoas para quem olha e
filma. A rodagem é o momento em que se sente mais vivo?
É talvez o momento mais decisivo da escrita de um filme – o momento em que
se cria a vida. Antes desse momento, imaginamos. Estamos dentro de uma
mecânica, tal como depois da rodagem, uma mecânica que é também muito criativa
e apaixonante. Mas o momento crucial é a rodagem. Não existem pessoas de um
filme que se tornam outras durante a montagem, só nos tornamos outro porque a
rodagem existe. De qualquer forma, um filme é uma viagem entre o momento em que
imaginamos a história e o momento em que termina. São etapas de uma viagem.
Para lhe dar uma imagem – a rodagem é o momento em que estamos a navegar sem
bússola no meio do mar.
Como o percurso que fazemos nas
nossas vidas. No de Adèle, temos um encontro no início – um momento muito forte
-, mas quando o filme termina, saímos da sala e ainda estamos a acompanhar
Adèle. Ficamos emocionados porque tivemos um encontro com um filme ou uma
emoção. Um encontro é algo que nos determina, mudamos com os encontros que
fazemos nas nossas vidas, mas é algo que não podemos adivinhar ou esperar,
acontecem, simplesmente. O encontro de Adèle com Emma, no filme, é talvez algo
de tão forte, imagino, como o encontro que teve quando entrou numa livraria e
descobriu esse livro [Le bleu est une couleur chaude]. Abriu o livro e, de repente, tudo começa.
Sim. Trata-se de uma interrogação sobre o sentido do destino. Será que
existe um destino? Será que estava escrito que o livro que encontrámos, que
abrimos naquele momento, iria falar-nos, ou será que estava escrito que a
personagem de Emma iria mudar a vida de Adèle? Posso acreditar que foi a vida –
e chamemos a isso o destino – que nos queria levar a esse livro, e que foi esse
mesmo destino, nesse encontro, que fez com que Emma se tornasse um instrumento
da metamorfose de Adèle. Adèle acaba por estar num caminho desde o início do
filme e continua a fazer esse caminho no fim. É num caminho que encontra a
personagem de Emma que, tal como esse livro, a ajuda a viver e a revelar-se,
tal como nos seus encontros com os seus livros, os seus amigos, a sua
profissão.
A personagem de Adèle continua
consigo? Vai continuar a querer filmá-la?
De certo modo, penso que já a tinha filmado antes deste filme. Continuarei
a filmá-la depois. É uma personagem que me toca, que amo, ou que idealizo. É
uma heroína da vida quotidiana que continuará a exprimir-se por outras formas
num outro filme.
Existe uma relação directa
entre o cinema e o artifício, mas entre todas essas ferramentas, todas as
questões de interpretação, de reflexão, de ficção… Quando filma, procura a
verdadeira vida?
Julgo que é um momento privilegiado para exprimir, como diz, a verdadeira
vida. Um momento forte como o amor, uma relação sexual, o luto, a dor – esses
momentos da vida, no cinema e na rodagem, são instantes muito fortes. Estamos à
flor da pele e aquilo que chama a verdadeira vida pode surgir aí.
Nos anos 70, Roberto Rossellini
veio a Lisboa, à Fundação Gulbenkian, quando ainda estávamos em ditadura, para
apresentar Roma, città aperta (Roma, Cidade
Aberta, 1945). Fizeram-lhe uma pergunta – será que tinha algum conselho a
dar a essa juventude que vivia em ditadura? Ele respondeu – “é estúpido dar
conselhos”. Já não vivemos em ditadura, mesmo se talvez possam existir outras,
mas gostaria de lhe perguntar – para um jovem que se queira lançar num filme e
procurar algo de verdadeiro no cinema, tem algum conselho a dar?
Se não tivesse citado Rossellini, teria respondido como ele. Mas queria
talvez acrescentar que, tirando o facto de não ter nenhum conselho a dar, posso
prevenir e é talvez uma forma de conselho… Vai ter de fazer das tripas coração.
Francisco Valente
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