DIA 14 DE
JANEIRO
EU E TU, Bernardo Bertolucci, Itália,
2012, 103’, M/12
FICHA
TÉCNICA
Título Original: Io e Te
Realização: Bernardo Bertolucci
Argumento: Bernardo Bertolucci, Niccolò Ammaniti, Umberto Contarello, Francesca Marciano
Fotografia: Fabio Cianchetti
Cenários: Jean Rabase
Música: Franco Piersanti
Montagem: Jacopo Quadri
Argumento: Bernardo Bertolucci, Niccolò Ammaniti, Umberto Contarello, Francesca Marciano
Fotografia: Fabio Cianchetti
Cenários: Jean Rabase
Música: Franco Piersanti
Montagem: Jacopo Quadri
Interpretação: Jacopo Olmo Antinori,
Tea Falco, Sonia Bergamasco
Origem: Itália
Ano: 2012
Duração: 103´
Duração: 103´
SINOPSE
Lorenzo é um jovem solitário de 14 anos, diferente dos outros. Um dia, engana os pais e falta a uma viagem escolar para realizar o sonho de se esconder numa cave abandonada do prédio onde mora. Durante uma semana, pode finalmente evitar todos os conflitos e as pressões e comportar-se como um adolescente dito normal. A chegada inesperada da meia-irmã Olivia vai mudar tudo.
Lorenzo é um jovem solitário de 14 anos, diferente dos outros. Um dia, engana os pais e falta a uma viagem escolar para realizar o sonho de se esconder numa cave abandonada do prédio onde mora. Durante uma semana, pode finalmente evitar todos os conflitos e as pressões e comportar-se como um adolescente dito normal. A chegada inesperada da meia-irmã Olivia vai mudar tudo.
FESTIVAIS E PRÉMIOS
Festival de Cinema de Cannes – Selecção Oficial – Fora de Competição
Lisbon & Estoril Film Festival - Selecção Oficial – Fora de Competição
Festival de Cinema de Cannes – Selecção Oficial – Fora de Competição
Lisbon & Estoril Film Festival - Selecção Oficial – Fora de Competição
TRAILER
CRÍTICA
Cineasta com uma obra que se desenvolve ao longo de
meio século, o italiano Bernardo Bertolucci nunca deixou de lidar com os dramas
mais íntimos da juventude: assim volta a acontecer no admirável "Eu e
Tu", estreado em Cannes/2012.
Há uma obsessão central no cinema de Bernardo Bertolucci. Tem a ver com a juventude e poderemos, talvez,
resumi-la numa pergunta: como é que os jovens refazem,
ou renegam, as heranças dos pais?
Afinal de contas, encontramo-la
disseminada por histórias tão diferentes como a do filho revoltado de
"Antes da Revolução" (1964), a do filho à procura da herança política
do pai em "A Estratégia da Aranha" (1970), ou ainda, claro, a dos
filhos errantes nas paisagens urbanas de Maio 68 evocadas em "Os
Sonhadores" (2003).
"Eu e Tu" demorou algum
tempo a chegar às salas portuguesas (foi um dos grandes acontecimentos de Cannes/2012, extra-competição), mas ainda bem que chegou.
Estamos, de facto, perante um objecto fundamental no interior dessa lógica filial do cinema de Bertolucci, contando a
história insólita do diálogo secreto de Lorenzo (Jacopo Olmo Antinori) com a
sua meia irmã Olivia (Tea Falco), por assim dizer tentando preencher a ausência
dos adultos.
O insólito da história está próximo
do fait divers. Isto porque tudo começa com a bizarra fuga
de Lorenzo: diz aos pais que parte para uma excursão escolar a uma estação de
esqui mas, de facto, sai de casa para se instalar na... cave do seu próprio
prédio. Dir-se-ia que alguns (anti-)heróis de Bertolucci são, assim,
arquitectos de mundos a tender para o incomensurável da utopia; Lorenzo parece
tocado pelo mesmo desejo, mas enquista-se no segredo do seu espaço familiar.
Não estamos, obviamente, perante um
filme de peripécias mais ou menos "agitadas", explorando o vazio
gerado pela ausência de argumento ou pelo excesso de efeitos especiais... Nada
disso. "Eu e Tu" enfrenta uma questão transversal dos nossos dias: o
mútuo desconhecimento das gerações, ou melhor, a penosa desagregação das
certezas do espaço clássico da família (ou do espaço da família clássica).
Bertolucci sabe filmar as convulsões
de tudo isso, não recusando os ecos simbólicos da sua história, mas também
evitando quaisquer generalizações simplistas: Lorenzo e Olivia são seres únicos
e irredutíveis, não meras marionetas para fazer passar uma "tese"
edificante. Veja-se, por isso, a violência gratuita dos retratos juvenis que
proliferam em "Morangos com Açúcar" e seus derivados... "Eu e
Tu" é um filme feito também contra
esse tratamento gratuito da juventude — a intensidade das suas emoções
envolve também um sentido eminentemente político da
responsabilidade social do cinema.
Está
encontrado o filme de Bertolucci de que mais gostamos nos últimos 30 ou 40
anos.
Agora que se extinguiram os nomes da “comédia à italiana”, Risi e Monicelli, é à geração de Bernardo Bertolucci e Marco Bellocchio, filhos da nouvelle vague e de Pasolini, quem melhor assenta o estatuto de “patriarcas” do cinema italiano. Bertolucci é mais (re)conhecido, por obra e graça de alguns filmes que se tornaram lendários, do Último Tango em Paris ao Último Imperador. A Bellocchio falta-lhe isso, para o bem e para o mal, mas é forçoso reconhecer que chegou à casa dos 70 anos com uma capacidade de pegar de caras a história recente do seu país (de Mussolini, em Vencer, às Brigadas Vermelhas, em Bom Dia Noite) que Bertolucci já perdeu há muito. De resto, e se Bellocchio também tem obra desigual, há bons argumentos para defender que Bertolucci já não faz um filme bom, imprescindível, desde O Conformista, há mais de quarenta anos, com excepção de Tragédia de um Homem Ridículo, há mais de trinta.
Agora que se extinguiram os nomes da “comédia à italiana”, Risi e Monicelli, é à geração de Bernardo Bertolucci e Marco Bellocchio, filhos da nouvelle vague e de Pasolini, quem melhor assenta o estatuto de “patriarcas” do cinema italiano. Bertolucci é mais (re)conhecido, por obra e graça de alguns filmes que se tornaram lendários, do Último Tango em Paris ao Último Imperador. A Bellocchio falta-lhe isso, para o bem e para o mal, mas é forçoso reconhecer que chegou à casa dos 70 anos com uma capacidade de pegar de caras a história recente do seu país (de Mussolini, em Vencer, às Brigadas Vermelhas, em Bom Dia Noite) que Bertolucci já perdeu há muito. De resto, e se Bellocchio também tem obra desigual, há bons argumentos para defender que Bertolucci já não faz um filme bom, imprescindível, desde O Conformista, há mais de quarenta anos, com excepção de Tragédia de um Homem Ridículo, há mais de trinta.
Tudo isto para dizer que é dificil perceber o que
fazer com os filmes que Bertolucci faz hoje. Ou quase não faz, visto que os
intervalos são cada vez maiores (Eu e Tu aparece nove anos depois de The
Dreamers), por razões que não terão apenas a ver com problemas de saúde. Um fio
possível para deitar a mão à meada de Bertolucci é a juventude. The Dreamers
falava do Maio de 68 como uma aventura adolescente, mais sentimental do que
política, questão de “lust for life”. Os protagonistas de Eu e Tu voltam a ser
jovens, ainda mais jovens do que os de Dreamers. E se estes se enfiavam na cave
da Cinemateca Francesa (a aventura também era cinéfila), estes enfiam-se numa
cave anónima, cheia de adereços e guarda roupa, para sessões de terapia
convivial, desintoxicação e teatro musical.
Explicamo-nos: Eu e Tu é a história de um garoto (de
fácies muito bem escolhido, tipo Malcolm McDowell borbulhento) em plena idade
do armário, que se tranca na cave do prédio durante a semana em que a mãe pensa
que ele foi fazer ski com os colegas da escola. Tranca-se por razão nenhuma:
pura revolta “sem causa”, zangado com os pais, com a escola, com o mundo.
Depois aparece-lhe a meia irmã, mais velha, que também escolheu a cave para se
isolar e proceder a uma desintoxicação por conta própria, promessa feita ao
namorado. O osso do filme assenta na relação entre eles. E se se pode sempre
dizer que isto também é Bertolucci a “enfiar-se na cave” e a voltar costas ao
mundo, de tal modo eu e tu se abstém de referências significativas ao que quer
que seja para além da relação entre os dois meio-irmãos, esta história de
intimidade subterrânea até resulta bastante bonita. Bertolucci parece lançar
algumas pistas, quase private jokes - o psicólogo que na primeira cena atende o
miudo está em cadeira de rodas, como, por causa de uma hérnia, Bertolucci está
actualmente, e portanto é como se Bertolucci “apadrinhasse” o miudo; o miúdo
que, numa das últimas cenas antes de se encerrar na cave, irrita a mãe com
perguntas incestuosas, como se fosse La Luna revisto com um sentido de irrisão
adolescente. Mas nada disto prevalece sobre o sentido essencial do filme, que é
um rumo para a pacificação, uma resolução da “revolta” através da aprendizagem
do contacto com os outros. Se a miúda se desintoxica da heroína, o miudo
desintoxica-se da sua aversão ao contacto e ao convívio, aprende que se pode
esperar dos outros, em determinadas circunstâncias, alguma coisa boa. Num golpe
bastante feliz, Bertolucci transfere integralmente para uma canção de David
Bowie (Ragazzo Solo, Ragazza Sola, versão italiana de Space Oddity), dançada e
cantada pelo par de irmãos, a expressão da moral da história e a chave para
desatar o seu novelo psicológico. Depois, pode fixar o sorriso do rapaz num
paralítico que, de certezinha absoluta, integra uma memória do plano final dos
Quatrocentos Golpes. E portanto até é simples: está encontrado o filme de Bertolucci
de que mais gostamos nos últimos 30 ou 40 anos.
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