DIA 10 JUNHO | 21H30 | IPDJ
O
ACTO DE MATAR
Joshua Oppenheimer e Christine Cynn
Dinamarca/Noruega/Reino-Unido/Finlândia,
2012, 115’, M/16
Título Original: The Act of Killing
Realização: Joshua Oppenheimer e Christine Cynn
Fotografia: Anónimo, Carlos Arango De Montis, Lars Skree Montagem: Nils Pagh Andersen, Erik Andersson, Charlotte Munch Bengtsen, Janus Billeskov Jansen, Ariadna Fatjó-Vilas, Mariko Montpetit
Com: Anwar Congo, Herman Koto, Ibrahim Sinik
Origem: Dinamarca/Noruega/Reino-Unido/Finlândia,
Ano: 2012
Duração: 115’
PRÉMIOS E NOMEAÇÕES
Óscar 2014 |
Nomeação para Melhor Documentário
Bafta 2014 |
Nomeação Para Melhor Filme Estrangeiro
Bafta 2014 |
Prémio De Melhor Documentário
Festival De Berlim 2013 |
Prémio Panorama do Público
Festival De Berlim 2013 |
Prémio do Júri Ecuménico
Indielisboa 2013 |
Prémio Amnistia Internacional
Documenta Madrid 2013 |
Primeiro Prémio do Júri
Documenta Madrid 2013 |
Prémio do Público
Cph:Dox
2012 |
Dox:Award
CRÍTICA
Membros de "esquadrões da morte" na Indonésia de Suharto reconstituem, numa mascarada demente, as cenas de tortura e assassinato em que estiveram envolvidos. É uma pantomina diabólica.
Acasos da distribuição levam-nos outra vez, poucas semanas depois do filme de
Rithy Panh sobre o genocídio cambojano (A Imagem que Falta), para as grandes violências,
politicamente motivadas, no sudeste asiático. Em causa agora está a Indonésia,
e aquele período da segunda metade dos anos 60, a seguir à subida ao poder de
Suharto, em que “esquadrões da morte” superiormente patrocinados se
encarregaram de chacinar opositores ao novo regime, sobretudo “comunistas”, em
número indeterminado mas que as estimativas mais pessimistas indicam poder
chegar ao milhão e meio de pessoas, escala genocida.
Ao contrário do que aconteceu no
Camboja, a Indonésia nunca promoveu qualquer ajuste de contas com este passado
sangrento, muito menos através do seu aparelho de Justiça, e os assassinos
continuam a levar vidas “normais”, gozando até alguma consideração social
advinda dos actos que cometeram no passado.
É em direcção a esta história que se
encaminha O Acto de Matar, primeiro filme realizado por Joshua Oppenheimer,
americano radicado na Dinamarca (país que surge, com a Noruega e o Reino Unido,
entre os co-produtores). Desde as suas primeiras apresentações públicas em
2012, no circuito dos festivais, tem feito sensação, e deixado um rasto de
enorme estima, principalmente entre a crítica anglo-saxónica, onde foi presença
recorrente em várias listas dos “melhores do ano” de 2012. Ainda antes disso,
já tinha seduzido luminárias como Werner Herzog ou Errol Morris, que fizeram o
suficiente pela concretização do projecto para virem creditados como produtores
executivos.
O título designa com precisão o
objecto do interesse de Oppenheimer: “o acto de matar”. E portanto, o papel dos
assassinos, não o papel, ou o lugar, das vítimas. Estará a raiz da enorme
ambivalência que (nos) suscita este filme, obra seguramente singular mas
altamente desconcertante, que é como a versão “documental” duma quantidade de
filmes (Tarantino vem ao espírito) que se debruçam, ficcionalmente, sobre os
meandros psicológicos de assassinos, torcionários e outros sádicos. Oppenheimer
reuniu uma série deles (com centro num protagonista, o abjecto Anwar Congo),
homens cheios de sangue nas mãos que nunca tiveram que se debater com nada que
os fizesse olhar bem para esse sangue. É, como no filme de Rithy Panh, uma
“imagem que falta”; mas se o cambojano, para além de falar do seu próprio
sangue, suprimia essa falta com figurinhas de argila, Oppenheimer tem à sua
disposição a carne e osso de verdadeiros assassinos.
E a carne e o osso do seu filme são
uma espécie de “pequeno teatro do mass murderer”, onde estes homens, entre
piadas e, na melhor das hipóteses, uma levíssima sombra de dúvida sobre a
justeza dos seus actos passados, reconstituem para Oppenheimer, numa mascarada
demente, as cenas de tortura e assassinato em que estiveram envolvidos.
“Pequeno teatro” ou “pequeno cinema”, visto que estes homens, que até falam de
filmes e conhecem as velhas produtores americanas de cor e salteado, colhem a
inspiração para as suas reconstituições nos géneros clássicos, do policial ao
filme de guerra - e com uma excepção significativa, que também é o lugar do
filme para o remorso, sempre no papel dos “heróis”, quer dizer, dos carrascos.
Assiste-se a esta pantomima diabólica de queixo caído, é um facto, mas -
ambivalência - com a sensação de que o filme vive daquele espectáculo, habita
aquele espectáculo, com uma falta de distância perigosa. E se essa falta de
distância, na ficção (Tarantino outra vez) é interessante por ser perigosa,
também não conseguimos esquecer que O Acto de Matar está incrustrado num
contexto real e concreto, e que o seu vampirismo não é livre de consequências:
há aqui “imagens que faltam”, de facto, e que o filme não quer, ou não pode,
fazer aparecer para além da pantomima (o carrasco que, a dada altura, se põe no
lugar da vítima, assim pateticamente “compreendendo”, tantos anos depois, o
sofrimento que infligiu).
Essas “imagens que faltam” são as das
vítimas, e são as de um real, efectivo, confronto destes homens com os seus
actos, muito para além da “metafísica da culpa” em que, nas sequências finais,
Oppenheimer mergulha o seu protagonista. A História, a realidade, a realidade
dos factos, são a pedra no sapato de O Acto de Matar, filme que, no fundo, é
incapaz de resolver a contradição entre o seu desejo de falar, em abstracto, do
“acto de matar”, e a circunstância de “matar” não ser, em caso algum, uma
abstracção: não se mata ar, mata-se outro. Mas o outro, aqui, não se vê, não
tem lugar, é a imagem que falta.
Sem comentários:
Enviar um comentário