A IMAGEM QUE FALTA | 3 DE JUNHO | 21:30 | IPDJ

DIA 3 DE JUNHO | 21h30 | IPDJ

A IMAGEM QUE FALTA

Rithy Panh
França/Camboja, 2013, 92’, M/12

FICHA TÉCNICA
Realização Rithy Panh
Argumento Rithy Panh e Christophe Bataille
Voz Randal Douc
Produção Catherine Dussart
Música original Marc Marder
Departamento de Arte (escultura) Sarith Mang
Fotografia | Prum Mésa
Som Touch SoPheakdey, Sam Kakada
Montagem | Rithy Panh, Marie-Christine Rougerie
Origem França/Camboja
Ano 2013
Duração | 92’




SINOPSE

Durante muitos anos, Rithy Panh procurou a imagem que faltava: uma fotografia tirada entre 1975 e 1979 pelos Khmers Vermelhos, quando estavam no poder no Camboja. Por si só, é claro, uma imagem não pode provar o genocídio, mas encoraja-nos a pensar, a meditar ou a escrever na História. Panh procurou em vão nos arquivos, nos documentos antigos e nas zonas rurais do Camboja. Então, criou-a. O que propõe hoje não é uma imagem, ou mesmo a procura de uma única imagem, mas a imagem de uma busca: a busca que só o cinema permite empreender.

CRÍTICA

Rithy Panh nasceu em Phnom Penh, Cambodja, em 1964, tendo vivido num campo de "trabalho" do sangrento regime dos Khmers Vermelhos (1975-79). A sua obra cinematográfica, agora revelada no mercado português através de A Imagem que Falta, é um extraordinário exemplo de resistência humana e inteligência cinematográfica .
Colocando o seu filme sob o signo da “imagem que falta”, Rithy Panh começa por nos dizer que esse vazio não é apenas informativo, mas visceralmente político. Não estamos, portanto, no interior da lógica televisiva — que tem a sua sinistra apoteose no Big Brother — segundo a qual importa dar a ver as imagens mais “chocantes” para garantir algum suplemento de verdade. Nada disso. Acontece que cada vivência colectiva se distingue tanto pelas imagens que circulam no seu interior como por aquelas que, eventualmente, são consideradas indesejáveis ou interditas. Aliás, a esse propósito, seria interessante discutir porque é que as democracias europeias, enraizadas no respeito dos direitos humanos, continuam a não assumir qualquer posição (política, justamente) sobre o poder devastador da “reality TV” nas dinâmicas e valores do audiovisual.
Em qualquer caso, o tema de Rithy Panh é incomparavelmente mais trágico. A Imagem que Falta parte da ausência de imagens dos campos de “trabalho” do regime dos Khmers Vermelhos, contrapondo a energia das memórias dos que, como ele, sobreviveram. Com essa admirável derivação cinematográfica que consiste em proclamar que, não havendo imagens “informativas”, importa criar outras que contrariem qualquer forma de esquecimento.
Os bonequinhos de barro que Rithy Panh aplica para sustentar o seu discurso constituem uma prodigiosa manifestação da energia figurativa que o cinema pode envolver. Mais do que isso: mostram como a atitude documental está muito longe de se reduzir a uma mera acumulação de “informação” recolhida em arquivo. Trata-se, afinal, de celebrar o mais nobre dos arquivos — a memória humana — e também a sua capacidade de entender o cinema como arte suprema de lidar com o visível e o invisível. 





ENTREVISTA AO DIRECTOR

O realizador cambojano, autor de A IMAGEM QUE FALTA, explica os processos de criação do seu filme, profundamente enraizados nas suas memórias: as que tem e aquelas que não pode ter.

A que necessidade interior responde o seu filme A IMAGEM QUE FALTA?
Eu queria encontrar as imagens e as histórias existentes sobre o genocídio do povo cambojano entre 1975 e 1979. Um crime em massa que não deixou imagens. Estava à procura da “imagem que falta”. No entanto, ela existe sobretudo na minha mente. Não queria voltar aos lugares. A casa da minha infância tornou-se um bordel. Construí maquetes do meu bairro, da minha casa em Phnom Penh. Mas não consegui encontrar o ambiente da minha infância. Pedi a um escultor para me fazer um pequeno homem utilizando a terra como material. Quando vi nascer aquele personagem a partir do barro soube que a “imagem que falta” estava lá. Continuei a pedir-lhe outras personagens e foi surgindo o universo terrível desses anos. Fiquei perturbado ao ver vida a brotar da mesma terra onde repousam os mortos. Tinha decidido filmar um documentário sobre as imagens de propaganda e a linguagem torcida e deformada da ideologia da desumanização, mas percebi que os khmers não tinham conseguido forjar a imagem nas nossas mentes. Optei pela radicalidade: concentrar o filme nestas personagens de barro. Queria alcançar uma proposta cinematográfica diferente e original. Não queria repetir-me.

Porque escolheu não animar as figuras?
Aqueles que, como nós, atravessaram estas provações morreram uma vez. Nós somos os sobreviventes. Nós revivemos, mas com uma parte morta. Como falar dessa morte em nós? É por esta razão que eu escolhi não animar estas figuras. Estes personagens congelados em argila revelam-se mais fortes, por vezes, do que os arquivos ou as imagens filmadas de propaganda.
Para mim, os mortos estão ao mesmo tempo congelados e não congelados. Perdi os nomes, mas não os rostos. Trabalhei apenas com um escultor, Sarith Mang, que dedicou o seu tempo e cujo estilo passa por conferir uma unidade à diversidade das personagens e às suas expressões. Ele é jovem e não conhecia a
história dos khmers vermelhos. Trabalhar com ele obrigou-me a voltar ao passado para lhe contar o que tinha acontecido. Encontrei nele a poesia dos grandes artistas que conservam a inocência da infância. O mesmo sucedeu com a gravidade presente na música de Marc Marder. A voz de Randal encaixa-se na perfeição, durante todo o filme.

O que sentiu quando percebeu que a forma do seu filme passava por estas personagens feitas de barro?
Um prazer enorme. Nos últimos 8 meses trabalhei sem parar, dia e noite. Já não sentia o cansaço. Não poderia ter feito este filme há vinte anos. Tive razão em esperar.

Que tipo de trabalho interior desenvolveu para alcançar este projecto notável e impressionante?
É difícil viver, sempre. Eu quero acreditar nas virtudes do esquecimento. Paul Ricoeur escreveu belas páginas sobre o dever do esquecimento. Mas as imagens do passado estão impressas em si mesmas. As imagens que fazem mais falta são aquelas que eu não experienciei. Quantas vezes me imaginei a passear com os meus pais já velhos nos parques de Phnom Penh… dar-lhes a mão, caminhar com eles… estes momentos fazem-me realmente falta. Como é que se esquece?

O filme está permanentemente num movimento duplo: esquecer é impossível para o sobrevivente e, ao mesmo tempo, ele não deve esquecer.
Sim, é verdade. É o mesmo processo do perdão. Como fazer? Quando filmei “Dutch, le maître des forges de l’Enfer” vi que a solução não era deixá-lo trancado numa prisão o resto dos seus dias. Eu tê-lo-ia enviado para a sua aldeia para enfrentar o passado, as suas antigas vítimas. O que devemos fazer com os torturadores, 35 anos depois?

A imagem da onda que abre e fecha o filme é muito violenta e muito eloquente na sua confusão…
O passado ergue-se como uma onda muito forte. Há três dias, estava em casa de um amigo que viveu a mesma experiência. Um dos seus amigos, também ele sobrevivente de um campo dos Khmers, suicidou-se. Com a idade vamos sendo engolidos por essa angústia e essa tristeza. A dor torna-se mais aguda, mais precisa. Gostaríamos de domar esses assaltos de memórias, mas não conseguimos. Quando vivemos na realidade estes acontecimentos, é difícil esquecê-los. Como eliminá-los e suavizá-los?

Considera que o seu trabalho ajuda a repelir as memórias, a dominar as imagens?
Certamente. Entre essas ondas caóticas que me invadem, eu tenho de manter a cabeça fora de água. A arte, a criação e o cinema restabelecem o fôlego da alma. Eu estou morto. Eu renasço. Mas renasci com a morte. Ao mesmo tempo, essa morte reconstruiu-me. A reconstrução de uma identidade depois de se regressar de uma tal desintegração é longa e complicada. O tempo assusta-me. Não pensei que demorasse uma vida inteira…

Jean-Claude Raspiengeas, La Croix


FESTIVAIS E PRÉMIOS

Festival de Cannes 2013 – Prémio Un Certain Regard
Oscars 2013 – Nomeação para Melhor Filme Estrangeiro
European Film Awards – Nomeação para Melhor Documentário
Cinemanila International Film Festival 2013 – Grande Prémio do Júri
Festival de Cinema de Ghent 2013 – Prémio Especial

Festival de Cinema de Jerusalem 2013 – Melhor Documentário





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