A IMAGEM QUE FALTA
Rithy Panh
França/Camboja, 2013, 92’, M/12
FICHA TÉCNICA
Realização | Rithy Panh
Argumento | Rithy Panh e Christophe Bataille
Voz | Randal Douc
Produção | Catherine
Dussart
Música original | Marc
Marder
Departamento de Arte
(escultura) | Sarith Mang
Fotografia | Prum Mésa
Som | Touch SoPheakdey,
Sam Kakada
Montagem | Rithy Panh,
Marie-Christine Rougerie
Origem | França/Camboja
Ano | 2013
Duração | 92’
SINOPSE
Durante muitos anos, Rithy Panh
procurou a imagem que faltava: uma fotografia tirada entre 1975 e 1979 pelos
Khmers Vermelhos, quando estavam no poder no Camboja. Por si só, é claro, uma
imagem não pode provar o genocídio, mas encoraja-nos a pensar, a meditar ou a
escrever na História. Panh procurou em vão nos arquivos, nos documentos antigos
e nas zonas rurais do Camboja. Então, criou-a. O que propõe hoje não é uma
imagem, ou mesmo a procura de uma única imagem, mas a imagem de uma busca: a
busca que só o cinema permite empreender.
CRÍTICA
Rithy Panh nasceu em Phnom
Penh, Cambodja, em 1964, tendo vivido num campo de "trabalho" do
sangrento regime dos Khmers
Vermelhos (1975-79). A sua obra cinematográfica, agora revelada
no mercado português através de A Imagem
que Falta, é um extraordinário
exemplo de resistência humana e inteligência cinematográfica .
Colocando o seu filme sob o signo da “imagem que
falta”, Rithy Panh começa por nos dizer que esse vazio não é apenas
informativo, mas visceralmente político. Não estamos, portanto, no interior da
lógica televisiva — que tem a sua sinistra apoteose no Big Brother —
segundo a qual importa dar a ver as imagens mais “chocantes” para garantir
algum suplemento de verdade. Nada disso. Acontece que cada vivência colectiva
se distingue tanto pelas imagens que circulam no seu interior como por aquelas
que, eventualmente, são consideradas indesejáveis ou interditas. Aliás, a esse
propósito, seria interessante discutir porque é que as democracias europeias,
enraizadas no respeito dos direitos humanos, continuam a não assumir qualquer
posição (política, justamente) sobre o poder devastador da “reality TV” nas
dinâmicas e valores do audiovisual.
Em qualquer caso, o tema de Rithy Panh é
incomparavelmente mais trágico. A Imagem que Falta parte da
ausência de imagens dos campos de “trabalho” do regime dos Khmers Vermelhos,
contrapondo a energia das memórias dos que, como ele, sobreviveram. Com essa
admirável derivação cinematográfica que consiste em proclamar que, não havendo
imagens “informativas”, importa criar outras que contrariem qualquer forma de
esquecimento.
Os bonequinhos de barro que Rithy Panh aplica para
sustentar o seu discurso constituem uma prodigiosa manifestação da energia
figurativa que o cinema pode envolver. Mais do que isso: mostram como a atitude
documental está muito longe de se reduzir a uma mera acumulação de “informação”
recolhida em arquivo. Trata-se, afinal, de celebrar o mais nobre dos arquivos —
a memória humana — e também a sua capacidade de entender o cinema como arte
suprema de lidar com o visível e o invisível.
ENTREVISTA AO DIRECTOR
O
realizador cambojano, autor de A IMAGEM QUE FALTA, explica os processos de
criação do seu filme, profundamente enraizados nas suas memórias: as que tem e
aquelas que não pode ter.
A que necessidade interior responde o
seu filme A IMAGEM QUE FALTA?
Eu
queria encontrar as imagens e as histórias existentes sobre o genocídio do povo
cambojano entre 1975 e 1979. Um crime em massa que não deixou imagens. Estava
à procura da “imagem que falta”. No entanto, ela existe sobretudo na minha
mente. Não queria voltar aos lugares. A casa da minha infância tornou-se um
bordel. Construí maquetes do meu bairro, da minha casa em Phnom Penh. Mas não
consegui encontrar o ambiente da minha infância. Pedi a um escultor para me
fazer um pequeno homem utilizando a terra como material. Quando vi nascer
aquele personagem a partir do barro soube que a “imagem que falta” estava lá.
Continuei a pedir-lhe outras personagens e foi surgindo o universo terrível
desses anos. Fiquei perturbado ao ver vida a brotar da mesma terra onde
repousam os mortos. Tinha decidido filmar um documentário sobre as imagens de
propaganda e a linguagem torcida e deformada da ideologia da desumanização, mas
percebi que os khmers não tinham conseguido forjar a imagem nas nossas mentes.
Optei pela radicalidade: concentrar o filme nestas personagens de barro. Queria
alcançar uma proposta cinematográfica diferente e original. Não queria
repetir-me.
Porque escolheu não animar as figuras?
Aqueles
que, como nós, atravessaram estas provações morreram uma vez. Nós somos os
sobreviventes. Nós revivemos, mas com uma parte morta. Como falar dessa morte
em nós? É por esta razão que eu escolhi não animar estas figuras. Estes
personagens congelados em argila revelam-se mais fortes, por vezes, do que os
arquivos ou as imagens filmadas de propaganda.
Para
mim, os mortos estão ao mesmo tempo congelados e não congelados. Perdi os
nomes, mas não os rostos. Trabalhei apenas com um escultor, Sarith Mang, que
dedicou o seu tempo e cujo estilo passa por conferir uma unidade à diversidade
das personagens e às suas expressões. Ele é jovem e não conhecia a
história
dos khmers vermelhos. Trabalhar com ele obrigou-me a voltar ao passado para lhe
contar o que tinha acontecido. Encontrei nele a poesia dos grandes artistas que
conservam a inocência da infância. O mesmo sucedeu com a gravidade presente na
música de Marc Marder. A voz de Randal encaixa-se na perfeição, durante todo o
filme.
O que sentiu quando percebeu que a forma
do seu filme passava por estas personagens feitas de barro?
Um
prazer enorme. Nos últimos 8 meses trabalhei sem parar, dia e noite. Já não sentia
o cansaço. Não poderia ter feito este filme há vinte anos. Tive razão em esperar.
Que tipo de trabalho interior
desenvolveu para alcançar este projecto notável e impressionante?
É
difícil viver, sempre. Eu quero acreditar nas virtudes do esquecimento. Paul Ricoeur
escreveu belas páginas sobre o dever do esquecimento. Mas as imagens do passado
estão impressas em si mesmas. As imagens que fazem mais falta são aquelas que
eu não experienciei. Quantas vezes me imaginei a passear com os meus pais já
velhos nos parques de Phnom Penh… dar-lhes a mão, caminhar com eles… estes
momentos fazem-me realmente falta. Como é que se esquece?
O filme está permanentemente num
movimento duplo: esquecer é impossível para o sobrevivente e, ao mesmo tempo,
ele não deve esquecer.
Sim,
é verdade. É o mesmo processo do perdão. Como fazer? Quando filmei “Dutch, le
maître des forges de l’Enfer” vi que a solução não era deixá-lo trancado numa
prisão o resto dos seus dias. Eu tê-lo-ia enviado para a sua aldeia para enfrentar
o passado, as suas antigas vítimas. O que devemos fazer com os torturadores, 35
anos depois?
A imagem da onda que abre e fecha o
filme é muito violenta e muito eloquente na sua confusão…
O
passado ergue-se como uma onda muito forte. Há três dias, estava em casa de um
amigo que viveu a mesma experiência. Um dos seus amigos, também ele sobrevivente
de um campo dos Khmers, suicidou-se. Com a idade vamos sendo engolidos por essa
angústia e essa tristeza. A dor torna-se mais aguda, mais precisa. Gostaríamos
de domar esses assaltos de memórias, mas não conseguimos. Quando vivemos na
realidade estes acontecimentos, é difícil esquecê-los. Como eliminá-los e
suavizá-los?
Considera que o seu trabalho ajuda a
repelir as memórias, a dominar as imagens?
Certamente.
Entre essas ondas caóticas que me invadem, eu tenho de manter a cabeça fora de
água. A arte, a criação e o cinema restabelecem o fôlego da alma. Eu estou
morto. Eu renasço. Mas renasci com a morte. Ao mesmo tempo, essa morte
reconstruiu-me. A reconstrução de uma identidade depois de se regressar de uma
tal desintegração é longa e complicada. O tempo assusta-me. Não pensei que
demorasse uma vida inteira…
Jean-Claude Raspiengeas, La
Croix
FESTIVAIS
E PRÉMIOS
Festival de Cannes
2013 – Prémio Un Certain Regard
Oscars 2013 – Nomeação
para Melhor Filme Estrangeiro
European Film Awards –
Nomeação para Melhor Documentário
Cinemanila
International Film Festival 2013 – Grande Prémio do Júri
Festival de Cinema de
Ghent 2013 – Prémio Especial
Festival de Cinema de
Jerusalem 2013 – Melhor Documentário
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