A TEMPORADA
DO RINOCERONTE
Bahman
Ghobadi
Irão/ Iraque/ Turquia, 2012, 90’, M/14
FICHA TÉCNICA
Título Original: Fasle
Kargadan
Realização
e Argumento: Bahman Ghobadi
Montagem: Valérie
Loiseleux
Fotografia: Touraj
Aslani
Interpretação: Behrouz Vossoughi, Monica Bellucci, Yilmaz
Erdoğan
Música Original:
Kayhan Kalhor
Origem: Irão/ Iraque/
Turquia
Ano: 2012
Duração: 90’
DECLARAÇÃO DO
REALIZADOR
Depois
do meu último filme “Os Gatos Persas”, fui forçado a tomar a difícil decisão de
deixar o Irão. Paris, Berlim, Nova Iorque…longe de casa… tentei encontrar um
lugar que poderia chamar de meu. Finalmente decidi estabelecer-me em Istambul.
Mas a
dor de ser arrancado da terra natal é como um veneno que inunda a mente e o
corpo. Sentia- me só e como se a vida estivesse a escapar-se para fora de mim.
Tive que expressar as pressões que eu sentia, as sensações confusas,
entorpecentes e esmagadoras, que nos acompanham quando nos são cortadas as
raízes e afastados os entes queridos.
Quem
é Sahel? Sahel é um lutador. Lutando com ele mesmo na maior parte do tempo,
tentando provar que ainda está vivo e que o seu espírito não pode ser
comprometido. Dentro das quatro paredes da prisão que o constrangem, Sahel
busca a liberdade, deixando a sua mente caminhar pelos caminhos livres da sua
memória, “colados” às imagens de sua amada esposa. Essencialmente, Sahel tenta
duplicar o tempo e luta contra a gravidade.
Mas
se eles não o executaram na prisão, a própria natureza cobrou a sua factura.
Apesar
dos seus esforços, os 30 anos de isolamento condenaram-no à “morte”.
Eventualmente é um “morto-vivo”. Ele percorre caminhos onde a terra é fria e os
seres sem alma, trocam entre si, não o amor e a felicidade, mas o desgosto.
E
essa força inevitável da gravidade arrastava-me a mim também. Eu encontrava-me,
igualmente, às portas daquela terra deserta.
No entanto, este filme foi a minha chance de olhar a morte nos olhos. Eu
mergulhei completamente no medo e na perda. E, finalmente, eu pude surgir renascido.
Com este filme, simplesmente tentei sobreviver.
É um filme intimista de um realizador que se viu obrigado
a sair do seu país para o filmar. A
Temporada do Rinoceronte é, mais do que uma
história de amor trágica,
um retrato sobre as sequelas que a Revolução Iraniana teve na vida de várias
pessoas.
Após ter sido condenado a 30 anos de prisão por ter
publicado poemas políticos, Sahel sai
finalmente em liberdade e depara-se com uma cruel realidade: a sua mulher Mina, pensado que o marido havia
morrido na prisão, fugiu para a Turquia. Determinado a reencontrá-la, o poeta
viaja para Istambul em busca do amor da sua vida.
Bahman
Ghobadi teve
que sair do Irão pelo facto dos seus filmes serem contra o governo atual. O
mesmo aconteceu com Behrouz Vossoughi (que
interpreta a personagem principal Sahel),
que saiu do mundo do
cinema no final da década de 70 aquando da Revolução Iraniana, tendo recusado
vários papéis até ao convite de Ghobadi.
Este é, portanto, um filme bastante importante e pessoal
por todos os envolvidos. É também baseado na vida de um
poeta iraniano que na nota de abertura do filme tem o pseudónimo de Sadegh Kamangar. Os seus poemas são geralmente declamados
durante o decorrer de toda a fita e por vezes são mesmo adaptados ao ecrã em
cenas belíssimas e, ao mesmo tempo, surreais. Mas mesmo com este surrealismo,
nunca uma estrofe é descontextualizada, Ghobadi sabe
exatamente quando utilizar cada verso e orquestra momentos profundos ao longo
da sua obra.
A montagem bastante eficaz do filme sabe alternar entre
estes momentos mais metafóricos e o enredo principal, ajudando por vezes a
compreender um pouco melhor o que vai na cabeça das personagens. Isto porque há
uma quantidade reduzida de diálogos em A
Temporada do Rinoceronte. O filme vive à base das
ações dos protagonistas e nas imagens brutais que o realizador nos mostra de
uma forma quase cruel, como as torturas de Sahel na
prisão ou os seus planos subjetivos nos momentos em que se depara com a nova
realidade: a de que a sua mulher seguiu com a sua vida pensado que o marido
havia morrido na prisão. São partes comoventes de um filme que por vezes é um
verdadeiro murro no estômago, tendo em conta que a vida de Sahel
não
é um caso singular.
Um dos maiores trunfos do filme é a sua fotografia. É
difícil tirar os olhos do ecrã graças ao trabalho de Touraj Aslani, que utilizou um incrível paleta de cores
para dar mais significado a algumas cenas de A
Temporada do Rinoceronte.
A realização de Bahman Ghobadi é
igualmente assinalável. Uma das mais interessantes opções que o realizador
tomou na elaboração deste seu trabalho foi a forma diferente com que tratou o
antes e o depois da prisão de Sahel. O
poeta é a personagem principal do filme enquanto a ação decorre na atualidade,
mas os flashbacks que
nos levam até à década de 70 focam essencialmente o chauffeur Akbar, empregado da
família de Sahel, e o
seu relacionamento Mina,
por quem tem um paixão secreta. Ghobadi mostra-nos
assim um triângulo amoroso em várias perspetivas e em tempos diferentes e faz
com que conheçamos melhor cada personagem.
O elenco não é composto por muitos atores. Behrouz Vossoughi, Monica
Bellucci e Yilmaz Erdogan são
os verdadeiros líderes do filme, com performances incríveis. Não havendo muitos
diálogos no argumento de Ghobadi, as
personagens foram essencialmente construídas a partir dos gestos dos seus
intérpretes e dos pequenos detalhes que cada um transmitiu.
A Temporada do
Rinoceronte é um dos filmes mais
incríveis do ano. Tem algumas das imagens mais bonitas do cinema dos últimos
anos e não vai deixar ninguém indiferente. A belíssima realização de Bahman Ghobadi (que
continua a provar ser um dos mais importantes realizadores iranianos da
atualidade) aliada ao exímio trabalho de fotografia, às grandes interpretações
do seu elenco e à poesia de Sadegh Kamangar fazem desta sua obra um retrato
comovente sobre o amor e as injustiças da vida.
Sebastião Barata, espalhafactos.com/
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