PASOLINI
Abel
Ferrara, França, 2013, 86’, M/18
FICHA TÉCNICA
Título Original: Pasolini
Realização: Abel Ferrara
Argumento: Maurizio Braucci e Abel Ferrara uma ideia
de Nicola Tranquillino e Abel Ferrara
Montagem: Fabio Nunziata
Fotografia: Stefano Falivene
Interpretação: Willem Dafoe, Riccardo Scamarcio, Ninetto
Davoli, Maria de Medeiros
Ano: 2013
Origem: França
Duração : 86´
Origem: França
Duração : 86´
CRÍTICA
Figura essencial na história do moderno
cinema italiano, Pier Paolo Pasolini (1922-1975) surge, agora, como personagem
central de um filme assinado pelo americano Abel Ferrara — um retrato notável,
centrado numa magnífica interpretação de Willem Dafoe.
Escusado será dizer que nunca seria simples
revisitar, em filme, a vida de uma personalidade tão fascinante, e também tão
cheia de contrastes, como Pier Paolo Pasolini.
O autor de filmes como "O Evangelho
Segundo São Mateus" (1964), "Decameron" (1971) ou "Salò ou
os 120 Dias de Sodoma" (1975) foi, afinal, um criador tão ousado no plano
temático como inventivo no domínio das linguagens — e, convém não esquecer,
como cineasta, mas também enquanto escritor.
Ao abordar a figura de Pasolini, o americano
Abel Ferrara resiste a qualquer caracterização banalmente biográfica, muito
menos determinista. Aliás, o seu "Pasolini" começa por se
distinguir pelo arco temporal que escolhe — trata-se de revisitar apenas o derradeiro dia de vida do cineasta (2
de Novembro de 1975), quando foi assassinado numa praia de Ostia, nos arredores
de Roma.
Não estamos, assim, perante uma
"evocação" tradicional. Por um lado, o filme mostra-nos um Pasolini
empenhado no lançamento daquele que seria o seu derradeiro filme
("Salò"), ao mesmo tempo que se mantém uma voz activa na discussão da
situação política em Itália; por outro lado, através da contaminação de
diversos elementos (em particular a escrita de um argumento que deixaria
inacabado), deparamos com um criador reflectido no espelho dos seus fantasmas,
afinal discutindo sempre os
sentidos da sua intervenção pública.
Para a vibração emocional dos resultados, é
obviamente essencial a composição de Willem Dafoe. Ferrara dirige-o muito para
além de qualquer lógica "ilustrativa", pedindo-lhe antes a definição
de uma personagem envolvida num turbilhão de desejos e ideias que, em última
instância, nos conduzem à discussão do próprio lugar social do artista. Nesta perspectiva, para
além da sua visão dialéctica de Pasolini, o filme "Pasolini" pode ser
também uma sugestiva porta de entrada no seu universo literário e
cinematográfico.
João
Lopes,
rtp.pt/cinemax
ENTREVISTA AO REALIZADOR
Não sei. Para mim, e também para o Willem Dafoe,
tratava-se de tentar perceber o que estava a acontecer na cabeça de Pasolini.
Em boa verdade, gostava de saber como é que Pasolini definiria a palavra
“redenção”. Pode dizer-se que ele foi o centro de toda uma paisagem criativa em
que sempre soube encontrar o equilíbrio entre o trabalho e a família,
garantindo a si próprio o tempo que precisava para escrever, para fazer filmes.
Mais do que isso: o tempo para escapar a tudo isso e procurar aquilo que sentia
necessidade de procurar. Em particular procurando as “razões” (entre aspas) do
seu prazer — podia não ser o prazer dos outros, mas era o seu. E é preciso não
esquecermos que ele viveu a tragédia da Itália: a ascensão do fascismo, a
invasão dos nazis e depois, num certo sentido, a invasão dos americanos e dos
exércitos aliados — foram, afinal, momentos que conduziram à libertação de
Itália. Seguiu-se a tomada do poder pelos democrata-cristãos, uma “era dourada”
(de novo entre aspas) de progresso e daquilo que para ele era o maior flagelo,
ou seja, o consumismo. Creio que, de certa maneira, como intelectual, como homem
de acção, ele se sentia responsável por tudo isso — como tinha sido possível o
país ter chegado ao que chegou?
Através dele, acabamos por rever também a história de
Itália.
É uma realidade que ele não pode nem quer evitar.
Quando se vive dessa maneira, no fim de tudo isso há qualquer coisa de destino,
de “karma” — acabou morto numa praia... Pasolini sabia a vida que vivia. Na sua
derradeira entrevista, foi ele próprio que o disse: “Tenho de pagar pelas
consequências das minhas acções e vou até ao inferno, se for preciso”. Voltando
à palavra “redenção”... Como é que podemos definir redenção?
Talvez no sentido de não desistirmos de acreditar que
o Bem é possível contra o Mal. Para além de todas as diferenças de história e
contexto, a questão também surge a propósito da personagem de Devereaux (Gérard
Depardieu), em Welcome to New York, quando diz “sei que não vou mudar”.
E, no caso dele, sem qualquer hipótese de redenção.
Devereaux é alguém que não vai, obviamente, sentar-se e dizer: “O problema
talvez seja eu...”
Centrando-se no derradeiro dia de vida de Pasolini, o
seu filme evoca Salò ou os 120 Dias de Sodoma, um objecto
cinematográfico que lhe valeu muitos ataques; houve quem considerasse que a
“transposição” da obra do Marquês de Sade para o fascismo italiano não fazia
sentido.
Eram acusações deslocadas e absurdas. Ele viveu
durante o fascismo, o irmão era um “partisan” que foi assassinado... Pasolini
deixou uma obra visionária, de uma clareza admirável e, ao mesmo tempo, com um
invulgar poder de abstracção. Aliás,Salò é quase um documentário. O
que é que as pessoas pensam que os fascistas fizeram? Assassinaram seis milhões
de pessoas!
Quase se pode dizer que vemos Pasolini mais como
escritor do que como cineasta. Qual foi a importância dos seus escritos na
elaboração do filme?
Foi essencial, em particular a leitura dos derradeiros
trabalhos. Num certo sentido, foi mesmo importante que fossem trabalhos
inacabados, confrontando-nos com interrogações dramáticas — por exemplo, até
onde poderia ter ido um livro como Petróleo? E o argumento que ele não
concluiu?
Nessa perspectiva, Pasolini não se apresenta como um
filme biográfico.
Afinal de contas, que sabemos sobre ele? É o tipo de
pessoa que nem sequer os melhores amigos sabiam como ele era. E sabiam que não
sabiam — é esse o belíssimo mistério de Pier Paolo.
E quanto a si, aceita definir-se como um cineasta
independente?
É preciso ser independente, no sentido em que é
importante pôr em cada filme a nossa individualidade, a nossa visão — a minha
maneira é... a minha maneira, não há ninguém como eu.
Há algum cineasta ou cineastas que siga, em
particular?
Não sigo ninguém, estou ocupado a fazer os meus
filmes. Houve uma altura da minha vida em que via filmes e mais filmes, como um
viciado. Esse período acabou: ando a fazer filmes, não a vê-los. Não vejo
televisão, embora acompanhe a minha equipa de futebol, os New York Jets. E
leio. E toco guitarra.
Entretanto, Welcome to New York continua
inédito nos EUA.
É uma batalha que estamos a travar, porque não estou
disposto a abdicar do direito à montagem final. E ninguém vai tocar na
“porcaria” do meu filme!
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