O ÚLTIMO DOS INJUSTOS
Claude LanzmannFrança/Áustria, 2013, 220', M/12
FESTIVAIS
Festival de
Cannes - Selecção Oficial
FICHA TÉCNICA
Realização: Claude Lanzmann
Fotografia: William Lubtchansky, Caroline Champetier
Montagem: Chantal Hymans
Som: Antoine Bonfanti, Manuel Grandpierre, Alexander Koller
Origem: França/Áustria
Fotografia: William Lubtchansky, Caroline Champetier
Montagem: Chantal Hymans
Som: Antoine Bonfanti, Manuel Grandpierre, Alexander Koller
Origem: França/Áustria
Ano: 2013
Duração: 220’
CRÍTICA
Como
quase todos os filmes de Claude Lanzmann, O
Último dos Injustos é um
descendente de Shoah, o
seu monumental trabalho sobre o Holocausto, e sobre as memórias do Holocausto,
estreado em 1985.
O Último dos Injustos é então esse filme. É
o retrato dum homem com uma história extraordinária, é um documento de história
oral, é uma investigação sobre alguns aspectos particulares do Holocausto, e é,
não o negligenciemos, um fascinante jogo de pingue-pongue entre um
entrevistador (Lanzmann) e um homem (Murmelstein) perfeitamente consciente das
“zonas de sombra” do seu percurso. Figura ambígua, que houve (Gerhard Scholem,
por exemplo) quem defendesse que devia ter sido julgado e condenado,
Murmelstein, apesar de bastante “apertado” por Lanzmann, acaba por ser como que
“absolvido” por ele: o final do filme, no que é um pormenor raríssimo em toda a
obra de Lanzmann, mostra os dois num último passeio por ruínas romanas, e a
câmara fica a vê-los a afastarem-se, com Lanzmann a passar o braço pelo ombro
de Murmelstein. Não fica nenhuma ambiguidade sobre a admiração do realizador
pela sua personagem.
Em relação aos procedimentos habituais de Lanzmann — tão
crucialmente expostos em Shoah — O Último dos Injustos introduz
algumas variações relevantes. Aquela opção radical de incluir quaisquer imagens
de época foi abandonada, e neste filme encontra-se mesmo um pequeno documento,
feito pelos próprios nazis, que mostra o ghetto de
Theresienstadt numa absurda (sinistra e absurda) manobra de propaganda, que
pretendia dar a ver como o ghetto era de facto “modelo”
e todos ali tinham uma vida agradabilíssima. Outro aspecto importante é o facto
de Lanzmann se pôr, a ele próprio, “em cena”, em imagens contemporâneas
(Lanzmann já com oitenta e muitos anos) que criam um diálogo curioso com as
imagens de 1975 onde Lanzmann aparece como homem jovem, sugerindo que O Último dos Injustos comporta também uma
dimensão autobiográfica, como se o realizador reflectisse também sobre a sua
vida e obra.
Mas essas cenas contemporâneas, onde Lanzmann faz um pouco de tudo
(cicerone na visita à actual cidade de Terezin ou às sinagogas de Viena;
reconstituição quase “teatral” de acontecimentos sucedidos no ghetto),
também fazem uma espécie de ponte, da “memória histórica” à “memória material”,
como que salientando que o Holocausto, apesar da crescente distância temporal,
não é uma abstracção de livros de História mas, pelo contrário, uma presença. E
nesse sentido, certos momentos, como a demorada cena numa sinagoga vienense,
dão-se a ver como um testemunho de sobrevivência cultural: eis aqui, ainda, a
cultura judaica que os nazis quiseram destruir. Contando uma história de morte, O Último dos Injustos celebra,
no fim de contas, a sobrevivência e a vida.
Luís Miguel Oliveira, publico.pt
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