UM POMBO POUSOU NUM RAMO A REFLECTIR NA EXISTÊNCIA
Roy Andersson
Suécia/
Alemanha/ Noruega/ França, 2014, 101’, M/14
FICHA TÉCNICA
Título
Original: En duva satt på en gren och funderade på tillvaron
Realização e Argumento: Roy
Andersson
Montagem: Alexandra
Strauss
Forografia: István
Borbás e Gergely Pálos
Música: Hani Jazzar e Gorm Sundberg
Interpretação: Holger
Andersson, Nils Westblom e Viktor Gyllenberg
Origem: Suécia/Alemanha/Noruega/França
Duração: 101'
Festivais e Prémios
Festival de Veneza - Leão de Ouro
CRÍTICA
Da
Suécia chega um humor frio, formalista, surreal, cruel, de uma absoluta
singularidade. Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2014.
Dois
homens vivem de comerciar artigos carnavalescos. Não têm muita variedade na
mala de cartão que transportam consigo, só dentes de vampiro, sacos de
gargalhadas e máscaras de látex (o ‘Tio-de-um Dente-Só’) — e o ar bisonho que
trazem no rosto, de uma quase desesperante melancolia, também não é muito
favorável ao negócio. Mas eles insistem, eles querem ajudar as pessoas a
divertir-se, proclamam. Sem sucesso algum. Mas, entretanto, conduzem-nos por
uma infinidade de espaços e situações, umas banais, outras excêntricas, e
revelam-nos um mundo onde o mais horrível é a sombria adjacência entre a
trivialidade e o grotesco, a solidão e a multidão, a vanidade da vida e a
infalibilidade da morte. Tal como os seus personagens, o sueco Roy Andersson
não nos faz rir, em gargalhada, mas faz-nos sorrir, às vezes um riso
casquinado, como quem quer afastar uma assombração, um farrapo de medo, às
vezes só rimos por dentro. É que aquele mundo absurdo que ele constrói até ao
mais ínfimo detalhe, não existe em lado algum, mas é o nosso mundo,
reconhecemo-lo, tal como reconhecemos o nosso rosto numa galeria de espelhos
deformantes.
Para lá do riso — ou concomitante com ele, já que a profundidade de campo é uma
das alavancas deste humor — o espectador tem a grata liberdade de poder ter um
olhar largo sobre o ecrã. Andersson constrói cada plano como um quadro, com uma
invariável justeza de composição. Falo de volumes, de linhas, de pontos de
fuga, de uma geometria que se exibe, como uma glória formal que nos embevece. Então,
num certo lugar, está o que podemos considerar o centro da ação. Mas há sempre
um pormenor do cenário que nos apela, pessoas lá ao fundo que nos desviam, uma
porta que abre para outro espaço onde está alguém ou acontece alguma coisa, uma
janela que deixa ver não sabemos bem o quê — e o nosso olhar erra por ali. E
essa errância é um prazer, porque vamos descobrindo coisas — como nos quadros
detalhistas de Dalí. Não é estulto invocar aqui o pintor surrealista catalão,
já que a deformação do mundo que Roy Andersson trabalha bem se pode avizinhar
da que o génio de Figueres operava. Com uma essencial diferença: o cinema de
Andersson é, figurativamente, de um realismo obsessivo. A respiração surreal é
uma coisa que vem de dentro, do nonsense de alguns diálogos, da
repetição verbal de lugares-comuns, da incongruência de uma situação. Depois, é
extraordinário como, em pleno reino do sarcasmo, o cineasta consegue provocar
emoções. É o caso do surpreendente canto no bar, em 1943, quando se trocam shots
por beijos, já que os marinheiros dinheiro não têm ou a estranhíssima
sequência da máquina com enormes cornetas onde se metem escravos negros — e que
depois é posta sobre chamas, a rodar, com eles lá dentro. Em verdade vos digo,
há um frémito que perpassa e dura.
De Roy Andersson já estreara, em Portugal, em 2011, “Tu Que Vives” com mitigada
receção. Agora, esse filme e “Canções do Segundo Andar” (Prémio do Júri em
Cannes, 2000), o primeiro da trilogia que ora se encerra, entram em exibição ao
mesmo tempo que “Um Pombo Pousou Num Ramo a Refletir na Existência”. Excelente
oportunidade para o público tomar contacto com o universo de um dos mais
originais criadores cinematográficos do nosso tempo. Ainda por cima, não
esquecer, é para rir!
Jorge Leitão Ramos, Expresso, 27/6/15
ENTREVISTA
COM ROY ANDERSSON
Como
é que os filmes da TRILOGIA DOS VIVOS estão ligados, e como é que são
diferentes uns dos outros?
É
minha convicção que qualquer filme possa – e deva – ser visto a qualquer altura
nos seus próprios termos. Dentro de cada filme individual, cada cena pode na
verdade ser vista separadamente. UM POMBO POUSOU NUM RAMO tem 39 cenas, e a
minha ambição é que cada uma delas permita ao público ter uma experiência
artística. Como um todo, a TRILOGIA DOS VIVOS tenta desafiar os espetadores a
examinar a sua própria vida, perguntando-lhes “O que estamos a fazer? Para onde
vamos?” Procura levar à reflexão e à contemplação, olhando para a nossa
existência com
uma grande dose de tragicomédia, de “Lebenslust” - o desejo de viver, e um
respeito fundamental pela existência humana.
A
TRILOGIA DOS VIVOS mostra que a humanidade está potencialmente a caminho do
apocalipse, mas também que o resultado final está nas nossas mãos. CANÇÕES DO
SEGUNDO ANDAR pulsa com o Milenialismo, a partir da cena com o vendedor que
deita fora os crucifixos, simbolizando o abandono da compaixão e da empatia, à
cena das casas em movimento, evocando o pânico das crises financeiras cíclicas,
em si pequenos apocalipses. Os temas da culpa coletiva e da vulnerabilidade
eram centrais a esse filme. TU, QUE VIVES representava a ousadia de ir em direção
a sonhos, uma transição que me abriu todo um reino de novas possibilidades.
Antes, as minhas personagens comentavam os seus sonhos. Agora, com UM POMBO
POUSOU NUM RAMO, as cenas são simplesmente oníricas, sem mais explicações. UM
POMBO POUSOU NUM RAMO também provoca mais do que os outros dois filmes, e o tom
é maioritariamente de “Lebenslust”, mesmo que as personagens sejam tristes e
lutem muito.
De
que medida a passagem do 35mm para o digital afetou esse processo?
À
medida que envelhecemos torna-se muitas vezes difícil mudar de métodos de
trabalho, mas desta vez não foi esse o caso. Sinto-me muito positivo quanto a
esta mudança, ter rodado o filme digitalmente. Sinto-me feliz por ter encontrado
o caminho neste novo método, com o apoio dos meus colaboradores notáveis,
evidentemente. Na prática, significou que posso ancorar-me mais facilmente em
planos de conjunto. Anteriormente estava mais preocupado e mais ansioso com manter
a imagem focada ao fundo. Sou fã do foco profundo e da profundidade de campo, e
uma câmara digital permitiu-me obter uma definição geral que me parece
espantosa.
As
estéticas abstrata e artística de UM POMBO POUSOU NUM RAMO A REFLECTIR NA
EXISTÊNCIA são reminiscentes do meu trabalho anterior. As imagens são
ligeiramente mais brilhantes e mais nítidas devido ao uso da câmara digital.
Para além disso, procurei incluir cenas mais dinâmicas, para que o novo filme
não fosse tanto uma série de quadros, e para lhe dar um ritmo mais distintivo.
No cômputo geral, é o melhor de que eu e a minha equipa somos capazes.
Levámo-lo ao limite.
O seu
cinema tem sido inspirado pela pintura, de artistas da Renascença a Edward
Hopper passando pela Neue Sachlichkeit ou Nova Objetividade. Quais foram os
artistas mais importantes para UM POMBO POUSOU NUM RAMO A REFLECTIR NA
EXISTÊNCIA?
Diria
Otto Diz e Georg Scholz – os dois pintores alemães cujas inovações artísticas
foram inspiradas pelas suas experiências na I Guerra Mundial. Devastada pela
guerra, a sua visão do mundo ressoa de um modo do qual me sinto muito próximo,
sem que eu tenha jamais ido à guerra. Ao crescer, o realismo era a única coisa
que me interessava.
Tudo
o resto era apenas estranho – burguês, na verdade – mas à medida que o tempo
passa sinto-me cada vez mais fascinado pela arte abstrata, a começar pelo
simbolismo, pelo expressionismo e pela Neue Sachlichkeit. É muito mais
interessante do que a representação puramente naturalista. Hoje quase acho uma
representação naturalista aborrecida, enquanto a interpretação pessoal de uma
expressão abstrata é extraordinária, com van Gogh como o mestre. Ele consegue
pintar três corvos a voar sobre um campo de milho – e enquanto espetador
acreditamos nunca ter visto nada assim. É uma espécie de “super-realismo”, uma
ambição que também tenho para UM POMBO POUSOU NUM RAMO, onde a abstração é
condensada, purificada, e simplificada. As cenas devem emergir como se fossem limpas,
como memórias e sonhos. Sim, não é uma tarefa fácil: “c’est difficile d’être
facile” - é difícil ser fácil, mas tento.
Bruegel
o Velho é outra inspiração. Entre as suas obra-primas da Renascença encontra-se
uma paisagem requintada chamada Caçadores na neve. De uma colina coberta de
neve que dá para uma cidadezinha flamenga, vemos os aldeões a patinar sobre um
lago gelado num vale. Em primeiro plano, três caçadores e os seus cães
regressam de uma caçada. Sobre eles, empoleirados nos ramos nus de uma árvore,
quatro pássaros observam curiosos as ações das pessoas lá em baixo. Bruegel
especializava-se em paisagens detalhadas povoadas por camponeses e adotava
frequentemente o ponto de vista do pássaro para contar uma história de
sociedade e da existência humana. A sua obra também inclui alegorias
fantásticas dos vícios e das loucuras do homem, usando uma sátira sem falhas
para exprimir as trágicas contradições do ser. Em Caçadores na neve, os
pássaros parecem estar a pensar: “O que estão os humanos a fazer lá em baixo?
Porque estão eles tão atarefados?”
Também
quero referir um pintor naturalista chamado Ilya Repin, que realizou um quadro
notável sobre os Cossacos. Levou-lhe onze anos; é uma obra enorme baseada em
esboços e rascunhos. Ao fim de 11 anos sentia-se satisfeito com o quadro. Hoje
faz parte do património mundial. Claro que soa pretensioso aspirar ao
património mundial mas, ao mesmo tempo, enquanto artista, temos de nos empenhar
e de levar a nossa expressão ao limite. Infelizmente, isso é hoje muito difícil
face aos aspetos financeiros do cinema e à atitude e ao recrutamento dos
cineastas. Os homens de negócios tomaram conta da expressão do cinema.
Entristece-o
que os cineastas contemporâneos não se inspirem mais na pintura?
Acho
isso muito deprimente. É provavelmente por isso que o cinema hoje em dia é tão
diluído e tão pouco interessante.
O
imaginário é muito parco. E isso, por sua vez, deve-se à economia; não há tempo
nem dinheiro para se ser mais rigoroso. Ainda assim, acho muito triste que tão
poucos cineastas estejam hoje dispostos a cuidar dos elementos visuais de fazer
filmes, mesmo que sejam caros e levem muito tempo. Precisei de quatro anos a
tempo inteiro para completar este filme.
Conseguiu
fazê-lo sem o dinheiro da publicidade?
Sim,
ao contrário dos dois filmes anteriores na TRILOGIA DOS VIVOS, financiámos UM
POMBO POUSOU NUM RAMO sem filmar publicidade durante as rodagens. Mesmo que o
dinheiro extra pudesse ter dado jeito aqui ou ali, senti-me muito satisfeito
por poder concentrar-me inteiramente no filme.
Quando
CANÇÕES DO SEGUNDO ANDAR estreou em 2000, descreveu o seu estilo como uma
espécie de “trivialismo”. Continua a ser uma definição válida?
Sim,
penso que UM POMBO POUSOU NUM RAMO é um exemplo ainda mais nítido do que
considero “trivialismo”.
Refiro-me
ao trivial amplificado para uma experiência mais apelativa. E isso também vale
para a pintura no geral, toda a história da arte está cheia de trivialidades
porque elas são parte das nossas vidas, são as premissas das nossas vidas.
Adoro
isso, e de futuro gostaria de me tornar ainda mais trivial do que fui neste
filme. Mais ainda do que nas cenas com o rei sueco Carlos XII a caminho do
campo de batalha em Poltava, onde aparece inesperadamente numa situação muito
trivial, sentindo-se com sede e mais tarde a precisar de usar a casa de banho.
A
alegada homossexualidade de Carlos XII é aqui sublinhada a fim de fazer este
conquistador idiossincrático e muito masculino parecer mais humano?
Na
Suécia ele é geralmente considerado um verdadeiro macho, e por isso um símbolo
forte para muitas organizações de direita. Mas agora também sinto um grande
respeito pela beleza da cena, sobretudo quando o rei se sente subitamente tão
ligado ao jovem empregado de bar. Estou muito contente com a cena. No fundo,
qualquer que seja a posição que se tem na sociedade, as pessoas são sensíveis e
vulneráveis. Ilustrar isso é aquilo que basicamente quero conseguir com o meu
trabalho.
Acredita
que o mundo tem cada vez menos compaixão e empatia?
A
compaixão faz parte de todos nós a dada altura. É a minha grande pena, e a pena
de todos nós, que esse elemento seja muitas vezes reprimido em nome do
comercialismo. Estou a pensar em Emmanuel Levinas a discutir o rosto do ser
humano e o respeito por uma outra existência, um outro presente, que é
recompensador. Numa cena do meu filme, um velho lamenta o seu comportamento
mesquinho e pouco generoso ao longo da sua vida: “É por isso que fui tão infeliz”,
diz a um empregado de mesa.
Mas
as palavras não são suficientes para criar a compreensão completa e a
comunicação total – um facto que explica de certo modo a ausência de palavras
na TRILOGIA DOS VIVOS. Penso que o retrato visual do ser humano, tanto na
pintura como no cinema, nos diz mais do que as palavras. Não sou capaz de o
explicar de outro modo. Também é por isso que gosto de Beckett – À ESPERA DE
GODOT, por exemplo. É tão trivial, tão lacónico, com estas pessoas a não se
compreenderem mutuamente. Mas é tão verdadeiro. As minhas cenas são supostas
mostrar os momentos de incompreensão e os erros feitos por gente que se
encontra mas que nunca se liga verdadeiramente ao outro, porque estão sempre
demasiado apressados a perseguir aquilo que lhes parece ser importante.
Parece
ter uma afeição especial pelos vendedores – os protagonistas dos seus filmes
vendem crucifixos, frigoríficos e, como em UM POMBO POUSOU NUM RAMO, artigos de
diversão. É uma espécie de auto-retrato seu?
De
certo modo vem da minha infância, dos meus familiares que vendiam. Mas ser
vendedor é tão universal; no fundo a vida acaba por ser muito isso. Pode-se
defender que vender e promover é o verdadeiro fundamento de uma sociedade civilizada.
Vou convencer este financiador ou esta televisão que isto é interessante e
importante. Eu próprio sou um vendedor, somos todos. Somos supostos
promover-nos a nós próprios, chegar aos outros com as nossas coisas e as nossas
ideias.
Como
lhe surgiu a ideia dos dois vendedores viverem num abrigo?
O
hotel surge diretamente da minha experiência em Gotemburgo. O sítio onde cresci
é hoje um abrigo, e infelizmente o meu irmão, que foi viciado em drogas durante
muito tempo, acabou por ir lá parar. Por isso conheço os destinos nesse
ambiente. De modo mais abrangente, esses companheiros são diretamente modelados
na literatura: D. Quixote e Sancho Pança; RATOS E HOMENS de John Steinbeck; e
não esquecer, na história do cinema, BUCHA E ESTICA, que também serviram de
inspiração a Beckett. Os tipos do filme são uma versão de BUCHA E ESTICA. Um
deles é um pouco concencido, enquanto o outro não é muito capaz; é um pouco
mais triste e chora facilmente. Sou muito inspirado por estas duplas masculinas
da história cultural.
E na
sua relação desigual, os dois vendedores também representam um universo mais
alargado, o opressor contra o oprimido.
Sim,
isso está a tornar-se cada vez mais evidente. Hoje falei com o meu diretor de
fotografia, István Borbás, sobre este problema prevalecente de uma sociedade
com cada vez menos solidariedade. Hoje em dia as pessoas são supostas pensar
apenas em si próprias, trabalhar para o seu próprio lucro caindo em cima dos
outros. Nem ouso pensar nas terríveis consequências deste comportamento. É um
desastre, uma alienação que vai fazer os jovens perder a fé por completo.
Odeio
a humilhação, odeio ver os outros a serem humilhados e odeio ser eu próprio
humilhado. De certo modo todos os meus filmes são sobre a humilhação. Venho de
uma familia de classe operária e vi como os meus familiares se humilhavam
perante os seus superiores, um respeito exagerado pela autoridade que os torna
incapazes de falar, que lhes deixa apenas um sentimento de culpa. Senti isso
toda a minha vida e decidi lutar contra isso.
E
conseguiu ganhar essa luta?
Sim,
no sentido em que não sou como os meus avós, não tenho o mínimo medo das
classes dominantes. Mas viverei toda a minha vida com essa humilhação, e com o
ódio da autoridade. Essa é também a razão principal das minhas caricaturas
recorrentes de monarcas. É um modo de blasfemar contra a história da classe
trabalhadora.
Em UM
POMBO POUSOU NUM RAMO existe também uma cena rigorosamente encenada onde um crime
terrível é colocado num contexto histórico fictício. É quase uma provocação na
sua combinação de crueldade e beleza. Refiro-me à cena de extermínio perto do
fim do filme. Colonialistas britânicos forçam escravos para dentro de um
cilindro de cobre, e música bela e lenta nasce a partir dos últimos gritos das
vítimas.
Enquanto
artista é importante, mesmo necessário, abalar os preconceitos, mexer com as
pessoas, acrescentar coisas à culpa que se sente no mundo. Ainda somos supostos
sentir vergonha. Tenho esta cena na cabeça há 50 anos, e existe nela uma grande
série de referências históricas. Estou muito feliz por ter conseguido filmá-la
sem ser obsequioso ou sentimental. Há em UM POMBO POUSOU NUM RAMO A REFLECTIR
NA EXISTÊNCIA uma série de cenas do mesmo tipo. No mínimo tentei criar uma
tensão grande entre o banal e o essencial, o cómico e o trágico, mas mesmo as
cenas trágicas contêm energia e humor. Vejo UM POMBO POUSOU NUM RAMO como
cómico do princípio ao fim, emocional, enaltecedor. Mas de vez em quando o
público também vai ver momentos de terror. A gama do humor ao horror
vai ser muito grande.
A
TRILOGIA DOS VIVOS chegou agora ao seu fim. Será este também o último filme de
Roy Andersson?
Não,
na verdade já estou a trabalhar num novo filme. Vai ser ainda mais louco, com
mais encanto e apelo. UM POMBO POUSOU NUM RAMO também é assim, mas o próximo
vai levar essa loucura ainda mais longe. Mas nunca vou abandonar o provável e o
possível. O meu cinema tem de estar ancorado num certo lado prático, uma
espécie de realismo estilizado.
Vai
continuar a usar o seu estilo – planos de conjunto e câmara imóvel, planos
longos?
Sim,
este modo de trabalhar permite-me situar as personagens no universo que as
rodeia em vez de as isolar. Não consigo sequer ver filmes que têm consistentemente
planos curtos para acelerar a história. Estou empenhado neste tipo de valores
visuais, criando espaço para uma composição mais aberta e mais democrática. Há
um sociólogo francês que cito por vezes, Loïc Wacquant, estudante de Bourdieu.
Quando
ele voltou a França depois de algum tempo como professor convidado nos EUA,
descreveu o que encontrou lá como um fenómeno americano: “a hostilidade para
com o pensamento límpido”. Considero que a composição do meu trabalho favorece
esse pensamento límpido. Tudo está visível e bem iluminado. Juntamente com os
meus colaboradores tento contestar a “hostilidade para com o pensamento
límpido”.
Jon
Asp