TAL PAI, TAL FILHO | 17 NOV | ESSUALG | 21H30


TAL PAI, TAL FILHO
Hirokazu Koreeda, Japão, 2013, 120’, M/12

FICHA TÉCNICA
Título Original: Soshite chichi ni naru/Like Father, Like Son
Realização e Argumento: Hirokazu Koreeda
Fotografia: Mikiya Takimoto
Montagem: Hirokazu Koreeda
Música: Takeshi Matsubara, Junichi Matsumoto e Takashi Mori
Interpretação: Masaharu Fukuyama, Machiko Ono, Yôko Maki
Origem: Japão
Ano: 2013
Duração: 120’

PRÉMIOS
Festival de Cannes – Prémio do Júri
London Film Festival  2013 – Nomeação para Melhor Filme





CRÍTICAS

O segredo de Koreeda está na sua capacidade de transformar os “temas” em simples ressonâncias, que nunca prevalecem sobre um primeiro plano constituído por acções, descrições, gestos, momentos de contemplação. 
Vai-se tornando repetitivo dizê-lo mas cada novo filme o confirma: não deve haver hoje em todo o mundo mais algum cineasta que, como Hirokazu Koreeda, sistematicamente baseie o seu cinema num olhar sobre a infância e, o que é outro passo ligeiramente diferente, num olhar a partir da infância. E sobretudo que o faça tão bem, com tanta graça e delicadeza, no olhar sobre os miúdos mas também na encenação do espaço doméstico e familiar, fazendo as banalidades quotidianas – refeições, jogos de consola, trabalhos de casa – viverem com uma força de “verdadeira vida”, independentemente das circunstâncias mais ou menos dramáticas da narrativa.

Aqui o “drama” já aconteceu quando o filme começa: seis anos antes, na maternidade, dois garotos nascidos na mesma noite foram trocados e entregues às famílias erradas. Uma família abastada, onde o pai é funcionário destacado numa grande empresa, que habita num arranha-céus com uma ampla vista sobre Tóquio; e uma família de condição mais modesta e hábitos menos refinados, moradora no que parece ser um subúrbio de Tóquio. A condição social das famílias não é nada irrelevante, porque a “hereditariedade” (no sentido estrito biológico mas também num sentido social) é uma questão no centro do filme, e também em certos detalhes (como se confere na cena com o discurso da enfermeira responsável pela troca dos bébés). Através da personagem do “pai abastado”, que logo nos primeiros ouvíramos a enunciar reservas ao carácter do filho (“não se importa de perder, não parece meu filho”), lança-se a questão da biologia contra a educação – ao saber que, de facto, o miúdo que educou durante seis anos não é verdadeiramente seu filho, esse pai julga ter encontrado a explicação: é a biologia, o sangue, que é determinante. Propõe assim, perante a renitência hesitante da mulher e do outro casal (mas não dos miúdos, que encaram tudo como uma espécie de jogo), alguma trocas temporárias com vista à troca definitiva das crianças.
Este é o motor narrativo e temático do filme. Como tudo se conclui não vale a pena mencionar aqui, sendo que o final nada tem de surpreendente, é apenas um triunfo do bom senso. Como bom senso é uma das principais qualidades de Koreeda: se Tal Pai Tal Filho é um olhar, umas vezes ínvio outras mais directo, sobre a família japonesa, sobre as divisões sociais no Japão, sobre a preponderância dos homens sobre as mulheres na condução dos destinos familiares, no fundo temas que atravessam há décadas o cinema japonês (Ozu, por exemplo), o segredo de Koreeda está na sua capacidade de, com razoável sucesso (talvez aprendido com Ozu, a quem ele deve alguma coisa), transformar os “temas” em simples ressonâncias, que nunca prevalecem sobre um primeiro plano constituído por acções, descrições, gestos, momentos de contemplação. O casting é perfeito, o dos adultos como o dos miúdos, e tão boas são as cenas de conjunto (as refeições, por exemplo) com a família ou as famílias inteira(s) como as cenas menos apinhadas, só com os garotos e os pais. E nos miúdos sempre esta coisa espantosa (e difícilima de conseguir, por certo) que é através do olhar denotarem uma infinita condescendência, uma espécie de “sabedoria” mais adulta que a dos adultos, pacientemente se submetendo às “experiências” dos pais à espera do momento em que os pais, finalmente, ganhem juízo.
Luís Miguel Oliveira, Público



Um ano depois de ter estreado em Portugal o magnifico “O Meu Maior Desejo”, temos a sorte de assistir à estreia de mais um filme do conceituado cineasta japonês, Hirokazu Koreeda. “Tal Pai, Tal Filho”, vencedor do Prémio do Júri, na 66ª edição do Festival de Cannes. Este é mais um belo retrato sobre a família, sobre o olhar da infância, um tema que o realizador sempre explorou nos seus filmes anteriores. O tema é sempre o mesmo, mas a história é sempre outra e em cada filme ficamos estupefactos com a forma simplista que ele usa para contar várias histórias, que tocam sempre no mesmo assunto. A família. A infância.
Koreeda, que assina também o argumento, conta-nos a história de duas famílias, uma abastada e outra de um meio social mais baixo, que descobrem que os seus filhos foram trocados na maternidade. A primeira é composta por Midori, a mãe, Ryota, o pai, um homem determinado, trabalhador, bem-sucedido, autoritário, que impõe uma educação rígida e planeada ao seu filho Keita, de seis anos. A segunda é composta por Ryusei, o filho, Yukari, a mãe, e Yudai, o pai, que é um lojista que gosta de trabalhar pouco, muito divertido e adora brincar com crianças. As duas famílias vão ter que unir esforços para lidarem com o difícil dilema de terem de escolher entre a força do sangue ou do amor.
A questão que se coloca de imediato ao espectador é se seriamos capazes de trocar um filho adoptivo (por quem temos fortes laços afectivos), por um filho biológico (por quem temos laços de sangue). É deveras um pesadelo para os pais. Durante anos vivemos e investimos numa criança e de repente sabemos que aquele afinal não é o nosso filho biológico. O biológico, é um estranho, mas aquilo que nos une é precisamente o mesmo sangue, nada mais. O que é que conta mais, a educação e o amor ou o sangue, o biológico? Koreeda acaba por responder a isto tudo no fim. Para se ser pai de alguém não é necessário ter-se o mesmo sangue. É o amor, o afecto, a atenção, a educação e o investimento que damos ao filho que faz um bom pai.
Ao contrário do que acontece em “O Meu Maior Desejo”, aqui não é tanto pelo olhar das crianças, mas sim o dos adultos que importa. Neste caso o maior enfoque reside na figura paternal, o Pai, portanto. A personagem Ryota vê-se obrigado a questionar o seu papel de pai e a ver os objectivos que tinha planeado para o seu filho, que afinal não é dele, a serem destruídos. Através de concelhos de amigos, de colegas de trabalho e até do próprio pai, Ryota tenta perceber qual será a opção mais correcta a adotar, sem ferir as duas crianças.
O cineasta torna a pegar num tema complexo e faz uma reflexão pessoal sobre a paternidade através de uma família japonesa contemporânea de uma forma natural e poética, sempre com uma realização quase documental. O realizador preocupa-se também em enfatizar a questão social destas duas famílias, mostrando a grande divisão entre os ricos e os pobres na sociedade japonesa.
As duas horas de filme são talvez um pouco excessivas, no entanto, é uma duração compreensível que permite que as personagens respirem, para que o espectador veja o quotidiano delas, através de pequenas ações e gestos. A minimalista banda sonora de piano, a excelente fotografia e boas interpretações por parte do elenco, fazem deste filme, condoído de sentimentos, um dos melhores do ano. Koreeda continua minimalista e único em bulir todos estes conceitos sobre a família nos seus filmes. O belo poema sobre o amor paternal, “Tal Pai, Tal Filho”, foi, na minha opinião, a melhor forma de terminarmos este ano de 2013.
Tiago Resende, cinema7arte

Sem comentários: