O
PRESIDENTE
Mohsen Makhmalbaf
França/Georgia/Alemanha/Reino Unido, 2014, 115', M/14
FICHA TÉCNICA
Título original: The President
Realização: Mohsen
Makhmalbaf
Argumento: Mohsen
Makhmalbaf, Marziyeh Meshkiny
Fotografia: Konstantine-Mindia Esadze
Montagem: Hana
Makhmalbaf, Marziyeh Meshkiny
Interpretação: Misha Gomiashvili; Dachi Orvelashvili; Guja Burduli;
Ia Sukhitashvili; Zura Begalishvili; Lasha Ramishvili
Origem: França/Georgia/Alemanha/Reino Unido
Ano: 2014
Duração: 115’
FESTIVAIS E PRÉMIOS
Chicago
International Film Festival, 2014 - Vencedor " Golden Hugo
" – Melhor Filme
15th TOKYO
FILMeX International Film Festival - Vencedor Prémio Audiência – Melhor
Filme
14th Beirut
International Film Festival - Vencedor "Société Générale
Award" Melhor Filme
Venice International Film Festival - Filme de Abertura | Nomeado –
Melhor Filme
International
Film Festival Of India (Goa), - Filme de Abertura
Tbilisi International
Film Festival, Georgia - Filme de Abertura
Tertio
Millennio Film Festival - Filme de Abertura
Outras Presenças
Busan
International Film Festival, 2014
London Film
Festival, 2014
Warsaw
International Film Festival, 2014
Carthage
International Film Festival, 2014
CRÍTICAS
Mohsen Makhmalbaf é uma das mais persistentes vozes da luta contra a ditadura iraniana. Ele próprio foi preso e torturado pela polícia política na sua juventude, com sequelas graves sobretudo nos pés, só recuperando a marcha após várias operações. Já no exílio manteve-se empenhado na luta contra os excessos do regime e na denúncia das constantes violações dos direitos humanos no país, não só através do seu cinema como também da sua extensa obra literária. O contexto pessoal ajuda a entender melhor este O Presidente, filme de 2014 que só agora se estreia em Portugal. Até porque a perspicácia do ativista está numa visão mais global, inteligente e eficaz que não se fica por breves impressões do curto prazo. Se podemos identificar Makhmalbaf com um dos estropiados que no final regressam a casa, a sua verdadeira voz será aquela que se levanta contra a vingança desmiolada e primária, afirmando que violência gera violência. Uma perspetiva difícil, mas necessária, reforçada pela autoridade de quem sofreu a ditadura na pele.
Contudo não nos deixemos confundir. O Presidente não é uma alegoria direta à ditadura iraniana, mas antes uma metáfora sobre os regimes ditatoriais em geral, particularmente os do Médio Oriente. Mas não só. Facilmente se encontram possíveis inspirações noutras ditaduras: a própria fuga do Presidente tanto faz lembrar Kadafi na Líbia, como a surreal escapada de Ceausescu através da Roménia. Por outro lado, apesar de ser um filme denúncia, não é um filme que envolva um perigo semelhante aos realizados por Jafar Panahi ou Mohammad Rasoulofd no próprio Irão. E as ameaças à vida de Makhmalbaf parecem menos intensas com o recente entendimento entre o Irão e os Estados Unidos.
[...] está construído num registo de fábula, em que convivem imagens poderosas com outras redundantes. Logo de início, a introdução das personagens é forte, no pré-genérico, revelando um ditador que resiste aos caprichos do neto (numa conversa trivial - não lhe deixa comer um gelado), enquanto assina a condenação à morte de prisioneiros políticos (incluindo um rapaz de 16 anos). E avança de seguida, com forte capacidade semiótica, para uma demonstração de poder: faz ligar e desligar as luzes da cidade (uma brincadeira com o neto), até ao dia em que as luzes não se voltam a acender.
O que torna a caracterização da personagem superior é a descrença no mal absoluto. Este horrendo ditador é humanizado através da relação terna que estabelece com o neto. Um avô empenhado, capaz de dar a vida
pela criança. O homem cruel amacia-se ao longo da fuga e à medida que se confunde com o povo. Uma viagem dura e complexa, em que os fatores externos influenciam o interior, que chega ao seu cume quando, numa imagem cristã, o presidente lava as feridas dos pés de um ex-prisioneiro político. É aqui que, talvez ingenuamente, Makhmalbaf revela acreditar na redenção. Como a personagem diz: "Deixem a democracia encarregar-se dele". Até porque, ao exemplo das Primaveras Árabes, o mundo da pós-revolução que encontramos com a fuga do presidente repete os caminhos de violência do anterior: é um mundo cruel e indigno, com execuções espontâneas, à mercê do banditismo, em que não há respeito pela vida humana. Só travando o ciclo de violência é que se pode aspirar a construção de um país. Que a vida imite o cinema. Contudo não nos deixemos confundir. O Presidente não é uma alegoria direta à ditadura iraniana, mas antes uma metáfora sobre os regimes ditatoriais em geral, particularmente os do Médio Oriente. Mas não só. Facilmente se encontram possíveis inspirações noutras ditaduras: a própria fuga do Presidente tanto faz lembrar Kadafi na Líbia, como a surreal escapada de Ceausescu através da Roménia. Por outro lado, apesar de ser um filme denúncia, não é um filme que envolva um perigo semelhante aos realizados por Jafar Panahi ou Mohammad Rasoulofd no próprio Irão. E as ameaças à vida de Makhmalbaf parecem menos intensas com o recente entendimento entre o Irão e os Estados Unidos.
[...] está construído num registo de fábula, em que convivem imagens poderosas com outras redundantes. Logo de início, a introdução das personagens é forte, no pré-genérico, revelando um ditador que resiste aos caprichos do neto (numa conversa trivial - não lhe deixa comer um gelado), enquanto assina a condenação à morte de prisioneiros políticos (incluindo um rapaz de 16 anos). E avança de seguida, com forte capacidade semiótica, para uma demonstração de poder: faz ligar e desligar as luzes da cidade (uma brincadeira com o neto), até ao dia em que as luzes não se voltam a acender.
O que torna a caracterização da personagem superior é a descrença no mal absoluto. Este horrendo ditador é humanizado através da relação terna que estabelece com o neto. Um avô empenhado, capaz de dar a vida
Manuel Halpern, visao.sapo.pt
O
novo filme do iraniano Mohsen Makhmalbaf é dedicado aos sírios mas começou a
ser escrito há nove anos. É sobre a ilusão do poder, sobre o “agora” e o
“futuro”, sobre o bem e o mal que somos.
O Presidente que já não o é percorre o país
que julgava seu disfarçado de músico de rua, com o neto e herdeiro a fingir-se
menina. O Presidente leva às costas um preso político e finge que também ele
passou pelos calabouços. O preso que vai às suas costas não pode pousar os pés
no chão, a tortura foi muita mas pior teria sido se o tivessem descoberto: ao
contrário de todos os camaradas, escapou à execução por ter assassinado o filho
e a nora do Presidente, os pais do neto que agora finge ser Maria, a das aulas
de dança, de quem nunca deixará de ter saudades, e que já não pode chamar ao
Presidente o que sempre foi ensinado a chamar-lhe.
“O que é
tortura?”, pergunta o menino. O Presidente quer largar o preso que carrega às
costas e matar o homem que lhe matou o filho com as mãos, mas não pode fazê-lo.
Pode, mas não o faz. Já não é o Presidente, já cantou, bebeu e fumou com todos
aqueles homens que mandou para a prisão sem nunca hesitar, por mais novos que
fossem, por mais inocentes, decentes ou honrados compatriotas que fossem. O
Presidente já é um deles, mesmo que não o saiba.
O Presidente é o último filme do realizador iraniano Mohsen Makhmalbaf, há
muito tempo a viver no exílio. Aos 58 anos, já foi tudo e o seu contrário.
Tinha 15 quando criou o seu próprio grupo de guerrilha para derrubar o Xá Reza
Pahlavi. Preso aos 17 anos por tentar esfaquear um soldado, saiu da cadeia
cinco anos depois, durante a Revolução Islâmica de 1979, quando o Xá fugiu do
Irão.
O novo regime dos ayatollahs tentou – e, até certo ponto, conseguiu
– criar um cinema ideológico, islamista, e Makhmalbaf chegou a ser um símbolo
desse cinema. Depois afastou-se, de novo na oposição, e tornou-se a prova do
fracasso da tentativa dos islamistas para matar o cinema, o cinema que é mesmo
cinema, aquele que reflecte o Irão e faz do Irão o que o Irão é. De “realizador
do regime” passou a dissidente e foi porta-voz no exílio de Mir Hussein
O Presidente é fruto destes últimos anos, turbulentos. “Começámos a trabalhar
no guião há nove anos. Depois aconteceu o movimento em 2009 e reescrevemos
tudo. A seguir vieram as Primaveras Árabes, e voltámos à escrita. Tentámos que
funcione como uma metáfora do agora e do futuro, dos sistemas da ditadura e da
revolução, que são sempre iguais. Presidente ou rei, xá ouayatollah, revolução,
golpe de Estado. O Presidente podia ser Saddam Hussein, [o ayatollah Ali] Khamenei [Guia Supremo iraniano],
Muammar Khadaffi, Estaline… Este não é um filme iraniano, é universal.”Medo do povo
Makhmalbaf viaja muito e calhou ao Ípsilon entrevistá-lo por telefone quando já passava da 1h no hotel russo onde estava hospedado, perto da fronteira com a China, nove horas de diferença. Estava acordado mas ensonado, cansado mas disponível. Respondeu a tudo e demorou-se nas respostas. O recepcionista é que não ajudou, sem grande vontade de atender a chamada.
Makhmalbaf viaja muito e calhou ao Ípsilon entrevistá-lo por telefone quando já passava da 1h no hotel russo onde estava hospedado, perto da fronteira com a China, nove horas de diferença. Estava acordado mas ensonado, cansado mas disponível. Respondeu a tudo e demorou-se nas respostas. O recepcionista é que não ajudou, sem grande vontade de atender a chamada.
Sofia Lorena, publico.pt
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