MILES AHEAD
Don Cheadle
EUA, 100’, M/14
FICHA TÉCNICA
Título original: Miles Ahead
Realização: Don Cheadle
Argumento: Steven Baigelma e Don Cheadle
Montagem: John Axelrad e Kayla Emter
Fotografia: Roberto Schaefer
Música: Robert Glasper
Interpretação: Don Cheadle, Emayatzy Corinealdi, Ewan McGregor, Michael Stuhlbarg
Origem: EUA
Ano: 2015, 2015
Duração: 100’
TRAILER
CRÍTICA
Miles Davis é a personagem principal de "Miles Ahead".
Como fazer um retrato de Miles Davis (1926-1991) num filme de 100 minutos? A pergunta, escusado será sublinhá-lo, envolve um desafio radical. Figura seminal da história do jazz, Miles deixou-nos uma herança de tal modo rica de invenção e contrastes que qualquer biografia arrisca-se a ser uma confissão de impotência face ao génio do biografado. Ao interpretar e dirigir o filme Miles Ahead, Don Cheadle escolheu, por certo, uma das vias menos óbvias - e com resultados carregados de tocantes emoções.
O filme adota o título do álbum de 1957 que marcou o início da colaboração com Gil Evans: os seus arranjos conferiram mesmo a Miles Ahead uma peculiar estrutura de suite, em dez "andamentos", transformando-o num momento emblemático da história do jazz. Seja como for, o filme de Cheadle começa na segunda metade da década de 70, alguns anos depois do lançamento do prodigioso Bitches Brew (1970), época especialmente cruel para Miles, distante do público e das gravações regulares, vivendo na intimidade uma dramática dependência de drogas.
Descobrimos um Miles dilacerado e instável que, além do mais, vira algumas das suas mais ousadas experiências de fusão de funk e eletrónicas - recorde-se o exemplo modelar de Get Up With It, álbum lançado em 1974 - atacadas pelos mais diversos preconceitos. Cheadle não só evita qualquer forma de santificação da personagem, como utiliza o presente de onde parte a ação para recuperar alguns momentos fortes do passado de Miles.
O filme desenvolve-se, assim, através de um ziguezague que, aplicando alguns sugestivos efeitos de montagem, nos projeta nos tempos atribulados do casamento de Miles e Frances Taylor (Emayatzy Corinealdi). Marcado pela infidelidade de Miles, e também por uma crescente dependência de drogas, esse é um período musicalmente assombroso em que, entre outros, ele edita os álbuns Sketches of Spain (1960) e Someday My Prince Will Come (1961), este com a própria Frances na capa. Tudo se passa sob a chancela da Columbia, numa época de muitas convulsões musicais, havendo mesmo uma sugestiva situação em que, numa parede, surgem lado a lado as capas de Sketches of Spain e The Times They Are a-Changin", terceiro álbum de estúdio de Bob Dylan, lançado em 1964.
Como fazer um retrato de Miles Davis (1926-1991) num filme de 100 minutos? A pergunta, escusado será sublinhá-lo, envolve um desafio radical. Figura seminal da história do jazz, Miles deixou-nos uma herança de tal modo rica de invenção e contrastes que qualquer biografia arrisca-se a ser uma confissão de impotência face ao génio do biografado. Ao interpretar e dirigir o filme Miles Ahead, Don Cheadle escolheu, por certo, uma das vias menos óbvias - e com resultados carregados de tocantes emoções.
O filme adota o título do álbum de 1957 que marcou o início da colaboração com Gil Evans: os seus arranjos conferiram mesmo a Miles Ahead uma peculiar estrutura de suite, em dez "andamentos", transformando-o num momento emblemático da história do jazz. Seja como for, o filme de Cheadle começa na segunda metade da década de 70, alguns anos depois do lançamento do prodigioso Bitches Brew (1970), época especialmente cruel para Miles, distante do público e das gravações regulares, vivendo na intimidade uma dramática dependência de drogas.
Descobrimos um Miles dilacerado e instável que, além do mais, vira algumas das suas mais ousadas experiências de fusão de funk e eletrónicas - recorde-se o exemplo modelar de Get Up With It, álbum lançado em 1974 - atacadas pelos mais diversos preconceitos. Cheadle não só evita qualquer forma de santificação da personagem, como utiliza o presente de onde parte a ação para recuperar alguns momentos fortes do passado de Miles.
O filme desenvolve-se, assim, através de um ziguezague que, aplicando alguns sugestivos efeitos de montagem, nos projeta nos tempos atribulados do casamento de Miles e Frances Taylor (Emayatzy Corinealdi). Marcado pela infidelidade de Miles, e também por uma crescente dependência de drogas, esse é um período musicalmente assombroso em que, entre outros, ele edita os álbuns Sketches of Spain (1960) e Someday My Prince Will Come (1961), este com a própria Frances na capa. Tudo se passa sob a chancela da Columbia, numa época de muitas convulsões musicais, havendo mesmo uma sugestiva situação em que, numa parede, surgem lado a lado as capas de Sketches of Spain e The Times They Are a-Changin", terceiro álbum de estúdio de Bob Dylan, lançado em 1964.
Sentir a música
Não tendo sido fácil concretizar, o projeto de Miles Ahead ilustra uma via algo marginal na atual produção americana. A realização de Cheadle aposta num registo que contraria tanto a consagração fácil como a acumulação de dados banalmente "informativos". Nem que seja pelas suas rimas emocionais, o filme acaba mesmo por nos ajudar a sentir a densidade da música de Miles, de acordo com uma lógica que possui algo de paradoxalmente jornalístico. A esse propósito, será interessante referir que Dave Braden, o jornalista interpretado por Ewan McGregor, sendo uma personagem inventada, desempenha um papel fundamental no modo como Miles Ahead expõe os contrastes entre imagem pública e verdade privada.
Recuando no tempo, podemos dizer que Miles Ahead fica como um momento importante no conhecimento cinematográfico de Miles Davis, cujas composições estão representadas em títulos muito diversos (incluindo, também como ator, no filme australiano Dingo, de Rolf de Heer, lançado em 1991). Vale a pena lembrar que, no seu Descobrir Forrester (2000), por vezes considerado como uma abordagem "indireta" da vida do escritor J. D. Salinger, o realizador Gus Van Sant utilizou vários temas da época de Bitches Brew. Isto sem esquecer, claro, que um dos títulos que anuncia a Nova Vaga francesa - Fim de Semana no Ascensor (1958), de Louis Malle - tem banda sonora original de Miles Davis.
Não tendo sido fácil concretizar, o projeto de Miles Ahead ilustra uma via algo marginal na atual produção americana. A realização de Cheadle aposta num registo que contraria tanto a consagração fácil como a acumulação de dados banalmente "informativos". Nem que seja pelas suas rimas emocionais, o filme acaba mesmo por nos ajudar a sentir a densidade da música de Miles, de acordo com uma lógica que possui algo de paradoxalmente jornalístico. A esse propósito, será interessante referir que Dave Braden, o jornalista interpretado por Ewan McGregor, sendo uma personagem inventada, desempenha um papel fundamental no modo como Miles Ahead expõe os contrastes entre imagem pública e verdade privada.
Recuando no tempo, podemos dizer que Miles Ahead fica como um momento importante no conhecimento cinematográfico de Miles Davis, cujas composições estão representadas em títulos muito diversos (incluindo, também como ator, no filme australiano Dingo, de Rolf de Heer, lançado em 1991). Vale a pena lembrar que, no seu Descobrir Forrester (2000), por vezes considerado como uma abordagem "indireta" da vida do escritor J. D. Salinger, o realizador Gus Van Sant utilizou vários temas da época de Bitches Brew. Isto sem esquecer, claro, que um dos títulos que anuncia a Nova Vaga francesa - Fim de Semana no Ascensor (1958), de Louis Malle - tem banda sonora original de Miles Davis.
João Lopes, dn.pt
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