RODIN | 5 JUL | CLAUSTROS MUSEU MUNICIPAL FARO | 22H


RODIN
Jacques Doillon
BE/FR/EUA, 2017, 119’, M/14

FICHA TÉCNICA
Título original: Rodin
Realização e Argumento: Jacques Doillon
Montagem: Frédéric Fichefet
Fotografia: Christophe Beaucarne
Música: Philippe Sarde
Interpretação: Vincent Lindon, Izïa Higelin, Séverine Caneele, Bernard Verley
Origem: Bélgica/ França/EUA
Ano: 2017
Duração: 119’

FESTIVAIS
Cannes 2017 – nomeado para a Palma d’Ouro




TRAILER


CRÍTICA


Um filme sobre a obstinação da integridade artística.
O filme histórico não era o sítio onde esperaríamos reencontrar Jacques Doillon, cineasta que noutros tempos (anos 80, anos 90) até foi seguido com regularidade em Portugal e que filmou sempre “relações”, conjugais ou familiares, mais canónicas ou mais irregulares, com frequentes incursões pelo universo da infância e da adolescência (os belos PonetteLe Petit Criminel ou La Fille de Quinze Ans). [...]
A primeira coisa a fazer é resistir ao aparato semi-institucional que parece rodear o filme. Doillon é (e continua a ser) cineasta suficiente para fazer sua a encomenda, e é o que ele faz aqui. Rodin não é o biopic solene e pomposo do “grande homem” das “artes”: as coisas passam-se noutra escala, e, por exemplo, a construção narrativa, assente em blocos separados por elipses (que por vezes engolem muitos anos), nada tem de académico, pelo contrário, assim como, no capítulo das questões românticas (a relação de Rodin com as mulheres, em especial com Camille Claude, sua amante e discípula de muitos anos), tudo distancia Rodin do célebre Camille Claudel de Bruno Nuytten em finais dos anos 80 (com Isabelle Adjani no seu mais “diva” e Depardieu como Rodin, ainda não, mas quase, no seu mais brutamontes). Quer Vincent Lindon, quer Izia Higelin são essencialmente simples e discretos, e as cenas curtas, mais corriqueiras ou mais conflituosas, com que Doillon dá o evoluir da relação são até os momentos em que o filme mais se aproxima do Doillon “típico” e mais tipicamente intimista (podendo até, através das parties de campagne das personagens, compor algumas graças com o impressionismo).
Mas o centro de Rodin é o trabalho, o homem no seu atelier, com as mãos na pedra ou no gesso, os olhos nos modelos, em cenas filmadas quase sempre numa certa penumbra, como se as cores se reduzissem ao preto e branco. Não chega a ser a Belle Noiseuse (de Rivette), porque nada se compara ao labirinto e aos jogos de poder e sedução que esse filme encena, mas a sua atenção à matéria, ao trabalho sobre a matéria, ao processo obsessivo (e intrinsecamente “erótico”) que leva à transmutação da carne em pedra aproximam-nos mais do filme de Rivette do que dum pastelão académico convencional sobre o “grande escultor”. E depois, que é o ponto onde Doillon com certeza se projecta a si próprio, o combate, quase político (e certamente “institucional”, porque Rodin era já um “artista oficial” do Estado francês), pela liberdade criativa e pela independência, pela sua visão contra a visão, justamente, oficial — exemplificada pela longuíssima luta, que ocupa quase toda a segunda metade do filme, para fazer prevalecer a sua “escandalosa” escultura de Balzac contra praticamente tudo e todos. Um filme sobre a obstinação da integridade artística, em suma, como um Fountainhead em ponto pequeno, e bastante bem tal como está. O plano final — uma imagem contemporânea da estátua de Balzac no jardim do museu japonês em que se encontra — é qualquer coisa que talvez só esperássemos ver num filme de Manoel de Oliveira ou dum cineasta oliveiriano. Rodin é filme até ao fim, e não dizemos isso a todos.
Luís Miguel Oliveira, Público




ENTREVISTA A VICENT LINDON
Tal como quase todos os grandes artistas, Vincent Lindon é uma pessoa muito fácil de entrevistar. Conversar sobre um filme, para ele, não é pausa nem frete, mas sim uma das derradeiras e mais importantes etapas do seu trabalho, a que ele se entrega com uma dedicação extrema e invulgar. Quantos filmes não são o que são por ter sido ele a interpretá-los? A reputação de Lindon vem de longe: ator muito seletivo de tudo em que se mete, quando ele escolhe um papel envolve-se em todos os sectores que o afetam; reflete, discute, contesta, faz perguntas. E acaba por 'ganhar' os filmes, porque eles também são dele. Em Cannes, em maio passado, um dia depois da estreia mundial deste novo trabalho de Jacques Doillon (apresentado a concurso pela Palma de Ouro) , ainda não tínhamos sequer ligado o gravador e já Lindon disparava, para esclarecer: "Vai perguntar-me porque é que eu aceitei fazer Rodin, não é? Pois bem, não sei. Ainda não descobri. Vão ver o filme, a resposta está lá. " Há muito tempo que Lindon e Jacques Doillon se conhecem, há muito que ambos queriam trabalhar em conjunto "e quando ele me ofereceu este papel, quando me disse que 'escreveu este guião para mim [Doillon, de resto, é autor de quase todos os argumentos dos seus filmes], não podia, simplesmente, dizer-lhe que não: o artista [Rodin] é tão grande, tão original e moderno, que não pude resistir à tentação".
Como é seu hábito, Lindon preparou-se até à exaustão. "Comecei por coisas simples: deixar crescer a barba, cortar o cabelo. Tinha de dar ares ao homem. Depois atirei-me ao trabalho. Ele era escultor e não havia outro caminho: tive de aprender a esculpir. Sabe, há mil maneiras de fazer isto no cinema, num filme biográfico com planos curtos e momentos episódicos, até um imbecil pode passar por Rodin. Acontece que eu sei como é que Jacques trabalha, conheço a sua abordagem à mise en scène, ele privilegia os planos-sequência, takes de seis ou sete minutos, sem cortes. Ora, fui obrigado a tornar-me escultor. Durante cinco meses, tive aulas, quatro horas por dia. Não havia outra maneira e comecei a gostar daquilo. Aprendi a gostar das sensações que Rodin também terá tido, a compressão da massa, a experiência tátil, a concentração do olhar sobre a matéria, as dores nas costas que nos aparecem de estarmos fixados na mesma posição. A minha interpretação de Rodin vem de tudo isto, das descrições extraordinárias que dele fez Rainer Maria Rilke, do próprio fantasma que ele foi para mim. Foi incrível para alguém tão nervoso como eu ter de passar por todo aquele processo — e aprender a ganhar uma calma até chegar a rodagem. Esculpir é tão extraordinário, tão sensual, que depois não consegues parar, fica-te para a vida. O professor com quem aprendi tudo esteve ontem em Cannes para subir a passadeira vermelha connosco. Enviou-me uma mensagem e, em setembro [esta conversa foi gravada em maio], vamos recomeçar, uma ou duas vezes por semana. Já fiz um leão. Fiz uma cópia do 'Le Baiser', de Rodin, que não ficou nada má. É um trabalho longo, que começa com uma impressão da forma e que depois se vai apurando, dias a fio, meses a fio, e que exige determinação, talento e paciência. "

Não é — todos nós o sabemos — a primeira vez que Rodin e a sua paixão tumultuosa por Camille Claudel visitam o cinema (e na memória estão ainda bem presentes o filme que Bruno Nuytten rodou em 1988, "A Paixão de Camille Claudel", com Isabelle Adjani, bem como o mais recente "Camille Claudel 1915", de Bruno Dumont, com Juliette Binoche). Contudo, esta é talvez a primeira vez que um filme sobre o escultor coloca o trabalho e o ato de criação em si no plano principal (“sim, meti as mãos na massa", disse-nos Lindon mais do que uma vez) , deixando de lado uma abordagem psicológica àquelas figuras. No filme de Doillon, que se passa em 1880 numa altura em que Rodin começa a ser reconhecido pelo Estado francês (que lhe encomenda "La Porte de L'Enfer"), Rodin tem 40 anos, Camille apenas 16 - o papel é de Izia Higelin, atriz parisiense em ascensão. "Quando se é generoso, é-se generoso. Quando se é louco ou cruel, é-se louco ou cruel. As pessoas não podem mudar e Doillon faz parte dos primeiros", acrescenta Vincent. "Às vezes, ouço dizer que Rodin fez Camille Claudel enlouquecer. Não acredito nisso: ela era louca! Amaram-se enquanto estiveram juntos, e talvez ele a tenha amado mais do que o contrário. " Para Lindon, a história deles é normal, igual à de tantas outras, "é uma história entre um homem e uma mulher que se admiraram que se admiraram mutuamente. Amaram-se e quando o amor acabou, disseram bye bye, só isso. Camille foi parar depois a um hospital psiquiátrico, mas se ela não tivesse conhecido Rodin acho que esse teria sido o seu destino de qualquer forma. Ora, Doillon e eu seguimos este caminho, isto é: deixámos a biografia de lado. Aquilo que conta para mim no filme é o meu trabalho na escultura. É a espontaneidade e a vivacidade de Izia Higelin. Não uma luta sobre a obsessão, a competição, o ciúme entre um homem e uma mulher". Lindon refere depois que, se ambos foram génios, foram contudo incomparáveis: "Sejamos sensatos: ele era o mestre, ela a estudante. Camille quis seguir o seu caminho, não quis copiar quem a ensinou, acho isso notável. Agora, eles não são comparáveis, e não é por um ser homem e a outra mulher. Rodin trabalhava depressa, Camille era muito focada e dedicada. Camille esculpiu 400 peças, Rodin 13 mil. Há 55 museus dedicados a Rodin, apenas um a Camille. Isto são factos que estão necessariamente ligados à história daquele tempo. É claro que eles não tiveram as mesmas chances. É claro que a representação das mulheres na sociedade do fim do século XIX era débil. Mas isto não é culpa de Rodin! Aliás, ele é um dos maiores defensores da causa das mulheres: amou-as, esculpiu-as e encorajou Camille a crescer como artista quando todas as convenções da sua época lhe eram adversas. Enfim, acho que uma parte de mim ainda está dentro do filme. Estarei eu a falar como Rodin agora?" Lindon prosseguiu a entrevista a encadear respostas nas suas próprias perguntas. Tudo o que ele quer quando interpreta uma personagem é ser-lhe infiel, levando-a se possível até à fronteira do ridículo. "Quando fiz 'A Lei do Mercado' [de Stéphane Brizé, 2015], receei que todos os franceses pobres me gritassem: 'Ó Vincent, vai-te lixar e fica lá no teu rico bairro e na tua bela vida burguesa, não te metas connosco. ' Quando estava a fazer 'Rodin' pensava muitas vezes que o fantasma do próprio estava ali ao meu lado e a rir-se de mim: 'Ah, ah, ah. Não é assim que se faz...' Um amigo disse-me uma dia uma coisa que eu nunca irei esquecer: 'Tens a tendência a olhar para ti com os olhos do teu inimigo.' E eu acho que ele tem razão: quando estou a fazer um filme, construo o meu próprio inimigo. É uma luta — e eu gosto de lutar. É para o meu inimigo que eu represento. E com os olhos 'dele' que eu me vejo. E andamos nisto há que tempos, como o cão e o gato". Lindon diz que aprendeu a desconfiar da arte contemporânea. Gosta dos séculos XVIII e XIX, de música clássica, e o que o leva aos museus é Manet, Cézanne, os impressionistas, e Rodin, sobretudo desde que o interpretou. Nunca faz filmes a pensar na audiência porque, "se pensasse nisso, seria o primeiro passo para os filmes que faço não serem vistos". E o trabalho com Doillon? "Foi uma love Story. Ele é o oposto de mim. É tão gentil, tão calmo, tão intelectual, fala tão docemente... O Jacques é como um homem discreto que andou na rua com um cão muito grande — e o cão muito grande fui eu. Ele tem poder sobre mim, leva-me para onde quer, diz-me sim ou não, mas eu também tenho poder sobre ele, porque ladro. Ladro muito. E às vezes mordo!"
Vasco Baptista Marques, Expresso

CURTA-METRAGEM DE ABERTURA DA SESSÃO

A BRIEF HISTORY OF PRINCESS X, Gabriel Abrantes, PT/FR/UK, 2016, 7’


Um retrato delirante da escultura Princess X de Constantin Brancusi, uma controversa escultura em bronze, que começou como um busto da igualmente controversa sobrinha bisneta do Napoleão, a Marie Bonaparte.
 

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