ANA, MEU AMOR
Călin Peter Netzer
RO/DE/FR, 2017, 125’, M/16
FICHA TÉCNICA
Título Original: Ana, Mon Amour
Realização: Călin Peter Netzer
Argumento: Călin Peter Netzer, Cezar Paul-Badescu, Iulia Lumânare, inspirado na obra "Luminita, mon amour", de Cezar Paul-Badescu
Montagem: Dana Bunescu
Fotografia: Andrei Butica
Interpretação: Diana Cavallioti, Mircea Postelnicu, Carmen Tanase, Vasile Muraru, Adrian Titieni, Tania Popa
Origem: Roménia/Alemanha/França
Ano: 2017
Duração: 127'
FESTIVAIS E PRÉMIOS
Festival de Berlim - Urso de Prata Melhor Contribuição Artística
CRÍTICAS
Depois do fortíssimo "Mãe e Filho"
que o pôs na primeira fila dos cineastas europeus (foi Urso de Ouro, no
Festival de Berlim, em 2013) , Calin Peter Netzer só em 2017 deu nova obra ao
escuro das salas de cinema. Foi este "Ana, Meu Amor" que Berlim
voltou a premiar, desta vez, com um Urso de Prata para a montagem assinada por
Dana Bunescu. Certeiro é o galardão porque, se há aspeto formal que neste filme
se destaca, é a estrutura acrónica — e, nessa estrutura, o essencial trabalho
de montagem. Essencial será também o labor dos atores protagonistas (Diana
Cavallioti e Mircea Postelnicu), capazes de uma imensurável generosidade física
(há uma cena de amor que o mostra sem rodeios, há várias cenas de doença que o
mostram ainda mais) e de uma esplêndida gama de registos. E não se pode
esquecer o hábil trabalho de câmara à mão (Andrei Butica), a fazer de cada
plano um desafio.
No princípio do filme há uma relação amorosa.
Ana/Diana Cavallioti e Toma/ Mircea Postelnicu, estudantes na universidade,
conhecem-se, atraem-se, amam-se. Enfrentam atritos familiares, pais que não
veem com bons olhos aquele envolvimento, diferenças de classe, de perspetivas,
até de um passado político que, na Roménia como em todos os países que um dia
foram da esfera soviética, está sempre presente, a ruminar. [...] Nada disto é contado de forma temporalmente sequencial, mas
em formato de puzzle, em que as sequências de cenas se encaixam não numa
relação de causa e consequência, mas de associação (como se alguém estivesse
numa sessão de análise, se fosse lembrando de coisas e as fosse narrando). A
inteligibilidade do tecido narrativo é assegurada por detalhes fisionómicos
(por exemplo, no caso de Toma, a quantidade de cabelo que vai tendo na cabeça)
ou por variações laterais (a evolução física/etária do filho de ambos), um
espectador atento nunca se confunde.
À estrutura complexa do filme corresponde uma
muito particular constituição dramática. O cerne de "Ana Meu Amor" é
a corrosão de uma relação amorosa pela excessiva dependência entre os dois
polos dessa relação, todavia Cálin Peter Netzer não se pode dizer que goste dos
seus personagens. Dos mais velhos, dos da geração anterior à dos protagonistas,
certamente que não, com os seus rancores rançosos, as suas rancorosas
frustrações. Quanto a Ana e Toma, faz com que o nosso olhar balance sem nunca
ganhar âncora. Quando Ana se afunda no seu estado depressivo, fechada em casa,
a nossa empatia derrama-se sobre Toma; quando Ana sai, cresce e desabrocha uma
vontade de independência (e, ao invés, Toma se torna doméstico) é nela que
depositamos todo o nosso enlevo. Pelo caminho tropeçamos no vasto arsenal das
coisas que a vida ensina que fazem ferida, o ciúme, a comiseração, as bravatas,
a desconfiança (o que é que contaste ao psicanalista que nunca me contaste a
mim?), as horas que se esperam, os sucessos e as frustrações profissionais, as
vidas que se afastam. Quando o filme acaba, eles são outra vez jovens — e
Netzer produz uma vontade cerebral de termos saudades do amor.
Jorge
Leitão Ramos, Expresso
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