GUERRA FRIA
Pawel
Pawlikovski
Polónia/França/Reino Unido,
2018, 88’, M/14
FICHA TÉCNICA
Título Original: Zimna Wojna
Realização: Paweł Pawlikowski
Argumento: Paweł Pawlikowski,
Janusz Głowacki, com a colaboração de Piotr Borkowski
Montagem: Jarosław Kamiński
Fotografia: Łukasz Żal
Interpretação: Joanna Kulig, Tomasz Kot, Borys Szyc, Agata Kulesza com a participação de Cédric
Kahn, Jeanne Balibar
Origem: Polónia/França/Reino Unido
Ano: 2018
Duração: 88’
FESTIVAIS
Festival de Cannes 2018 - Melhor Realizador
CRÍTICAS
O polaco Pawel Pawlikowski, realizador do oscarizado
"Ida", filma a história de um amor complicado mas indestrutível,
vivido ao longo da Guerra Fria. Eurico de Barros dá-lhe cinco estrelas.
Pouco depois do 25 de Abril, foi publicado em Portugal um
livro de anedotas anticomunistas (quase todas passadas na União Soviética)
chamado Será o Comunismo
Solúvel em Álcool?. Sobre “Guerra Fria”, do polaco Pawel
Pawlikowski’ (“Ida”, vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro), poderíamos
perguntar: “Será o amor louco solúvel no comunismo?”. Tendo em conta a paixão turbulenta, dilacerante e inoxidável que une as
personagens do filme, Zula e Wiktor, do pós-guerra na Polónia até aos anos 60,
passando por uma Berlim ainda sem muro, pela Jugoslávia titista e por Paris,
para regressar ao ponto de partida, tão complexa e ardente como no primeiro
minuto, a resposta é simples: não.
Zula (Joanna Kulig) é mais jovem que Wiktor (Tomasz Kot)
quando se conhecem, na Polónia comunista, em 1949. Ele faz parte de uma equipa que anda a recrutar e formar os melhores
jovens cantores e bailarinos do país, para fazerem parte de um grupo folclórico
que representará o país, e a cultura popular socialista, nos países irmãos de
Leste e mesmo no Ocidente; ela é bonita, despachada e canta e dança bem.
Apaixonam-se e percebem de imediato que são feitos um para outro. Zula
até revela a Wiktor que o comissário do partido que acompanha o grupo a
encarregou de o vigiar e denunciar, se necessário. Os amantes decidem passar
para o outro lado da Cortina de Ferro durante uma estadia do grupo na Alemanha,
mas Zula não aparece e Wiktor foge sozinho.
Inspirando-se na
história dos pais, que deixaram a Polónia pela Inglaterra, Pawlikowski faz Zula
e Wiktor encontrarem-se, separarem-se e reencontrarem-se ao longo dos anos,
chegando mesmo a viver juntos e livres durante algum tempo em Paris, onde ele é
músico num bar de jazz e toca em bandas sonoras de filmes, e ela chega mesmo a
gravar um disco. Mas a inquieta Zula
é mais intransigente do que Wiktor, não só em termos artísticos como também na
paixão e na dedicação amorosa, e acaba por regressar à Polónia. Incapaz de
viver sem ela, Wiktor vende a alma ao diabo e volta também, mas paga o preço da
sua dissidência. Zula, no entanto, não o abandona, e não recua ante nenhum
sacrifício para o ver livre e ao lado dela. Porque nasceram um para o outro,
mesmo que não consigam encaixar seja no Ocidente democrático, seja no
Leste opressor.
Filmando, tal como em “Ida”, num preto e branco severo e
imperturbável, o que faz que “Guerra Fria” pareça, como aquele, um filme vindo
dos tempos do Leste totalitário onde grande parte do enredo se passa, Pawel Pawlikowski conta esta história de um amor constante, complicado e
tão abrasador que nem o rigor da invernia ideológica da Guerra Fria o consegue
extinguir, recorrendo a grandes elipses temporais, a uma enorme poupança
narrativa e a uma banda sonora omnipresente e correlativa sonora dos
acontecimentos, que mistura folclore polaco, canções de propaganda comunista,
jazz e uma pincelada de rock dos primórdios. E nem chega a
gastar meia hora, nesta idade em que grande parte dos filmes se prolongam por
duas horas ou mais, numa prolixidade estéril. (A fita teve o prémio de Melhor
Realização no Festival de Cannes).
Tomasz Kot é
muito bom no lacónico e meditativo Wiktor, mas “Guerra Fria” pertence
totalmente à fabulosa Joanna Kulig, que como Zula nos dá um dos mais
arrebatadores retratos de paixão, irascibilidade, tenacidade e devoção feminina
do cinema recente. Aos 36 anos, Kulig,
que também canta e dança bem, é completamente convincente a interpretar uma
rapariga que ainda não terá 20 anos quando a história se inicia, e no final, na
década de 60, anda perto da sua idade real. Não é para admirar que seja a
incansável e inabalável Zula a encontrar a solução para este amor
indestrutível, exactamente no mesmo sítio onde ele nasceu. Sob a sua aparente
austeridade e frigidez, “Guerra Fria” é um filme emocionalmente arrasador, com
um final de recorte “dreyeriano”, e de derreter o mais gelado dos corações.
Eurico de Barros, Observador
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