ATENÇÃO! TODOS OS OUTROS substitui O MÁGICO. 2ªf, 21h30, IPJ.


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Às vezes, temos que ter um bocadinho de paciência com certas pessoas com que travamos conhecimento, dar-lhes algum tempo para que revelem as suas qualidades, em vez de nos desinteressarmos delas logo à primeira impressão. Isto também sucede com alguns filmes: precisamos de os deixar correr, de lhes dar algum tempo para que nos provem o que valem, em vez de lhes estamparmos um rótulo 15 minutos depois de terem começado.

Todos os Outros, segunda-longa metragem da alemã Maren Ade, é um desses filmes. É fácil, ao primeiro contacto, classificá-lo de Bergman light ou de Cassavetes low fi (dois dos realizadores que Ade conta entre os seus favoritos), mas é também muito injusto. Passado na Sardenha, Todos os Outros tem como protagonistas um jovem casal, Chris (Lars Eidinger), arquitecto em começo de carreira, e Gitti (Birgit Minichmayr), publicista de uma banda rock pouco conhecida, em férias na casa de Verão dos pais dele. A relação entre ambos revela-se menos segura do que aparentava, quando surge um casal com mais sucesso e mais confiante na vida do que eles.

Todos os Outros tem aí uns 15 minutos de palha, mas Marian Ade sabe filmar o funcionamento íntimo, emocional e psicológico de um casal que ainda não acertou as agulhas da sua relação.

Grande Prémio do Júri (ex aequo com Gigante, de Adrián Biniez) e Prémio de Melhor Actriz para Minichmayr no Festival de Berlim de 2009.
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Sérgio Abranches, Timeout





Depois de Christian Petzold ("Yella") e de Maria Speth ("Madonas"), mais uma cineasta da "nova escola de Berlim" chega ao circuito comercial português. "Todos os Outros" é a segunda longa-metragem de Maren Ade, realizadora nascida em 1976 em Karlsruhe, e quem viu os filmes de Petzold ou de Speth (ou de Angela Schanelec ou de Valeska Griesebach, cá mostrados em retrospectivas e festivais), aperceber-se-á de um certo ar de família: a mesma implacabilidade do quotidiano, que se pode ritualizar ou desgovernar mas sem nunca se "transfigurar". Ou o que vale por dizer, no caso de "Todos os Outros", que Maren Ade trabalha sobre uma espécie de banalidade (um casal em férias), por vezes mesmo vulgaridade (a cena do jantar com o outro casal, ainda mais banal e vulgar), que mais do que uma ideia de "realismo" persegue uma impressão de autenticidade (física, psicológica, relacional), exposta com um rigor exaustivo mas discreto - é reparar na profusão de pequenos gestos muito simples (as mãos dos actores, sobretudo), que "enchem" os muitos planos em que aparentemente "não se passa nada" (mas também é isso que faz de "Todos os Outros" um filme que é para "ser visto", não para "ser contado").

Empatia nenhuma, por todas estas razões e mais algumas, e até a luz do Mediterrâneo (é na Sardenha que o casal passa férias) aparece em contratipo, singularmente arrefecida e quase "cruel". O rapaz e a rapariga ainda não se conhecem bem, e por isso também ainda não se entendem bem, há hesitações, mal entendidos, gestos e frases em falso. Maren Ade filma a intimidade e o desconforto, certamente, mas acima disso filma a "imperfeição" - que, com o tempo, é o que traz algum "heroísmo" às personagens, pela tenacidade com que lhe resistem. Não há empatia (não se busca "identificação"), mas há uma proximidade na relação de Ade com as personagens que se vai resolvendo ao longo do filme, como se também ela resistisse tenazmente à imperfeição deles, não desistisse de gostar deles.

E há um "ponto de vista" que adensa um pouco as coisas: é muito mais o olhar da rapariga sobre o rapaz (na noite em que fica sozinha a câmara fica com ela, não vai com o rapaz) do que dele sobre ela, são duas mulheres (Maren Ade e a personagem) a olharem a "masculinidade" (que o rapaz, que pode ser bastante idiota, directamente evoca logo num dos primeiros diálogos). Quando, na cena final e parcialmente inexplicada (referência ao "milagre" do final da "Viagem a Itália"?), o rapaz lhe pede que "olhe para ele", o ponto de vista feminino de "Todos os Outros" emerge com extraordinária delicadeza - porque é ao contrário, é ele que está, pela primeira vez, a olhar realmente para ela. Maren Ade corta logo a seguir, o filme está ganho e, suspeitamos, um casal também.
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Luís Miguel Oliveira, Público




CONTÉM DECLARAÇÕES DA REALIZADORA

"Todos os Outros" é a segunda longa de Maren Ade, premiada no Festival de Berlim de 2009 com o Grande Prémio do Júri. A realizadora alemã filmou as férias de um jovem casal alemão em Itália. E a forma como todos os outros ausentes são um fantasma presente.

"Todos os Outros" é a segunda longa escrita e realizada por Maren Ade: a história de um jovem casal alemão que passa férias numa casa na Sardenha, mas cuja viagem parece fazer esquecer, aos poucos, aquilo que os juntou à partida. O cenário surge como ideal para Ade trabalhar aquilo que, por vezes, acaba por definir um casal: a montagem das percepções que cada um deles cria sobre si.

"Interessou-me fazer um filme sobre todos os detalhes que formam uma relação", diz a realizadora. "Um filme sobre uma comunicação secreta que é própria de cada casal. Sempre imaginei que se as duas personagens regressassem a casa e alguém lhes perguntasse como tinham sido as férias, não poderiam realmente explicar o que tinha acontecido entre eles."

O casal é Chris, jovem arquitecto em busca de reconhecimento profissional, e Gitti, mulher extrovertida com um charmoso trabalho na indústria da música. A "missão de férias" dos dois - passarem dias sem "todos os outros" - vira-se contra eles. Longe dos outros, descobrem, significará uma outra condição: estarem longe daquilo que eles são. A ausência do seu círculo de vida dá lugar à projecção das suas inseguranças sobre o valor que cada um faz de si e do seu parceiro.

A fuga do casal ao seu mundo proporciona, segundo Maren Ade, um terreno para a exploração daquela que é sua matéria. "Foi importante trabalhar a influência do círculo social no casal", diz. "Queria ter um mundo de fora que entrasse pelo filme adentro, que surgisse como um tubarão na relação deles." Os outros, ausentes destes dias de prazer, acabam por influir no vazio a que o casal se entrega. Uma das projecções da vida do casal materializa-se no encontro imprevisto com um outro casal amigo - uma certa imagem concretizada daquilo que eles poderiam ser, se assim quisessem ou se conformassem. A diferença de sucesso entre os dois pares traduz-se num jogo de poder entre a felicidade agressiva do casal amigo e o desconforto realista do casal protagonista, deparados com o que não conseguem ser. "O outro casal amigo é uma fantasia do primeiro casal, uma coisa horrível que surge naquele momento. Não é um casal que os dois poderiam descrever com admiração, mas mesmo assim tem uma influência forte neles."



A indefinição de um género

A cumplicidade física entre Chris e Gitti é evidente no início do filme: os seus corpos, abertos ao Verão, surgem confortáveis um com o outro. "Não é fácil acreditar que duas pessoas são um casal no cinema", diz a realizadora. "Temos sempre a sensação que se tocam pela primeira vez. Ensaiei muito com os actores a linguagem de um casal, como esses sinais se traduzem fisicamente nas coisas pequenas".

É quando cada um se interroga sobre o papel do outro na relação que o equilíbrio é posto em jogo. "Estava interessada nesse aspecto das relações de hoje em que o homem e a mulher são muito iguais e os seus papéis estão indefinidos." Essa indefinição, um jogo constante de poder entre os dois géneros, irá atravessar o filme, tanto pela disponibilidade de cada um para o outro como pelas suas aparências físicas variáveis e inseguras.

O espaço físico das férias - a casa da mãe de Chris - acaba também por surgir como fantasma na relação, no momento em que o casal se tenta projectar no lugar de pai e de mãe, dois refúgios para a sua insegurança.

"A casa, por ser dos pais, é algo que os torna em crianças. À medida que o filme avança, ficamos com a ideia que tem uma influência neles, como uma terceira pessoa que os observa e influencia as suas decisões." Uma pressão dos outros, de novo, sobre aquele que deve ser o papel do casal, e que transfigura um perante o outro. Algo que Maren Ade associa à maneira como nos relacionamos hoje. "Sei que, por um lado, não queremos ser como todos os outros, mas por outro não estamos livres daquilo que os outros fazem ou pensam. Olhar para outras orientações é um gesto humano, e é algo com que temos de lidar na nossa geração. Hoje somos muito livres, temos todas as possibilidades para descobrir quem queremos ser e com quem queremos estar. Mas essa possibilidade não torna as relações fáceis."

Um género no cinema

Os filmes feitos das imagens de uma relação são já um género cinematográfico. Olhando para "Todos os Outros", retrato de um casal numa terra que não conhece (a Itália), lembramo-nos das férias de um outro casal estrangeiro: Ingrid Bergman e George Sanders em "Viagem em Itália" (1954) - obra-prima de Roberto Rossellini -, olhar duro mas milagroso sobre o que existe entre as imagens de um casal. "Vi alguns filmes com os actores e 'Viagem em Itália' foi um deles". Assume, contudo, outras influências nos créditos iniciais do filme, lembrando aquele que mais se debruçou sobre a matéria de vida que vem da convivência de um casal. "Vi 'Cenas da Vida Conjugal' (1973) do Ingmar Bergman e o que me mais influenciou", especifica, "foi a questão do poder: como o casal mudava e quem seria, em cada momento, o mais forte dos dois." Contudo, as personagens de Maren Ade não optam pela discussão sobre as suas paixões e inseguranças. Em "Todos os Outros", cada um prefere desviar-se desse questionamento e partir para um refúgio: o confronto físico e infantil que os desvia da responsabilização sobre o futuro da sua relação. O choque já não se mostra pelas palavras, mas pela diferença dos bruscos gestos físicos de cada um. Maren Ade sublinha esse ponto de não-retorno das relações: "Chega-se a um momento em que já não é possível falar sobre aquilo que está a acontecer. Por isso, começam a comunicar de forma física." Acabando num gesto terminal que simboliza o fim de uma linha.



O novo cinema alemão

Ao vencer o Grande Prémio do Júri de Berlim de 2009 (ex-aequo com "Gigante" de Adrián Biniez), "Todos os Outros" simbolizou o reconhecimento do novo cinema alemão, a chamada "Nova Escola de Berlim". A expressão serve para descrever a geração de alunos da dffb (a academia de cinema da cidade) que ganhou destaque a partir do novo milénio: Angela Schanelec (alvo de uma retrospectiva organizada pelo crítico André Dias para a Culturgest em 2009); Christian Petzold (cujo "Yella" estreou em Portugal e que esteve no ciclo sobre a Nova Escola de Berlim, em 2008, no São Jorge, também por André Dias) e Thomas Arslan. Outros realizadores foram associados ao grupo, apesar de não terem passado pela escola. Os seus filmes, contudo, são trabalhados em conjunto, numa colaboração que vem da sensibilidade comum e da amizade que os liga para além do cinema.

"É uma parte do cinema alemão de que gosto e que me orgulha", diz Ade. "Sou amiga de vários deles. Discutimos os filmes juntos, convido-os para a montagem e mostro-lhes a primeira versão dos meus filmes. Preciso desse contacto, escrevo sozinha e é óptimo ter essa influência de fora." Uma influência de cineastas que forma a novíssima geração do cinema alemão. "Neste filme", especifica, "trabalhei com Valeska Grisebach ['Mein Stern', 2001; 'Sehsucht', 2006], Ulrich Köhler ['Bungalow', 2002; 'Montag kommen die Fenster', 2006], Henner Winckler ['Klassenfahrt', 2002; 'Lucy', 2006] e Christoph Hochhäusler ['Milchwald', 2003; 'Falscher Bekenner', 2005; 'Unter dir die Stadt', 2010]."

O novo cinema alemão centra-se em personagens que vivem em choque com o percurso dos seus sentimentos, alienados dos motivos de um país que vive, por fim, no seu presente. Como se esse olhar perguntasse: e agora, para onde vamos?
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Jorge Mourinha, Público




Título original: Alle Anderen
Realização: Maren Ade
Argumento: Maren Ade
Direcção de fotografia: Bernhard Keller
Montagem: Heike Parplies
Intérpretes:
Birgit Minichmayr, Lars Eidinger, Hans-Jochen Wagner, Nicole Marischka, Mira Partecke
Origem: Alemanha
Ano: 2009
Duração; 119'
Classificação: M/16



A ALTERAÇÃO DE FILME DEVEU-SE A ERRO DA DISTRIBUIDORA DE O MÁGICO (CASTELLO LOPES), ASSUMIDO PELA PRÓPRIA. NÃO QUISEMOS PRIVAR O NOSSO PÚBLICO DA HABITUAL SESSÃO ÀS 2ªF. ASSIM, OPTÁMOS POR UM TÍTULO QUE ESTEVE NA CALHA PARA ESTE MÊS. E, COMO VERIFICÁVEL NESTE POST, FOI UMA BOA TROCA :-)
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2 comentários:

Anónimo disse...

Não, não foi uma boa troca!
E os erros da Castello Lopes são muito tristes e deveriam ser evitáveis. E sim, privaram o vosso público de um belíssimo filme, que mais uma vez nem sequer roçou o Algarve! Uma vergonha, obrigada Castello Lopes, obrigada Cineclube de Faro, por nada!

anabela moutinho disse...

caro/a anónimo/a,

acalme-se, sim? e não seja injusto/a, já agora.

1º, foi uma boa troca por
a) ter sido efectuada, e em tempo recorde;
b) o Todos os outros ser um bom filme.

2º, erros deviam ser evitáveis, claro que sim. eles próprios o reconheceram e assumiram. esperemos que não se repitam. se se repetirem, cá estaremos para tentar colmatar tais situações com BOAS TROCAS, mesmo que feitas em tempo recorde.

3º,
quem lhe disse que privaram, eles, ou privámos, nós, o nosso público de um belíssimo filme? precipitou-se: tencionamos exibir O Mágico, como aliás tinhamos sinalizado no facebook.

4º,
não seja ignorante, ou, pelo menos, esteja mais atento/a: O Mágico passou na Festa do Cinema Francês, no Teatro das Figuras. Eu mesma estive lá. E, curioso, até nessa altura fiz post aqui no blog a chamar a atenção...

5º,
olhe, sabe? falta de paciência TOTAL E ABSOLUTA, ao fim de tantos anos a trabalhar desinteressadamente para esta associação, para com quem é tão mal-educado/a e ingrato/a : obrigado por nada? pena não saber quem é para lhe poder dizer pessoalmente: dispenso em absoluto a sua presença nas nossas sessões.

como é anónimo/a, fica aqui o meu desagrado.

passe bem, e de preferência longe das nossas actividades, que outros sabem reconhecer e agradecer como ELAS MERECEM.